Helena Ventura - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Helena Ventura
Helena Ventura
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Licenciada em Filologia Germânica, pós-graduação em Linguística. Autora, entre outras obras, do Guia Prático de Verbos com Preposições.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Eu quero saber sobre a regência do verbo privar, pois eu li uma questão que tem como resposta que o verbo privar é transitivo direto, e eu não entendo. Pois quem priva, priva de alguma coisa, portanto, deveria ser transitivo indireto.

Resposta:

O verbo privar é um verbo transitivo indirecto e pode reger as preposições com e de.

a) Privar com: «conviver com, ter relações de amizade com alguém». Ex.: «Quando estudava em Coimbra, privava com uma conhecida família no meio intelectual.»

b) privar-se de: «passar sem; dispensar, prescindir de.» Ex.: «Foram tempos difíceis, em que tivemos de nos privar de muita coisa»; «Privou-se do vinho e do tabaco, por ordem do médico»; «Não se quis privar das suas comodidades»; «A pobre mulher privava-se de tudo, para poder pagar o curso da filha.»

O verbo também pode ser bitransitivo (directo e indirecto), por se construir com objecto directo e indirecto:

c) privar alguém de: «retirar algo a alguém; impedir de; tirar a alguém». Ex.: «O Governo diz que não quer privar os cidadãos dos seus direitos»; «Lamenta-se a decisão do Governo, que privou os jornais [impediu os jornais que tivessem] de receitas»; «Não vos quero privar do prazer de uma bela refeição.»

Pergunta:

Gostaria de obter um esclarecimento sobre as seguintes frases:

Diz-se: «converter caixas em toneladas», ou «converter caixas para toneladas»?

Diz-se: «alterar função de determinado assunto», ou «alterar em função de determinado assunto»?

Resposta:

1. O verbo converter, com o sentido de «transformar uma coisa noutra», usa-se coma preposição em. Ex.: «Os trabalhadores profanaram a Capela de Santa Catarina, em Goa, convertendo-a em cozinha.» O verbo, conjugado reflexamente, pode reger a preposição a. Ex.: «converteu-se ao catolicismo».
 
2. Em ambas as sequências apresentadas, parece-nos que falta algo. Na 1.ª frase, cremos que falta o artigo a: «... alterar a função de determinado assunto.»

Mas pode-se alterar a função dum assunto? Não nos parece.

Poder-se-ia alterar a função dum aparelho ou dum objecto (ou, até, duma pessoa, num contexto profissional).

Na 2.ª sequência, deveria constar o objecto directo (alterar algo). Assim: «alterar algo em função de determinado assunto.»

Como desconhecemos o contexto em que o consulente inclui as frases, deixamos ambas as possibilidades.

Pergunta:

Desde já agradeço a existência do vosso site! É uma grande ajuda quando me surge uma dúvida!

A dúvida que me surgiu agora é relativamente ao verbo assistir e o uso da preposição; qual é a forma mais correta nesta frase? «Trata-se de um direito que assiste o presidente», ou «... assiste ao presidente»?

Li a vossa explicação sobre a regência deste verbo mas continuei com a dúvida em relação a esta frase.

Obrigada.

Resposta:

O verbo assistir, num contexto em que significa «caber a alguém, ser seu por direito, por justiça», como é o caso apresentado pela consulente, deve vir usado com a preposição a ou ligado ao objecto indirecto. Assim:

«trata-se de um direito que assiste ao presidente...» ou «trata-se de um direito que lhe assiste...».

Quando o verbo é usado, ligado ao objecto directo, sem preposição, assume o significado de «dar assistência (geralmente, assistência médica)» e, também, em contexto jurídico, «servir de advogado ou procurador de alguém». Exs.: 

«O médico assistiu o doente cuidadosamente.»
«O advogado que o assiste no processo é um dos melhores do país.»

Pergunta:

Que outras preposições (ou locuções prepositivas) podem ser utilizadas na regência do verbo insinuar, quando conjugado na forma reflexiva, para além de em ou «junto de»?

Resposta:

O verbo insinuar, conjugado reflexivamente, além das possibilidades apresentadas pela consulente, admite:

— a preposição por, num contexto em que o significado é «introduzir-se lentamente, infiltrar-se». Ex.: «A luz insinuou-se pela janela»;

— a preposição perante, quando o sentido é «tornar-se notado». Ex.: «O modelo insinuou-se perante as pessoas presentes no desfile»;

— a locução «em redor de», quando o sentido é «fazer-se aceitar». Ex.: «A chefe insinuou-se em redor do grupo de trabalho.»

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte questão:

No contexto bélico, deve dizer-se «investir contra», ou «investir sobre»?

Agradeço desde já a vossa atenção e pronta resposta.

Resposta:

O verbo investir, usado no contexto referido pela consulente, sugere a noção de «luta», «confronto». Tendo em conta que o verbo lutar rege a preposição contra, quando evoca um processo de confronto, no caso de investir, será, também mais apropriado usar a preposição contra («investir contra»), uma vez que este designa actos de confrontação directa,  subentendendo-se um confronto frente a frente. Contudo, poder-se-ia aceitar «investir sobre», numa situação em que o atacado é, ou já se encontra, derrubado, e o atacante continua a investida, reforçando o seu domínio sobre o atacado.