Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quando o sujeito da oração principal é diferente do sujeito do infinitivo, flexiona-se este. Exemplo: «É necessário fazermos alterações no projeto da fábrica».

E em frases como a seguinte, em que há um elemento que identifica o sujeito do infinitivo, flexiona-se também obrigatoriamente?

«Cabe-nos fazer (ou fazermos?) alterações no projeto da fábrica.»

Resposta:

   Diz muito bem: quando o sujeito do infinitivo é diferente do do verbo do qual depende, aquele infinitivo é flexionado; utiliza-se o infinitivo pessoal. Com essa flexão, previnem-se ou desfazem-se eventuais ambiguidades.

   Na frase que apresenta, considero que se deve utilizar o infinitivo impessoal, porque o infinitivo aqui traduz a acção de modo inteiramente geral, sem referência a um determinado sujeito, formando uma oração substantiva que, ela sim, é o sujeito de «cabe-nos». Não nos cabe a acção de fazermos nós as alterações, mas sim de fazer as alterações. A acção de fazer as alterações existe antes de entrarmos em cena, antes de nos caber a nós ou a qualquer outro: fazer alterações no projecto da fábrica cabe-nos a nós (poderia ter cabido a mim, a ela, a outrem).

   Queria terminar dizendo que, embora haja regras de flexão do infinitivo, esta matéria não é consensual ou inquestionável. Lembro as palavras de Lindley Cintra (meu saudoso professor!) e Celso Cunha que dizem que os escritores das diversas fases da língua portuguesa nunca se pautaram, no caso do emprego do infinitivo, por exclusivas razões de lógica gramatical, mas viram-se sempre, no acto da escolha, influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão, sendo, pois, mais acertado falar não de regras mas de tendências que se observam no emprego de uma ou de outra forma do infinitivo.

Pergunta:

Júdice não acredita que tenha havido «um aumento do grau de estupidez».

Tenho ouvido muitas vezes esta expressão (tenha havido). Acho que não está correcta; no entanto, gostava de saber a vossa opinião.

Resposta:

A frase está, sim, correcta.

1. Júdice não acredita – oração principal, que utiliza um verbo que exprime a dúvida quanto à realidade do facto enunciado;

2. que tenha havido um aumento... – oração subordinada completiva ou integrante, com uma forma verbal no pretérito perfeito do conjuntivo, exprimindo um facto supostamente concluído no passado.

O conjuntivo utiliza-se precisamente em orações substantivas dependentes de uma oração principal cujo verbo exprima a vontade (querer, gostar, desejar, esperar), um sentimento ou apreciação (é mau / bom / lícito que), a dúvida (recear, não acreditar). O pretérito perfeito do conjuntivo exprime um facto supostamente concluído, passado em relação à acção traduzida pelo verbo da oração principal.

Pergunta:

Existe a palavra "acronológico" (ou deverá levar um hífen)? Imensamente grato pela vossa preciosa ajuda.

Resposta:

Existe, sim. Essa palavra aparece assim registada, "acronológico", no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Também existe o termo "acrónico", com o significado de algo que se realiza fora do tempo próprio, que é eterno (que não tem tempo), que não segue a ordem cronológica. Este termo aparece registado no dicionário Novo Aurélio Século XXI bem como no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea.

Pergunta:

Como deverá ser traduzida para português a palavra francesa "majorette"?
Imensamente grato pela vossa preciosa ajuda.

 

Resposta:

"Majorette" significa jovem que desfila em festas públicas, em uniforme de fantasia, acompanhada de outras, fazendo uma coreografia. Essa palavra poderá ser traduzida por "desfilante", "jovem que desfila", "rapariga que desfila".

Pergunta:

Tenho uma dúvida urgente, pois quinta-feira tenho que dar uma aula de concordância nominal utilizando como exemplo uma placa fotografada em minha cidade, que diz:

   "Proibido cães e bicicletas".

   Que caso especial da C.N. explica esse exemplo? Ou estaria esta placa escrita de forma incorreta? Me ajudem, por favor!

Resposta:

A inscrição da placa está correcta.

   Com esse aviso, pretende dizer-se "É proibido o acesso a cães e bicicletas.", "É proibido entrarem cães e bicicletas", "É proibido que cães e bicicletas entrem.". Não são proibidos os cães e as bicicletas, mas o seu acesso, a sua entrada. Está, pois subentendido, este sujeito.

   Nesta situação há que atender a dois aspectos. Em primeiro lugar, estamos perante um enunciado sem núcleo verbal expresso, pois trata-se do caso especial de uma inscrição em placa (o mesmo se verifica em cartaz, rótulo, etiqueta, etc.), em que o contexto e a intencionalidade levam à adopção de expressões simples, tipificadas. Por outro lado, e decorrente deste primeiro aspecto, a concordância pode não ser feita tendo em conta apenas as palavras expressas, mas sim todo o conjunto oracional subentendido. No caso presente, o sujeito de "é proibido", aqui reduzido a "proibido" é, afinal, um sujeito oracional, também ele em parte subentendido ("que cães e bicicletas entrem"), o que leva à aplicação da regra: "Fica no singular o verbo que tem por sujeito uma oração, que, tomada materialmente, vale por um substantivo do número singular e do género masculino." (Cf. Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª ed., 1999, p. 565.).