Pergunta:
Recentemente, uma pessoa escreveu, num blogue, as seguintes frases:
«Parece-me que vai sendo tempo de os últimos defensores da forma brasileira "por que" em Portugal acatarem a lei, ou então emigrarem para o Brasil. Que pena não haverem multas para estas infracções!»
Várias outras pessoas, nas quais me incluo, apontaram o «haverem» da última frase como um erro; sendo que o verbo haver tem ali o significado de «existir», deveria ser conjugado no singular e não no plural: «Que pena não haver multas para estas infracções!» seria, portanto, a frase correcta.
A pessoa em causa veio depois contrapor com os seguintes argumentos, que passo a citar:
«Se forem ao Dicionário Houaiss (versão electrónica), verão que a primeira acepção de haver é "t. d. ant. ter ou obter comunicação de; receber", e é dado o exemplo: "Logo os Noronhas houveram notícia da sua prisão."
«Mais adiante, encontra-se a acepção "t. d. bit. frm. ser aquele sobre quem incide ou a quem se dirige a ação; receber" e são dados os exemplos: "Os sitiantes houveram dos mouros as suas cicatrizes"; "Não haverão favores de ninguém."
«Aquele "haverem" está por "receberem", e refere-se aos «últimos defensores da forma brasileira "por que" em Portugal» que estavam na frase anterior e que desempenham na última frase a função sintáctica de sujeito.» (Fim de citação.)
Por último, de forma a explicar o uso de para na última frase, a justificação apresentada foi (passo a citar): «Vão de novo ao Dicionário Houaiss e atentem na acepção de ...
Resposta:
É verdade que, na versão eletrónica 1.0 do Dicionário Houaiss, a primeira aceção do verbo haver é a que o estimado consulente transcreveu no corpo do texto da sua pergunta. Porém, também é verdade que, na referida versão do citado dicionário, antes da definição propriamente dita, somos alertados pela seguinte nota: «Diacronismo: antigo.» Isto é, a utilização do verbo haver, significando «obter comunicação de; receber», é considerada, no dicionário, algo desatualizada e afastada de contextos modernos da aplicação da língua.
Por outro lado, julgo que será igualmente importante notar que, na versão eletrónica mais recente do Dicionário Houaiss (3.0 – junho de 2009), esta aceção antiga do verbo haver deixou de constar da lista das definições propostas, sendo que se mantêm outras (também classificadas como antigas), tais como «ser proprietário de; possuir»; «experimentar (uma sensação física, psicológica ou moral); sentir». Acresce que em nenhum outro dicionário por mim consultado (português ou brasileiro) o verbo haver surge contextualizado nesta aceção específica. Será ainda de valorizar também o facto de, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, pp. 532-535 — onde se faz uma descrição exaustiva dos usos (modernos e antigos do verbo haver) — não se fazer qualquer alusão ao enquadramento aqui em análise.
Assim, o enunciado transcrito poderá fazer sentido apenas numa perspetiva lúdica e algo folclórica da língua, pois, mesmo que aceitássemos a sua validade, temos consciência de que já n...