Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Recentemente, uma pessoa escreveu, num blogue, as seguintes frases:

«Parece-me que vai sendo tempo de os últimos defensores da forma brasileira "por que" em Portugal acatarem a lei, ou então emigrarem para o Brasil. Que pena não haverem multas para estas infracções!»

Várias outras pessoas, nas quais me incluo, apontaram o «haverem» da última frase como um erro; sendo que o verbo haver tem ali o significado de «existir», deveria ser conjugado no singular e não no plural: «Que pena não haver multas para estas infracções!» seria, portanto, a frase correcta.

A pessoa em causa veio depois contrapor com os seguintes argumentos, que passo a citar:

«Se forem ao Dicionário Houaiss (versão electrónica), verão que a primeira acepção de haver é "t. d. ant. ter ou obter comunicação de; receber", e é dado o exemplo: "Logo os Noronhas houveram notícia da sua prisão."

«Mais adiante, encontra-se a acepção "t. d. bit. frm. ser aquele sobre quem incide ou a quem se dirige a ação; receber" e são dados os exemplos: "Os sitiantes houveram dos mouros as suas cicatrizes"; "Não haverão favores de ninguém."

«Aquele "haverem" está por "receberem", e refere-se aos «últimos defensores da forma brasileira "por que" em Portugal» que estavam na frase anterior e que desempenham na última frase a função sintáctica de sujeito.» (Fim de citação.)

Por último, de forma a explicar o uso de para na última frase, a justificação apresentada foi (passo a citar): «Vão de novo ao Dicionário Houaiss e atentem na acepção de ...

Resposta:

É verdade que, na versão eletrónica 1.0 do Dicionário Houaiss, a primeira aceção do verbo haver é a que o estimado consulente transcreveu no corpo do texto da sua pergunta. Porém, também é verdade que, na referida versão do citado dicionário, antes da definição propriamente dita, somos alertados pela seguinte nota: «Diacronismo: antigo.» Isto é, a utilização do verbo haver, significando «obter comunicação de; receber», é considerada, no dicionário, algo desatualizada e afastada de contextos modernos da aplicação da língua.

Por outro lado, julgo que será igualmente importante notar que, na versão eletrónica mais recente do Dicionário Houaiss (3.0 – junho de 2009), esta aceção antiga do verbo haver deixou de constar da lista das definições propostas, sendo que se mantêm outras (também classificadas como antigas), tais como «ser proprietário de; possuir»; «experimentar (uma sensação física, psicológica ou moral); sentir». Acresce que em nenhum outro dicionário por mim consultado (português ou brasileiro) o verbo haver surge contextualizado nesta aceção específica. Será ainda de valorizar também o facto de, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, pp. 532-535 — onde se faz uma descrição exaustiva dos usos (modernos e antigos do verbo haver) — não se fazer qualquer alusão ao enquadramento aqui em análise.

Assim, o enunciado transcrito poderá fazer sentido apenas numa perspetiva lúdica e algo folclórica da língua, pois, mesmo que aceitássemos a sua validade, temos consciência de que já n...

Pergunta:

No seguinte excerto: «Apercebi-me, então, de que a fixava há demasiado tempo...», a palavra «então» e a expressão «há demasiado tempo» são deíticos. Se não o são, porquê?

Resposta:

Está correta a afirmação do estimado consulente.

De facto, ambas as expressões sugeridas poderão ser consideradas deíticos, pois são «formas adverbiais que remetem para um tempo anterior, simultâneo ou posterior ao tempo em que o eu fala» (Dicionário Terminológico, Domínio C: Análise do Discurso, Retórica, Pragmática e Linguística Textual), apontando «para intervalos de tempo identificáveis em função da relação que mantêm com o tempo da sua própria enunciação» (Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 62).

 

N. E. (10/05/2017) – No quadro da aplicação, a partir de 2010, do Acordo Ortográfico de 1990, passou a escrever-se deítico, conforme a realização fonética mais generalizada deste termo dos estudos linguísticos, cuja transcrição fonética corresponde a [dɐˈitiku] (cf. deíctico, díctico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciêcias de Lisboa; ver também o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). No entanto, continua a aceitar-se a grafia deíctico, dado a pronúncia com [k] – [dɐˈiktiku] – ter também frequência significativa em Portugal, no discurso especializado ; é o que fazem o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e o

Pergunta:

No livro de exercícios Gramática Activa I, de Olga Mata Coimbra e Isabel Coimbra, edição Lidel, aparece como pronomes pessoais do complemento directo me, te, o/a, nos vos, os/as e como pronomes do complemento indirecto me, te, lhe, nos, vos, lhes.

A minha dúvida recai sobre os pronomes da 1.ª e 2.ª pessoas do singular e do plural, como exemplos apresentam as seguintes frases:

Como pronomes pessoais do complemento directo «– Não consigo levantar o caixote. Ajudas-me?/– Ajudo-te já. É só um minuto» e «–Podes levar-nos a casa?/– Está bem. Eu levo-vos.»

Como pronomes pessoais do complemento indirecto: «– Apetece-te alguma coisa?/– Apetece-me um gelado» e «– O que é que nos perguntaste?/– Perguntei-vos se vocês estão em casa hoje à noite.»

Reformulando cada frase introduzindo a preposição a (por excelência a preposição que inicia o complemento indirecto) resultaria algo como:

«– Podes ajudar a mim?/– Eu posso ajudar a ti»; «– Podes levar a nós a casa?/– Eu levo a vós a casa» (ex. do comp. directo);

«– Apetece alguma coisa a ti?/– A mim apetece um gelado»; «– O que perguntaste a nós?/– A vós perguntei se estão em casa» (ex. comp. indirecto).

Como poderei distinguir se um

Resposta:

No que diz respeito à função sintática objeto direto (OD), Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 144, na secção dedicada à análise dos vários subtipos de objeto direto, notam a existência do chamado «objeto direto pleonástico»: «Quando se quer chamar a atenção para o objeto direto que precede o verbo, costuma-se repeti-lo. É o que se chama objeto direto pleonástico, em cuja constituição entra sempre um pronome pessoal átono: Palavras cria-as o tempo e o tempo as mata.[...] Árvore, filho e livro, queria-os perfeitos.» [...] O objeto direto pleonástico pode também ser constituído de um pronome átono e de uma forma pronominal tónica preposicionada: A mim, ninguém me espera em casa. [...] Não te mirou a ti, a ti também sem cor! [...] Encontrou-nos a nós

Pergunta:

«Na reunião o presidente se disse orgulhoso da atuação da assembleia.»

Na frase acima, pode-se dizer que «orgulhoso» funciona sintaticamente como predicativo do objeto indireto, que, no caso, seria o pronome «se»?

Resposta:

Celso Cunha e Lindley Cintra notam que «somente com o verbo chamar pode ocorrer o predicativo do objeto indireto: A gente só ouvia o Pancário chamar-lhe ladrão e mentiroso. Chamam-lhe fascista por toda a parte» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 147).

Por outro lado, Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 297, listam como possíveis verbos copulativos (potenciais geradores de predicativos do sujeito) andar, continuar, estar, ficar, parecer, permanecer, revelar-se, ser, tornar-se, e, como verbos transitivos-predicativos (potenciais geradores de predicativos do complemento direto) achar, considerar, classificar, nomear, tornar), não mencionando sequer a possível existência de predicativos do complemento indireto, sendo que o Dicionário Terminológico, por exemplo, segue o mesmo caminho de Mateus e outros.

Posto isto, valerá ainda a pena reparar que o verbo

Pergunta:

Sou professor de Informática, desde o básico, passando por montagem e manutenção de computadores e, em uma de minhas aulas, fui surpreendido por uma pergunta incomum, em um curso de computadores: a diferença entre objetivo e foco.

Fiquei um pouco desconcertado em não ter a resposta na ponta da língua, mas prometi à turma uma explicação de qualidade. Afinal, foco e objetivo diferem em quê?

Resposta:

Estamos a falar de dois vocábulos com sentidos distintos.

Objetivo pode significar «aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação; propósito; relativo ao objeto; diz-se do que está no campo da experiência sensível independentemente do pensamento individual e percetível por todos os observadores; livre de interesses, de gostos, de preconceitos; imparcial, isento; que age rápido e não perde tempo em lucubrações; prático, positivo; que não é evasivo; direto; que está situado na exterioridade do sujeito cognitivo humano, podendo ser capturado pelo intelecto» (Dicionário Houaiss); «diz-se do que é válido para todos, e não apenas para um indivíduo; diz-se de fenómeno natural que se determina conforme os critérios científicos vigentes; no método interativo, o valor final para o qual convergem progressivamente os resultados das sucessivas interações; objeto» (Novo Dicionário Aurélio); «referente ao objeto que se tem em mente [antónimo de subjetivo]; que julga as coisas com o máximo de isenção e imparcialidade; que procura ser direto, preciso, sem se afastar de seu objeto ou finalidade, nem perder tempo com lucubrações; prático; meta a ser alcançada; objeto; escopo; propósito; diz-se da ideia ou de tudo que se refere aos objetos exteriores ao espírito; alvo principal das operações ou manobras militares» (Aulete Digital); relativo a objetos externos a nós; procedente de sensações (em oposição a subjetivo); que está voltado para o objeto que se examina (em oposição a ocular); diz-se da objetiva (linha); alvo, fim, propósito; ponto, linha ou zona do terreno a bater pelo fogo (bombardeamento) ou a conquistar pelo movime...