Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deverei dizer: "estou preocupado em mostrar" ou "estou preocupado com mostrar"?
Imensamente grato pela vossa preciosa ajuda.

Resposta:

Deverá dizer "estou preocupado em mostrar".

Esta expressão verbal "estar preocupado" emprega-se ou com a preposição "em", seguida de infinitivo, ou com a preposição "com", seguida de substantivo, pronome ou expressão com valor de substantivo.

Ex.: Ela preocupa-se em arrumar a casa.
Ele preocupou-se em informar toda a gente.
Ele preocupa-se muito com a sua carreira.
Não vês que ele se preocupa contigo?

Pergunta:

Há uma listagem das palavras com "e" aberto e "o" aberto?

Resposta:

Nos prontuários, há listas de vocabulário que contêm a referência à pronúncia das palavras que podem oferecer dificuldade e, naturalmente, muitas palavras com "e" e "o" aberto constam delas.

Vou, então, referir alguns aspectos e dar exemplos, para se familiarizar com palavras com esses fonemas.

No Brasil, nas palavras esdrúxulas em que as vogais tónicas "e" ou "o" são seguidas das consoantes nasais "m" ou "n", essas vogais têm o timbre fechado, assinalado pelo acento circunflexo, ao contrário do que se passa na norma do português europeu. Ex.: académico / acadêmico; cénico / cênico; atónito / atônito; cómodo / cômodo; tónica / tônica;

1. Quanto às palavras com "e" aberto:

a) em sílaba átona, normalmente o "e" não é aberto: ou se pronuncia "i", ou emudece.

Excepções, ou seja, palavras com "e" aberto: beladona, carácter, cegada, credor, dislexia, enfezar, esquecer, freguês, freguesia, inclusive, Lucifer, vedor, velhada, vetar, vexame, vexatório.

b) em sílaba tónica, o "e" ou é aberto ou fechado, dependendo da etimologia.

Exemplo de palavras com "e" aberto: anel, papel, mel, belo, breve, caracteres, cutelo, dez, esmoler, frete, neto, valete, veto, e os demonstrativos femininos essa, essas, dessa, dessas, desta, destas.

c) em sílaba tónica, nas homógrafas, a pronúncia recomendada é a do "e" fechado nos substantivos e "e" aberto nas formas verbais: aceno, acerto, apelo, aperto, apreço.
d) se for graficamente assinalado com acento agudo, naturalmente que é aberto: décima, café, pé.
2. Quanto ao "o" aberto:

a) em sílaba átona, em posição inicial absoluta e sílaba travada, o "o" é quase sempre aberto: orde...

Pergunta:

Tenho notado que o uso de "entretanto" em Portugal é bem diferente do que ocorre no Brasil.
Aqui, e me parece mais correcto, "entretanto" tem um sentido temporal, de simultaneidade, enquanto que no Brasil é frequentemente usado no mesmo contexto que "no entanto", "contudo", "porém", "mas", ou seja, com sentido adversativo. É esse o sentido oficial no Brasil? Ou é apenas uma distorção?

Resposta:

Não, cara consulente, não se trata de nenhuma distorção. Em Portugal, esse advérbio tem em certos contextos valor temporal e noutros também esse valor adversativo, podendo ser substituído por todavia, contudo, porém, no entanto.

Hoje em dia, na realização oral da língua, talvez se tenha vindo a perder esse valor adversativo, mas ele aparece registado na Sintaxe Histórica Portuguesa, de Epifânio da Silva Dias (1916), nos dicionários e enciclopédias portuguesas, e o advérbio é com esse valor utilizado em muitos textos de autores portugueses.

Pergunta:

Na frase "O menino, cuja mãe é professora, foi aprovado", "cuja mãe é professora" deve estar entre vírgulas?

Acredito que a frase funciona como adjetivo restritivo com a função sintática de adjunto adnominal. Sendo assim, ela não deveria estar sem vírgulas?

 

Resposta:

O pronome relativo "cujo", equivalente a "do que", "do qual", "de quem", inicia, efectivamente, orações de valor adjectivo, não devendo, por isso, em princípio, como muito bem observa, caro consulente, ser precedido de vírgula.

No entanto, quando uma oração relativa de "cujo" é colocada intercalada, ou seja, no meio de outra oração, ela deve ser isolada por vírgulas, como o caso que apresenta. A oração "O menino foi aprovado" está dividida em duas partes, tendo-se intercalado uma informação respeitante a esse menino (o facto de a sua mãe ser professora). Não seria utilizada a vírgula, se a frase estivesse assim construída: "Foi aprovado o menino cuja mãe é professora."

Pergunta:

Por que o plural de sofá-cama é sofás-camas, se a regra diz que quando o segundo elemento indica tipo ou finalidade do primeiro, aquele permanece invariável? Ex.: navio-escola = navios-escola.

Resposta:

Esta sua pergunta é muito pertinente. O plural dos substantivos compostos não é um assunto consensual, havendo a necessidade de uma sistematização clara.

A adopção por parte de dicionários do plural dos dois componentes da palavra residirá talvez no facto de esse segundo elemento ("cama") não ser sentido como tipo ou finalidade do sofá, mas como elemento intrínseco: trata-se de um sofá que é simultaneamente cama. Cama não designaria apenas a função ou o tipo. Não é só um sofá que desempenha a função de cama, que é do tipo de uma cama, mas, sim, um sofá que é realmente uma cama, que se transforma fisicamente numa cama (não está só a fazer as vezes dela). Assim sendo, o termo teria a flexão normal dos compostos formados por dois substantivos que designam a dupla essência do novo ser, objecto, etc., indo para o plural ambos os elementos de composição.

Estou a tentar explicar aquilo que considero inexplicável. Efectivamente, caro consulente, diz muito bem: de acordo com as normas gramaticais, nas palavras compostas por dois substantivos, na formação do plural, o segundo elemento permanece invariável, quando se trata de termo que designa a função, o tipo, a finalidade, elemento que funciona como aposto do outro, esclarecendo de que tipo é, que é uma espécie de, que serve para ou de, que desempenha a função de, que tem a forma de.

Assim, rigorosamente, o plural de "sofá-cama" como o apresentou não segue a norma. Se algum dos dicionários actuais quer fazer o registo do que se diz, é da sua responsabilidade. Não é por um grupo de pessoas ou até, eventualmente, um grande número utilizar uma expressão incorrecta que ela passa a correcta. Claro que é mais fácil pôr tudo no plural, sem se estar a pensar sobre o termo, mas esse desleixo não deve ser seguido pelos que têm responsabilidades a nível do ensino e divulgação da língua.