Nuno Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carvalho
Nuno Carvalho
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Investigador do ILTEC; foi leitor de Português na Universidade de Oxford (2001-2003).

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A expressão «por isso» é uma locução conjuncional? Assim sendo, é coordenativa conclusiva, ou subordinativa causal?

Resposta:

A classificação de expressões como «por isso», «por conseguinte», etc. tem vindo a levantar problemas aos gramáticos ao longo dos tempos. Disso mesmo dá conta Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa, quando chama a expressões deste tipo «unidades adverbiais que não são conjunções coordenativas». Diz o autor que a tradição gramatical as classifica como conjunções coordenativas, mas que assim não deveria ser (e já outros eméritos gramáticos não o faziam) porque estas expressões «marcam relações textuais e não desempenham o papel conector das conjunções coordenativas».

Prova-o o facto de poderem ocorrer com conjunções, como nesta frase encontrada no Livro do Desassossego de Fernando Pessoa:

«... uma vaga doença, que se não materializa em dor e por isso tende a espiritualizar-se em fim...»

O e é a conjunção que une as orações, ao passo que «por isso» estabelece a relação semântica com o que foi dito.

São estes argumentos que levam a que actualmente se classifique este tipo de expressão como conectores discursivos. Quanto ao seu valor, «por isso» pode ter valor explicativo ou conclusivo.

Pergunta:

Gostaria de saber, ao separar a palavra queijo, como a classifico quanto aos encontros vocálicos.

Resposta:

Ao separar a palavra queijo, obtém-se quei-jo. Há apenas um encontro vocálico, <ei>, que é um ditongo decrescente. 

Pergunta:

Numa dúvida fala-se de «fumar/defumar vidros» e de como há uma predominância de um termo no Brasil e de outro em Portugal. A minha dúvida é: será que no caso de «fumar/defumar os alimentos» (carnes e peixes) se verifica o mesmo. Mais, será que fumado pode ser utilizado apenas como adjectivo, ex.: «este toucinho é fumado», mas também como substantivo (normalmente plural) ex.: «os fumados produzidos pela Sicasal»?

Obrigado.

Resposta:

Sim, segundo o Dicionário Houiass da Língua Portuguesa, defumar, com o sentido que a consulente refere, é mais utilizado no Brasil, e fumar, mais em Portugal.

As palavras fumado e defumado podem ser utilizadas como adjectivos

«Este toucinho é fumado/defumado

«No Norte da Europa come-se muito salmão fumado/defumado

ou como nomes:

«Os fumados/defumados caseiros são uma maravilha.»

«Será que o consumo de fumados/defumados faz mal?»

apesar de os dicionários que consultei registarem apenas a sua utilização enquanto adjectivos.

Pergunta:

O substantivo compaixão tem algum adjectivo relacionado com ele? Tal como há misericórdia e misericordioso?

Ou como se poderia dizer de uma outra forma no seguinte contexto:

«Tudo quanto permanece entre o conflito mundial que hoje em dia enfrentamos e um mundo _____________ e pacífico é encontrar valores comuns sobre os quais possamos todos acordar»?

Muito obrigada pela vossa ajuda e rápida resposta.

Resposta:

Sim, existem os adjectivos compassivo e compassível. De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, compassivo significa «que tem ou mostra compaixão», ao passo que compassível significa «susceptível de sentir compaixão, que sente compaixão facilmente». Qualquer destes dois adjectivos pode ser utilizado na frase que a consulente apresenta.

Pergunta:

Há dias, no noticiário da RTP, pelas 13 horas, a jornalista Sandra Felgueiras disse: «... o muro foi ruindo de forma parcial». Será que ela quereria dizer «o muro ruiu parcialmente»?

Resposta:

Parece-me que tem razão o consulente. O verbo ruir significa, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, «cair com ímpeto e rapidamente», e a construção perifrástica com gerúndio dá uma ideia de acção que se prolonga no tempo, pelo que a construção «o muro foi ruindo» é, em si, contraditória. «O muro ruiu de forma parcial», «O muro ruiu parcialmente» ou «Parte do muro ruiu» seriam opções mais acertadas.