Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou a preparar um exercício onde peço que os alunos completem um acróstico de verbos, iniciados por cada uma das 23 letras do alfabeto. Estou com dificuldades em encontrar um verbo começado por x... As alternativas são palavras brasileiras. Podem ajudar-me?

Obrigada.

Resposta:

São poucas as ocorrências, pelo que revemos também verbos da variante brasileira.

No português brasileiro há, pelo menos, três verbos correntes: xerocar [xeroxar, xerocopiar] (equivalente ao fotocopiar do português europeu), xingar (insultar ou proferir palavras insultuosas) e xeretar [xeretear] (intrometer-se ou procurar saber tudo).

No português europeu, o Portal da Língua regista xinar, verbo próprio do calão que significa «atingir com um faca; esfaquear», e também xonar1, outro verbo do calão que significa «dormir».

No Dicionário de Calão, de Albino Lapa, temos o verbo xadrezar com o sentido de «iludir, engrampar, embarrilar».

No Dicionário de Transmontanismos, de Adamir Dias e Manuel Tender, surge xurdir como sinónimo de «trabalhar assiduamente», enquanto o Dicionário de Falares dos Açores, de J. M. Soares de Barcelos, tem xardar como equivalente de «tostar»; e, tal como no português brasileiro, xingar como equivalente não só de «insultar», mas também de «aborrecer, bater». A título de curiosidade, xingar tem origem no quimbundo xinga, com o significado de «insultar, ofender, blasfemar».

O Dicionário Priberam regista este verbo como chonar, mas no Dicionário de Calão, de Albino Lapa, está atestado xoina como o estado de adormecimento ou o a...

Pergunta:

Mais de uma vez, nos mais variados contextos, vi surgir a palavra sedutório enquanto sinónimo da palavra sedutor. É tal correcto, ou um abuso linguístico?

Resposta:

Para utilizar a expressão referida pelo consulente, sedutório parece ser «um abuso linguístico».

Embora a palavra aparente estar bem formada, partindo do radical etimológico de sedutor (latim seductum) e juntando o sufixo -ório, usado em português para formar adjetivos e substantivos cultos, o termo sedutório não surge atestado em nenhum vocabulário do português, nem encontrámos qualquer ocorrência do mesmo nos corpora consultados (Corpus do Português: 45 million words, 1300s-1900s, de Mark Davies e Michael Ferreira; CetemPúblico).

De toda a maneira, o Dicionário Houaiss refere que o sufixo -ório é usado «em criações ou derivações populares com ideia de coletivos, mais ou menos pejorativo, mais ou menos irrisório ou risório, mais ou menos hiperbolizante, mais ou menos diminutivo». Entre os exemplos que apresenta estão casório, finório, igrejório, latinório, vilório.

Deste modo, poderemos considerar sedutório como um termo criado num registo informal com o intuito de atribuir uma das ideias acessórias acima referidas. Visto desta maneira, a palavra já não será um "abuso linguístico", mas, sim, uma marca da criatividade humana, em particular da criatividade linguística. Será, contudo, um abuso utilizar essa palavra fora do registo informal e nos mais variados contextos, como observou o consulente.

Pergunta:

É correto dizer: «As árvores fornecem o ar que respiramos, a sombra que nos (abrigamos) ou (abriga) e o verde...»?

Resposta:

A frase deve ficar com o verbo abrigar no singular, porque o sujeito da oração relativa é o pronome que cujo antecedente é sombra, enquanto nos — atenção, que não é o pronome nós — é o complemento direto do verbo. Será mais evidente se a frase tiver outra configuração:

«A sombra abriga-nos.»

Assim, a frase original deverá ser: «As árvores fornecem o ar que respiramos, a sombra que nos abriga e o verde... [que nos encanta].»

Pergunta:

Desconheço qual o substantivo indicativo da qualidade de ser esparso. A existir ou a ser criado, como deverá(ia) ser à luz das regras morfológicas?

Resposta:

Não encontrámos registo do referido substantivo, apenas possíveis sinónimos, como dispersão, dissipação ou rarefação. A ser criado, poderia ser com base no sufixo –dade, utilizado para formar nomes abstratos derivados de adjetivos, o que resultaria  em "esparsidade".

Pergunta:

Surgiu recentemente uma dúvida numa sessão de formação para a qual ainda não encontrei uma resposta satisfatória.

Trata-se de esclarecer qual a função sintática desempenhada pela palavra comigo na frase «Ele ficou furioso comigo».

Agradeço a vossa disponibilidade e fico a aguardar uma resposta.

 

Resposta:

Na frase em questão, comigo desempenha a função de complemento do adjetivo furioso.

Atente-se que, embora seja um pronome pessoal, a etimologia de comigo é com + migo e ocorre no mesmo contexto que, por exemplo, «com ela», pelo que devemos considerar estarmos perante um argumento preposicional do adjetivo.

Por outro lado, os complementos do adjetivo são, muitas vezes, de preenchimento opcional, como ocorre, por exemplo, com o adjetivo contente (cf. Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, p. 384).