José Mário Costa - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Mário Costa
José Mário Costa
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Jornalista português, cofundador (com João Carreira Bom) e responsável editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Autor do programa televisivo Cuidado com a Língua!, cuja primeira série se encontra recolhida em livro, em colaboração com a professora Maria Regina Rocha. Ver mais aquiaqui e aqui.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«T-shirt» deve levar sempre maiúscula inicial? Se, por um lado, vários documentos publicados parecem sugerir que não, por outro lado a origem da palavra é a forma «T», e não a forma «t»...

Obrigado.

Resposta:

Em inglês, a grafia recomendada é T-shirt, e não t-shirt, conforme registo do Oxford English Dicitionary, do Cambridge English Dictionary e do Merriam-Webster Dictionary, dicionários que também acolhem a forma equivalente tee-shirt. O Online Etymology Dictionary regista a palavra também com T maiúsculo e chega mesmo a observar que é incorreta a grafia com t minúsculo, por a peça de roupa, quando esticada, ter a forma de um T, e não a de um t (em inglês: «[...] in reference to the shape it makes when laid out flat (t-shirt is thus incorrect)»).

Dado tratar-se de um anglicismo, deve escrever-se em itálico, tendo portanto todo o sentido manter-se o T maiúsculo da ortografia inglesa, uma vez que esta forma cumpre a função icónica de aludir à configuração da peça de roupa em questão (ao contrário do t maiúsculo, que apenas representa a letra).  E, nessa medida, não se aplica a regra seguida com os epónimos1.

Importa entretanto referir que o registo dicionarístico em Portugal e no Brasil não é uniforme. Por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciê...

Pergunta:

É possível usar a palavra "superenigma"? Ou deveria ser "super-enigma", ou "super enigma"?

Resposta:

Já era assim na norma anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) – nomeadamente no que estava então preceituado quanto ao emprego do hífen em palavras com prefixos de origem latina ou grega. E assim se mantém agora, como se estabelece na Base XVI do AO 90, segundo a qual só usa usa o hífen em formações com os prefixo super- quando o segundo elemento começa por h ou r (por exemplo, super-herói e super-requintado). Como não é o caso, escreve-se aglutinadamente.

Cf. Guia para a Nova Ortografia da Língua PortuguesaO uso do hífen (Porto Editora) + Guia Prático da Nova Ortografia (Dicionário Michaelis) + Hífen (Abril.com) + Reforma Ortográfica

N.E. – Sobre os critérios de hifenização depois do Acordo Ortográfico de 1990, acompanhe-se a explicação do gramático brasil...

Pergunta:

Na vida militar quando se passava à disponibilidade (terminava o serviço militar) era referido como «passar à peluda». É conhecida a origem desta expressão?

Resposta:

Peluda é um termo da linguagem popular com o significado de «vida de paisano*», usado na gíria militar com esse preciso sentido: o regresso à vida civil, cumpridos que foram os anos de tropa.

Como o termo se formou da palavra peludo – entre outras aceções, querendo dizer o mesmo, também, que cabeludo –, é uma hipótese que a expressão «passar à peluda» tenha que ver com o corte de cabelo dos disponibilizados do serviço militar, nomeadamente as praças ou soldados sem patente **.

São eles, ainda os mais veteranos dão o tratamento de “maçaricos”, a  quem, logo na recruta,  o regulamento militar obriga a levar uma “carecada” – outro termo da gíria dos quartéis –, usando doravante, sempre, o cabelo curto.

Com o seu regresso à vida civil  – passando, portanto,  à Reserva de Disponibilidade, na terminologia militar – poderão, então, voltar a deixar crescer o cabelo. Daí, presumivelmente, a origem da expressão «passar à peluda».

Outra aventada explicação, menos plausível e igualmente sem validação bibliográfica, é de natureza sexual. Como na linguagem mais brejeira, corrente nos quartéis, «a peluda» está associada ao sexo das mulheres, «ir para a peluda» equivaleria a «ir para o gozo da boa vida».

*

Pergunta:

Qual a origem da expressão «branco [ou português] de segunda»?

Muito obrigado.

Resposta:

Trata-se de um rótulo depreciativo que, nos tempos coloniais, os portugueses, em Angola se chamavam  a si próprios  (e eram assim chamados pela população local) devido ao seu estatuto subalterno em relação à "metrópole", que deixaram por motivos políticos ou económicos. Mas era mais em relação aos já nascidos em Angola que se recorria à expressão «branco de segunda».

Num estudo à volta do romance Yaka, do escritor angolano Pepetela, encontra-se uma passagem que esclarece o sentido atribuído a «branco de segunda» ou «português de segunda», no contexto das relações entre as personagens de uma ficção narrativa com valor documental porque retrata a sociedade colonial (Laura Cavalcante Padilha, "O sapalalo ou uma casa entre dois mundos em Benguela" in  Novos pactos, outras ficções: ensaios sobre literaturas afro-luso-brasileiras, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2002, pág. 73):

«O segmento [étnico] branco, lugar simbólico focalizado de forma mais direta pelo olho-câmera do narrador, compõe-se de indivíduos percebidos, de um modo ou de outro, como cidadãos portugueses de segunda classe. Uma parte deles se constitui de pessoas que, por motivos políticos ou econômicos, são obrigadas a deixar Portugal, algumas delas em busca da "árvore das patacas", referenciada no próprio texto [...]. Num primeiro grupo ainda se encontram os brancos nascidos em Angola [...]. Tal nascimento se torna absolutamente estigmatizador, pois a "mácula" se inscreve nos docu...

Uma alteração... energética

«Dilma: "Condenaram uma inocente e consumaram um golpe."

Ex-presidente do Brasil reagiu à votação que ditou o seu afastamento do cargo.

Dilma Rousseff promete recorrer da decisão e fazer a "mais firme, incansável e energética" oposição a Temer.»

[Élvio CarvalhoTVI 24, 31/08/2016]

«(...) É uma fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em todas as instâncias possíveis. (...)

Eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar.

Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer. (...)»

[Dilma Rousseff, ibidem]