Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Posso empregar uma frase usando o se com o verbo agradecer (que tem regência indireta) no seguinte caso: «Ele agradeceu-se pelo sorriso» (o sentido é este: ele agradeceu a si mesmo pelo sorriso)? É possível eu usar «Ele se agradeceu-lhe»?

Resposta:

No enunciado sugerido pelo consulente, o verbo agradecer surge na forma pronominal.

Porém, não encontrei, em nenhum instrumento linguístico de referência, a possibilidade de o referido verbo poder ser usado em contextos pronominais.

Assim, agradecer pode ser transitivo direto: «agradecer uma gentileza» (Dicionário Houaiss), transitivo indireto: «Recebi dele um favor, e ainda não lhe agradeci» (Novo Dicionário Aurélio), e intransitivo: «Sensibilizado, agradeceu humildemente» (Aulete Digital).

O verbo que mais próximo poderá eventualmente estar do sentido semântico pretendido será talvez congratular(-se) («regozijar-se por um evento feliz ou auspicioso, por um acerto, etc., próprio ou de outrem»). Neste caso, já será viável usar a referida forma pronominal, ex.: «congratulei-me por aquela noite inesquecível» (Dicionário Houaiss).

A segunda proposta do consulente – «Ele se agradeceu-lhe» – é ainda mais estranha, pois parece corporizar uma forma híbrida, resultante, simultaneamente, de uma aplicação do verbo agradecer como transitivo direto e como transitivo indireto.

Pergunta:

Minha pergunta está relacionada com a etimologia da língua portuguesa. Ando escrevendo um livro onde os personagens são espíritos. Eles, como são feitos de matéria, são capazes de desaparecer em um lugar para reaparecer em outro. Meu problema está no fato de eu conhecer somente dois verbos capazes de descrever tal ação (teletransportar e teleportar). São verbos sucintos e diretos, mas eu procuro uma coisa diferente, uma vez que estes dois remetem um universo sci-fi e a ideia de naves espaciais e tecnologia do futuro.

Logo, preciso de um verbo que expresse uma nova ideia, onde um espírito seja capaz de teleportar-se sem ser confundido com um alienígena (como pode-se perceber na aplicação deste exemplo). Então, resta-me criar um novo verbo. Mas o que devo fazer para isto? Devo pesquisar prefixos e radicais? É correto fazer isto, ou vai contra alguma norma linguística? Pode ser malvisto aos olhos de estudiosos da língua portuguesa?

Resposta:

De facto, a maioria das aceções associadas ao verbo teletransportar (e ao nome teletransporte), sugeridas pelos instrumentos linguísticos de referência consultados, remetem para o universo da ficção científica: «Na ficção científica, transporte a longa distância, que consiste na desmaterialização do corpo no lugar de origem, seguido da rematerialização no lugar de destino: Como ainda não inventaram o teletransporte, ir para os EUA ver a exposição não é fácil. (O Globo, 10.02.2003)» (Aulete Digital); «Na ficção científica, transporte de um corpo através da sua desmaterialização e nova materialização noutro lugar» (Dicionário Priberam). Apenas a Infopédia parece não estabelecer uma relação direta entre estes termos e a ficção científica: «mover um objeto, supostamente por telecinesia, mudar-se instantaneamente de um lugar para outro sem utilizar um veículo.» No que diz respeito ao vocábulo teleportar, é de notar que este não aparece registado em nenhum dos instrumentos consultados, apesar de surgir com alguma frequência em diversas páginas na Internet.

De qualquer forma, e respondendo ao apelo do consulente, direi que existem outros termos que se poderão eventualmente adequar, por extensão, de forma mais sólida, às intenções semânticas descritas:

1) migração (ex.: «migração das almas»). Segundo o Dicionário Houaiss, por exemplo, esta palavra deriva do latim migratìo,ónis, significando «passa...

Pergunta:

Na frase «Eu permiti aos alunos estudar/estudarem Português», está certa a concordância dupla?

Resposta:

O enunciado proposto pelo consulente contém uma oração completiva (ou integrante, na tradição gramatical luso-brasileira) não finita (isto é, que apresenta o verbo no infinitivo, flexionado ou não flexionado — neste caso, estudarem ou estudar), selecionada pelo verbo declarativo de ordem1 permitir: «estudar/estudarem Português».

Assim, se acompanharmos o raciocínio proposto por Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa, p. 623), as completivas não finitas canónicas2 «podem exibir o verbo no infinitivo não flexionado ou no infinitivo flexionado», ex.: «Os pais disseram aos miúdos [para vir(em) para casa cedo].»

Deste modo, e respondendo diretamente à questão apresentada pelo consulente, direi que as duas formulações serão aceitáveis, isto é, «Eu permiti aos alunos [estudar(em) Português]». Ainda segundo Mateus e outros, é de notar que esta «é uma opção marcada, havendo poucas línguas no mundo que a admitam» (p. 624).

1 Pertencem a esta classe verbos como ordenar, pedir, rogar, suplicar, consentir, exigir, permitir (Mateus e outros, op. cit., pp. 601 e 609).

2 Isto é, as completivas não finitas que não são substituíveis por orações gerundivas, denominadas infinitivas gerundivas, como é o caso, por exemplo, de: «Eu vi [os meninos a devorar(em) o gelado]» (= «Eu vi [os meninos devorando o gelado]) (Mateus e outros, op. cit., pp. 623 e 643).

Pergunta:

As palavras metrologia e meteorologia podem ser consideradas palavras parónimas?

Parabéns e votos de continuação do vosso excelente trabalho em constante defesa e salvaguarda da língua portuguesa.

Resposta:

Agradeço, em nome do Ciberdúvidas, as simpáticas palavras que teve a amabilidade de nos dirigir.

Julgo que está correta a apreciação feita pelo prezado consulente, pois, de acordo, por exemplo, com a Associação de Informação Terminológica (AIT), «designam-se por parónimas as palavras que são quase idênticas formalmente, mas cujos significados são diferentes, como acontece, por exemplo, com os pares conjectura/conjuntura, aprender/apreender [...] previdência/providência, comprimento/cumprimento», notando-se ainda que as mesmas, como facilmente se constata, podem ser «fonte de lapsos e de interferências intralinguísticas».

Deste modo, creio que as características inerentes ao par vocabular metrologia/meteorologia são compatíveis com a definição e a nota citadas.

Pergunta:

Recentemente, deparei-me com a expressão «grávido de si mesmo» numa peça processual.

Ora, eu conheço a expressão no domínio da psicologia (aplica-se para descrever uma determinada fase da adolescência), mas ali, naquele contexto, não era a esse sentido que se recorria. De resto, já ouvi a expressão noutros contextos, mas não sei ao certo o que significa num domínio, digamos, mais corrente.

Assim, tomo a liberdade de escrever a V. Exas. para indagar se poderão esclarecer esta minha dúvida.

Resposta:

Como muito bem salienta a estimada consulente, a expressão «grávido de si mesmo» surge comummente associada a um processo de transformação característico da adolescência (leia-se, por exemplo, esta entrevista do filósofo brasileiro Mário Sérgio Cortella).

Numa perspetiva de uso mais quotidiano e de caráter muito mais informal, a referida expressão metafórica surge na linha de uma outra, usada com alguma frequência, «estar grávido de esperança», que significa, como será fácil de ver, «estar cheio de esperança».

Assim, «(parecer) estar grávido de si mesmo/próprio» significará:

1) «estar/sentir-se inchado, verdadeiramente cheio» (uso mais literal);

2) «só se ver a si próprio», «só pensar em si próprio», «estar centrado/concentrado no/olhar para o seu umbigo» (aceção normalmente jocosa);

3) «fazer depender o futuro de si próprio», «ter potencial para poder vir a ter um bom futuro» (aceção de caráter elogioso): «O Brasil está grávido de si mesmo. O Brasil descobriu que, em suas entranhas, está seu futuro, que é o pré-sal. O Brasil está-se descobrindo para se apresentar ao mundo» (excerto de um discurso da deputada federal Jô Moraes, do Bloco/PCdoB-MG, na