Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Vendem revistas no quiosque», o constituinte «no quiosque» tem a função de complemento oblíquo, ou de modificador?

Resposta:

O constituinte «no quiosque» deverá ser entendido como modificador (do grupo verbal), pois não é selecionado «por nenhum elemento do grupo sintáctico de que [faz] parte, [sendo que] a sua omissão [...] não afeta a gramaticalidade» do enunciado em análise (Dicionário Terminológico, Domínio B.4: Sintaxe): «Vendem revistas [no quiosque].»

Pergunta:

Em antigos livros de linhagens aparece a expressão «meter burrela». Creio tratar-se de uma expressão injuriosa ou ligada à sexualidade. Podem esclarecer-me?

Resposta:

António José Saraiva (O Teatro de Gil Vicente, Portugália Editora, 1959, p. 385) refere, numa nota explicativa de uma passagem do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, o seguinte: «Burrela: esta palavra parece ter origem numa cerimónia pela qual as mulheres acusadas de menos honestidade eram expostas, montadas num burro, aos apupos dos rapazes. Daqui parece ter derivado a expressão fazer burrela, apupar».

Pergunta:

Obrigada pelo vosso bom serviço.

Gostaria que me esclarecessem se existem duas formas de pronunciar a palavra prestação. Isto porque, quando se diz que se paga uma porção de dinheiro de uma dívida, ouço dizer "prestàção", mas quando se diz, erradamente, como sinónimo de desempenho, ouço: "prestação".

Resposta:

A palavra prestação, que pode, corretamente, significar «atuação, desempenho» (Dicionário Priberam), deverá ser, em qualquer circunstância, pronunciada [prəʃtɐˈsɐ̃ɐ̃w̃] (Grande Dicionário da Língua Portuguesa. da Porto Editora, 2010), e não [prəʃˈtаsɐ̃w̃].

Portanto, no português europeu, o a da sílaba -ta não deve ser aberto, mas fechado.

Nota: Esta indicação só se aplica ao português europeu, que é diferente da do português do Brasil, em que a (da sílaba -ta) se mantém aberto em posição átona pré-tónica.

Pergunta:

Segundo o novo acordo, os ditongos ei e oi deixam de ser acentuados nas palavras paroxítonas. Assim sendo, esta regra aplicar-se-á à palavra opioide. No entanto, o corretor ortográfico assinala esta opção como erro, corrigindo-a para a versão acentuada.

Ficou então a dúvida sobre se haverá aqui alguma exceção...

Resposta:

É correta a afirmação da prezada consulente. De facto, de acordo com o texto do Acordo Ortográfico em vigor, «não se acentuam graficamente os ditongos representados por ei e oi da sílaba tónica/tônica das palavras paroxítonas, dado que existe oscilação em muitos casos entre o fechamento e a abertura na sua articulação: [...] alcaloide, [...], Azoia, boia, boina, comboio [...] dezoito, estroina, heroico, introito, jiboia, moina, paranoico, zoina». Assim sendo, a grafia correta da palavra em análise, à luz do AO, deverá ser efetivamente opioide.

Julgo que valerá ainda a pena dizer, porém, que, apesar de o referido vocábulo não se encontrar registado em nenhum dos dicionários de português europeu de referência consultados, nem constar tampouco do Vocabulário Ortográfico do Português , desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), nem do Voca...

Pergunta:

Primeiramente, parabéns pelo excelente site que já me ajudou em inúmeras dúvidas. Não obstante, não consegui ainda achar uma solução para o seguinte:

Em formas verbais terminadas em r, s ou z, têm-se:

fá-lo-ia (faria isso)

qui-lo (quis isso)

etc.

Porém, quando se adiciona -se, o complemento do objeto direto -lo se distancia do verbo, o que retira o motivo pelo qual a partícula r, s ou z, é omitida.

A mesóclise faz-se-lo é, portanto, correta? O -lo deve continuar referenciando a forma verbal, mesmo estando distanciado da mesma?

Resposta:

A mesóclise, isto é, a colocação dos pronomes átonos no meio do verbo, só é possível com formas do futuro ou do condicional (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 310; Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 865): ex.: «Os serviços avisá-la-ão da data da prova.» «Se me fizesse essa pergunta, recusar-me-ia a responder.»

Assim, não será viável, na língua portuguesa, uma construção do tipo da sugerida pelo estimado consulente: «*faz-se-lo» (o asterisco indica a agramaticalidade do enunciado).

Julgo que valerá ainda a pena referir que Mateus e outros (em gramática já citada, pp. 865-866) notam que a mesóclise é um caso de «sobrevivência da gramática antiga», sendo que «dados de aquisição, produções de falantes de variedades populares e, em geral, de gerações mais novas revelam que a ênclise [colocação do pronome átono depois o verbo] está a invadir os contextos de mesóclise: ?Telefonarei-te mais vezes. (12 anos, 6.º ano de escolaridade, modo escrito)? Na conjuntura socioeconómica, poderá-se verificar um saldo bastante positivo (prova específica de acesso ao ensino superior, modo escrito)».