Helena Ventura - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Helena Ventura
Helena Ventura
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Licenciada em Filologia Germânica, pós-graduação em Linguística. Autora, entre outras obras, do Guia Prático de Verbos com Preposições.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Diz-de «aquilatar a importância/enormidade/valor de», ou «aquilatar da importância/enormidade/valor de...»?

Antecipadamente grata.

Resposta:

O verbo aquilatar, usado com o sentido de «apreciar, julgar, avaliar o valor, a qualidade ou importância de», é um verbo transitivo directo, não necessitando, pois, do uso de preposição. Ex.: «aquilatar um sacrifício.»

Mas, quando o verbo aquilatar tem o sentido de «dar valor, merecimento a», usa-se com a preposição de. Ex.: «aquilatou do suplício atroz da filha...»

Pergunta:

Gostaria de obter uma breve explanação acerca da regência do verbo agasalhar. A razão disto deve-se ao fato de ter encontrado tal vocábulo na seguinte frase de uma oração: «Milagrosa Virgem do Rosário de Pompéia, eu me agasalho à Vossa proteção, entregando-me à Vossa vontade e...» Seria correto o emprego do acento grave após aquele verbo?

Obrigado.

Resposta:

O verbo agasalhar(-se), com o significado de «proteger do frio, resguardar», usa-se, normalmente, com a preposição com; ex.: «agasalhou o filho com um xaile»; «agasalhei-me com uma camisola de lã».

Também pode surgir a preposição em; ex.: «Vestia um modesto vestido de seda e agasalhava-se em uma (= numa) capa de martas» (Camilo, Mulher Fatal, p. 137).

Na frase apresentada pelo consulente, o verbo é usado em sentido figurado, com o significado de «albergar-se, acolher-se, abrigar-se», e, assim, podemos aceitar a preposição a. O acento grave está correcto, na medida em que é resultado da contracção da preposição a com o artigo definido feminino singular a = à.

Pergunta:

Verifico com frequência o uso do verbo aferir da seguinte forma: «Visou aferir do resultado atingido produzida»... parecendo-me, efectivamente, dever ser escrito «aferir o resultado atingido». Qual a forma correcta? Obrigada.

Resposta:

De facto, o verbo aferir é um verbo transitivo directo, não necessitando, pois, de regência preposicional. Assim, «aferir o resultado».

Existe a expressão «fazer a aferição» e, neste caso, deve seguir-se a preposição de. Ex.: «Fez-se a aferição do resultado.»

Só nesta situação se utiliza a preposição de.

Pergunta:

Como se deve dizer? «Regressar para junto de sua esposa», ou «regressar a junto de sua esposa»?

Julgo ser a primeira forma, mas então porque se diz «regressar a Lisboa» e não «regressar para junto de Lisboa»?

Obrigada.

Resposta:

O verbo regressar é um verbo intransitivo. Ex.: «Finalmente ele regressou.»

Quando há situações em que o verbo vem com preposição, ele vem com as seguintes preposições:

1 — de

Ex.: «Ele regressou de Paris, ontem.»

2a

Ex.: a) «Ele regressou a casa, vindo de Paris.»
      b) «Tudo regressou à normalidade.»

3para

Ex.: «Depois do recreio, as crianças regressaram para a sala de aula.»
 
Em relação à frase apresentada pela consulente, nos elementos da expressão «para junto de sua esposa», para tem a função de fim, não estando dependente do verbo regressar. Assim, na frase apresentada, subentende-se que ele regressou («a casa»), com o fim de (para) estar/ficar junto de sua esposa. Nesta circunstância, pode-se até aceitar o uso de vírgula, após o verbo regressar:
«Ele regressou, para junto de sua esposa.»

Pergunta:

Ocorrem com frequência, sobretudo na linguagem informal, a expressão «andar a» (pois o verbo andar transmite a ideia de «dar passos», «caminhar»). Por exemplo:

1. «O seu bebé anda sempre a chorar durante a noite.»

2. «O investigador, usando o seu truque, andou a inquerir a todos operários da fábrica, ao longo do turno.»

3. «Sem pensar no amanhã, o Pedro anda a gastar a sua riqueza.»

É legítimo o uso da expressão andar a?

Agradeço a atenção!

Resposta:

É legítimo o uso da expressão andar a + infinitivo (ou andar + gerúndio: norma brasileira).

Segundo a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, diferente das categorias do tempo, do modo e da voz, devemos considerar o aspecto, sendo este uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor considera a acção expressa pelo verbo.
Ele pode considerá-la concluída, isto é, observada no seu término, no seu resultado; ou pode considerá-la como não-concluída, ou seja, observada na sua duração, na sua repetição. É na circunstância de acção não-concluída que nos surge a expressão andar a + infinitivo.

Existe estar a + infinitivo e outras perífrases formadas com os auxiliares de movimento, estando entre elas o verbo andar. Exs.:

«Estou a ler Camões.»/«Estou lendo Camões.»
«Ando a ler Camões.»/«Ando lendo Camões.»

 

Também podemos ter outros verbos auxiliares de movimento, além de andar: ir, vir, viver, etc.; e  também verbos auxiliares de implicação: continuar, ficar, etc.

Assim, os exemplos apresentados pelo consulente estão correctos.