Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Após ter lido várias definições de antítese e paradoxo, inclusivamente as vossas, gostaria que, se possível, me explicassem a razão pela qual se considera que nos versos de Camões «Amor é um fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer» esteja presente a antítese e não o paradoxo, como afirmam diversas análises do poema camoniano. Não existe, então, contradição dentro do próprio elemento, nos versos transcritos?

Resposta:

Antítese, oximoro e paradoxo são três termos que se podem prestar a confusões, dada a proximidade dos seus conceitos.

1. A antítese é a contraposição de dois pensamentos de volume sintáctico variável. Podemos considerar a antítese de frase, a de grupos de palavras e a de palavras isoladas.
a) Na antítese frásica, são contrapostas entre si proposições inteiras. Ex.: "Eu não mando, nem vedo." (Castro, IV)
"E, porque tanto calou, por isso deu tamanho brado." (Sermão de Santo António, V)
b) A antítese pode ocorrer entre grupos de palavras.
Ex.: "Ajunta ao mal passado o bem presente." (Castro, I)
"Dai-me uma fúria grande e sonorosa / e não de agresta avena ou frauta ruda, / mas de tuba canora e belicosa" (Os Lusíadas, I, 5)
"a minha família... Já não tenho família" (Frei Luís de Sousa, II)
c) Há ainda a antítese de palavras isoladas.
Ex.: "D'ua parte receo, mas d'outra ouso." (Castro, II)
"A justiça, senhor, pinta-se armada / De espada aguda, contra cujos fios / Não possa haver brandura nem dureza." (Castro, IV)

2. Se entre esses termos em oposição se constituir uma relação absurda, inverosímil, que foge às regras comummente aceites, estamos perante um oximoro. De uma forma simples, pode dizer-se que o oximoro é uma intensificação da antítese e consiste na ligação de duas imagens que se excluem: a doce amargura do amor; a morte viva, a vida morta, o sol sombrio, o nada infinito, a vazia plenitude. Na antítese há o contraste, mas no oximoro já há o absurdo, o paradoxo. O oximoro pode ser o resultado:
da ligação inesperada entre o portador da qualidade (o substantivo ou o verbo) e a qualidade em si (expressa no adjectivo ou advérbio): a vida mortal; um cruel socorro; o ódio amoroso; a querida inimiga; o contentamento descontente.
da ligação entre duas qualidades ...

Pergunta:

Procuro, há muito tempo, a etimologia de enfezar o/no carnaval», termo usado para exprimir algo como pular, brincar durante as festas de Carnaval, significado bem diferente do que aparece em dicionários (irritar-se, impacientar-se, tornar raquítico.)

Algo relacionado com «fezes»?

Resposta:

Se o estudo da origem das palavras por vezes apresenta dificuldades, o de frases ou expressões feitas ainda é mais complexo e perde-se na memória dos homens. Pode haver o seu registo contextualizado, o que leva à percepção do seu significado, pode o seu emprego estar vulgarizado, mas, em muitos casos, é difícil encontrar a obra, o texto, a passagem que explique como tal dito ou expressão se criou.

Não tendo conhecimento de nenhum estudo sobre a expressão que refere, apresento-lhe a minha interpretação, a partir dos dados que possuo.

A palavra enfezar tem, efectivamente, os significados que a consulente refere, mas ainda outros. Os dicionários de António de Moraes Silva de há mais de dois séculos registam as seguintes acepções: encher de fezes o que estava limpo, manchar, contaminar, enfadar muito, fazer encolerizar.

Quanto à palavra carnaval, referem-se duas explicações para a sua origem. Uma considera que a palavra provém da expressão latina carne, vale!, com o significado de «adeus, carne!»; outra, que a palavra chegou ao português por via francesa, do italiano carnevale, procedente (por metátese) de carnelevare, que significava «rejeitar a carne», formada do latim carne(m) levare (suprimir ou tirar a carne). Esta palavra, efectivamente, designava apenas a última 3.ª feira desse período que começa no Dia de Reis e vai até à

Pergunta:

Gostaria de saber se em língua portuguesa é possível afirmar que o uso excessivo do "que" na escrita pode ser denominado "queísmo".

Resposta:

Não, não tenho conhecimento da existência dessa palavra e não a encontrei registada em nenhuma obra da especialidade nem em nenhum dicionário, nem mesmo o mais recente (lançado há 15 dias), o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa.

Pergunta:

Quais são as diferenças entre ensino e instrução?

Agradeço pela atenção.

Resposta:

Ensino e instrução são termos que, em determinados contextos, podem ser usados como sinónimos, designadamente quando se pretende referir a transmissão de conhecimentos. Têm, porém, valores diferentes, não só conotativos como denotativos.

Ensino é um substantivo formado a partir do verbo ensinar, este proveniente do latim insignare, com o significado de "pôr uma marca, assinalar, distinguir, designar". Assim, etimologicamente, quem ensina deixa uma marca em alguém, torna alguém diferente do que era antes desse acto. Significados actuais mais frequentes: transmissão de conhecimentos, métodos utilizados para se ministrar uma disciplina, magistério, educação, urbanidade.

Instrução é um substantivo proveniente do latim instructione-, que significava "acto de adaptar, acto de arrumar, disposição, directiva, construção, edificação". Continua actualmente com o significado de fornecimento de uma directiva, de uma ordem a cumprir, mas também significa acto de transmissão de conhecimentos; cultura, saber, erudição.

Pergunta:

Sou professora de Língua Portuguesa do 2.º ciclo.
Dúvida:
O adjectivo "enorme" está no grau normal?
Se sim, em que graus pode ser utilizado?

Resposta:

O adjectivo enorme está no grau normal. Provém do latim enormis, e (e- + norma), que significava saído da norma, irregular, desmesurado, muito grande. Em português, é normalmente utilizado nas duas últimas acepções. Não flexiona em grau, porque o seu sentido não admite variação de intensidade.