Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Há mais coisas no céu e na terra. Entre nós é hábito começar assim contos desse tipo, a fim de se escudar com Shakespeare das setas dos provocadores, para os quais não há nada desconhecido.» Está correta a forma “se escudar” acima, uma vez que foi usada a expressão “entre nós”, que sugere a flexão “nos escudarmos”? Muito obrigado.

Resposta:

1. Emprega-se o Infinitivo impessoal ou não flexionado em geral no enunciar das ações e quando o sujeito dos dois verbos em presença é o mesmo. Exemplos: «É de justiça ouvir sempre as duas partes»; «As pessoas fizeram tudo para obter o que era justo».

2. Emprega-se o infinitivo pessoal ou flexionado quando este tem um sujeito próprio, diferente do do verbo da oração da qual depende ou na qual se integra. Exemplo: « Expliquei várias vezes, para os alunos não ficarem com dúvidas» (expliquei – eu; não ficarem – os alunos).

in Assim é que é falar, Maria Regina de Matos Rocha, Maria João Casanova de Matos; Sandra Duarte Tavares)

Tendo em conta o que foi citado como regra, a frase deveria empregar o infinitivo pessoal no segundo verbo, pois mudou o sujeito: «Entre nós é hábito começar assim contos desse tipo, a fim de nos escudarmos com Shakespeare das setas dos provocadores, para os quais não há nada desconhecido.» 

Pergunta:

Gostaria de esclarecer uma dúvida quanto ao emprego da vírgula antes da conjunção "e"... Por exemplo no trecho da música "Tua tristeza é tão exata/ E hoje o dia é tão bonito..." existe a vírgula antes da conjunção "e"?

Grata

Resposta:

A Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra define: «A vírgula marca uma pausa de curta duração. Emprega-se não só para separar elementos de uma oração, mas também orações e um período.»

Normalmente antes da conjunção e a vírgula não se utiliza, pois, sendo uma conjunção coordenativa aditiva, serve para ligar dois termos ou duas orações de idêntica função. 

Exemplo: «Leonor voltou-se e desfaleceu». (Graciliano Ramos, Infância).

No entanto, separam-se geralmente por vírgula as orações coordenadas unidas pela conjunção e, quando têm sujeito diferente: «A mulher morreu, e cada um dos filhos procurou o seu destino.» (Fernando Namora, O Trigo e o Joio).

Deste modo, a regra aplica-se à frase que referiu «Tua tristeza é tão exata, /E hoje o dia é tão bonito...» 

Uma vez que a frase corresponde a dois versos do poema-canção «Há tempos», do grupo Legião Urbana, a ausência de pontuação é perfeitamente admitida, obedecendo ao imperativo da liberdade da quebra de padrões na poesia.  

Pergunta:

A expressão correcta é «pico do Verão» ou «pino do Verão»?

Obrigada.

Resposta:

A palavra pino (latim pinus, -i, pinheiro, objeto feito de pinho) tem como definição, entre outras: 

1. Ponto mais elevado a que chega o Sol. (= Zénite)

2. Ponto culminante. = auge; cimo; clímax; cúmulo

3. Pinheiro 

As expressões derivadas: a pino • verticalmente, a prumo; em pino • o mesmo que a pino; no pino do dia •  ao meio-dia; no pino do inverno • no maior rigor do inverno; no pino do verão • no maior rigor do verão, respondem à questão colocada, ou seja, a expressão correta é: «no pino do verão», que significa ter o verão atingido o seu pico!*

  in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Também no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências encontramos a mesma explicação para a expressão idiomática, tal como vem atestada em Novos Dicionários de expressões idiomáticas, de António Nogueira Santos, «no pino do verão» : em pleno verão.

 

Pergunta:

Ao ler uma tradução deparou-se-me a seguinte frase: «…uma daquelas despesas que é necessário fazer…».

Está correta ou deve antes escrever-se: «…uma daquelas despesas que são necessárias fazer…»?

Resposta:

«Foi uma daquelas  despesas que é necessário fazer »

ou

«Foi uma daquelas despesas que são necessárias fazer»

Quando o pronome relativo que vem antecedido das expressões um dos, uma das (+ substantivo), o verbo de que ele é sujeito vai para a 3.ª pessoa do plural ou, mais raramente, para a 3.ª pessoa do singular.

«És um dos raros homens que têm o mundo na mão.» (Augusto Abelaira, O Nariz de Cleópatra)

«Uma das coisas que mais me impressionam é a terrível carreira em que nos excedemos.» (Gilberto AmadoTrês livros)

«Acurvado sobre a mesa esconsa de seu lavor mercantil, era, aí mesmo, um dos primeiros homens doutos que escrevia em português sem mácula.» (Camilo Castelo Branco, Boémia de espírito)

Tenha-se em conta que o  verbo no singular destaca o sujeito do grupo em relação ao qual vem mencionado – ao contrário do que ocorre se construirmos a oração com o verbo no plural (in Nova Gramática do Português, Celso Cunha e Lindley Cintra).

A falta que fazem os revisores...

Se os revisores fizessem ainda parte essencial da vida das editoras em Portugal, dificilmente  aconteceria a publicação de um título com a falta da vírgula antes do vocativo.