Nuno Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carvalho
Nuno Carvalho
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Investigador do ILTEC; foi leitor de Português na Universidade de Oxford (2001-2003).

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual o verbo correspondente ao adjectivo feroz.

Resposta:

Não existe um verbo correspondente ao adjectivo feroz. O que se pode fazer é usar uma perífrase como «tornar-se feroz», por exemplo.

Pergunta:

Em primeiro lugar, parabéns, parabéns, parabéns.

A minha dúvida refere-se a determinadas utilizações do itálico.

Gostaria então de saber se os nomes das marcas comerciais devem ser escritos em itálico.

E as designações comerciais dos respectivos produtos?

Deverá utilizar-se ou não o itálico consoante se trate de marcas mais, ou menos, conhecidas, como «Coca-Cola» e «Tekdirekt», por exemplo?

E em relação a organizações, como partidos, instituições de governo, associações profissionais, etc., e respectivas siglas?

Muito obrigado.

Resposta:

De acordo com o Código de Redacção Interinstitucional da União Europeia, usa-se itálico no nome próprio de marcas. Assim, marcas como Coca-Cola ou Tekdirekt devem aparecer em itálico, sejam ou não marcas conhecidas.

Por sua vez, as siglas dos diferentes tipos de organizações que o consulente refere mantêm-se em romano.

Pergunta:

A letra de uma determinada música diz:

«Se o sol se pôr e a noite chegar, tu és quem me guia.
Se a tempestade me alcançar, tu és meu abrigo.
Se o mar me submergir a tua mão me traz à tona pra respirar e me faz andar sobre as águas...»

Pergunta: devo corrigir a letra de uma música popular, ou posso cantar de forma errada? O que é certo?
O que devo responder aos questionamentos?

Resposta:

Suponho que a consulente se refere ao uso de «Se o sol se pôr» em vez de «Se o sol se puser». De facto, tratando-se de uma oração subordinada condicional, deveria ser usado o futuro do conjuntivo (puser) em vez do infinitivo (pôr). Também na frase «Se o mar me submergir, a tua mão me traz à tona pra respirar e me faz andar sobre as águas...» depois da oração subordinada com o verbo no futuro do conjuntivo, submergir, seria de esperar que os verbos subsequentes estivessem no futuro do indicativo: em vez de «me traz», «me trará»; em vez de «me faz», «me fará».
Gramaticalmente são estes os problemas a apontar à letra da canção e, se lhe perguntam se os há, deverá dizer que sim.

Metendo a minha foice em seara alheia, deixe-me dizer-lhe, no entanto, que não me parece motivo para deixar de a cantar tal como foi escrita, uma vez que estará, dessa forma, a adulterá-la.

Pergunta:

Como explicar a evolução de "sô" para sou? Uma ditongação?

Resposta:

O estádio de evolução da primeira pessoa do singular do verbo ser anterior a sou não foi , mas . Segundo E. B. Williams, a evolução desta forma foi a seguinte:

«Primeira pessoa do singular sŭm > port. arc. som ou > port. arc são, substituído por sou por analogia com vou e estou.» E. B. Williams, Do Latim ao Português.

De acordo com o mesmo autor, era comum a ocorrência de três grafias, , som e são no século XV, mas todas correspondentes ao mesmo som [õ], como provam as rimas de obras da época. A evolução para sou deu-se não por fenómenos fonéticos, mas sim por analogia com formas da primeira pessoa de outros verbos frequentes como vou e estou.

Pergunta:

Ao traduzir um texto do inglês, deparei-me com definições diferentes para parricídio e patricídio. Segundo o autor, o primeiro designa o assassínio de um familiar ou ascendente próximo, não especificado; o segundo, o assassínio do pai em concreto (e matricídio, quando se trata da mãe). No entanto, em Portugal, o termo parricídio parece ser o usado para referir o assassínio do pai (na generalidade dos dicionários, a palavra patricídio nem sequer aparece). Quer isso dizer que, em português, a distinção entre os dois termos não faz sentido?

Resposta:

De facto, patricídio significa apenas, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, «assassinato do próprio pai». Parricídio, por sua vez, quer dizer «assassinato do pai ou outro ascendente». Refira-se, no entanto, que patricídio aparece registada somente no referido Dicionário Houaiss e não em outros dicionários de português do Brasil — Aurélio Século XXI e Aulete —, o que sugere que mesmo no Brasil não é comum fazer-se a distinção.

Em português europeu não se faz esta distinção; os dicionários consultados (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora) bem como o Portal da Língua Portuguesa apresentam apenas a palavra parricídio.