Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Pelo que tenho visto, a regência do verbo importar-se é diferente no português do Brasil e no português de Portugal.

Em Portugal, o verbo deve ser sucedido da preposição de antes de indicar o verbo que o complementa, certo?

Exemplo: «Ele não se importa de ir à estação de comboios.»

Mas e quando não há sucessão de verbo? Por exemplo: «ele não se importa da menina».

Não seria correto trocar o de pelo «com a»? Ex.: «ele não se importa com a menina».

Resposta:

De acordo com os dicionários de regência verbal de Francisco Fernandes e Celso Pedro Luft, usa-se «importar-se com/de + nome» – é importante registrar que esses dicionários são baseados majoritariamente em linguagem literária dos séculos 19 e 20. Segundo o dicionário de regência verbal de Francisco da Silva Borba, só se registra «importar-se com + nome» – este dicionário se vale não só da linguagem literária, mas também das linguagens acadêmica e jornalística.

Em pesquisa ao Corpus do Português, foi encontrada apenas uma ocorrência com a preposição de, em linguagem literária do século 19. Em linguagem jornalística contemporânea luso-brasileira, só se encontrou «importar-se com + nome» (em centenas de ocorrências).

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa também só registra «importar-se com + nome».

Desse modo, visto que o uso determina a norma, os indicadores apontam para a variante «importar-se com + nome» como a única regência da norma atual.

 

Sempre às ordens!

Pergunta:

Por favor, quais gêneros são considerados gêneros digitais?

Grato.

Resposta:

Segundo o Dicionário de gêneros textuais, de Sérgio Roberto Costa, eis os gêneros digitais: aula chat, banner, blog, chat, e-mail, fotoblog, post, fórum eletrônico, ciberconferência, weblog, etc.

Analisando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), foram rastreados os seguintes gêneros digitais (diferentes dos já elencados acima): gif, meme, fanfic, vlog, fanzine, playlist, tweets, e-zine, charge digital, fanvideos, etc.

Em outras palavras, todo modelo de texto (escrito, audiovisual, multimodal) que se apresenta no universo virtual/eletrônico é um gênero digital.

Sempre às ordens!

Pergunta:

No brilhante livro Manual de boa escrita; vírgula, crase e palavras compostas, da prof.ª Maria Tereza de Queiroz Piacentini, ela afirma que o mas pode ser usado sem vírgula quando «inicia oração seguida de uma conjunção subordinativa».

Eis uns dos seus exemplos:

«Mas quando me vi sem saber o que comer, bateu o desespero.»

«Os instrumentos iam parando... Mas à medida que as velas se apagavam, outras luzes se acendiam.»

Naturalmente, eu teria usado uma vírgula após o mas em ambos os exemplos por acreditar ser uma intercalação.

Dito isso, venho lhes consultar a esse respeito e aproveito para estender minha dúvida ao mesmo caso em se tratando de outras conjunções como e, então etc. quando iniciam uma oração.

Agradeço desde já.

Resposta:

No livro A vírgula, de Celso Pedro Luft, recomenda-se o uso deste sinal para marcar qualquer intercalação (p. 22, 32, 77); diz o autor que tal emprego é «uma pontuação racional»; em tom crítico, declara que «nem sempre os escritores usam essa vírgula, sobretudo quando pontuam mais pelo ouvido que pela sintaxe» (p. 41).

No Guia prático do português correto, volume 4 (Pontuação), o professor Cláudio Moreno ensina o mesmo sobre as vírgulas separando obrigatoriamente a intercalação.

Sob o verbete mas, o gramático Evanildo Bechara pontua o mesmo em seu livro Novo dicionário de dúvidas da língua portuguesa.

Ainda que não tratem diretamente desse fato, a própria redação dos gramáticos Celso Cunha, Rocha Lima, Domingos P. Cegalla, em suas gramáticas, aponta integralmente para a mesma regra delineada por Celso Pedro Luft.

Logo, os instrumentos normativos consultados indicam que deve haver vírgula quando a uma conjunção coordenativa segue uma intercalação (em forma de termo, expressão, oração), como em «Mas, quando me vi sem saber o que comer, bateu o desespero».

...
Linguagem jornalística: fonte da norma culta?
Sobre (supostas) verdades assentes

«Quando se diz que a linguagem jornalística pode ser tomada como fonte, e repositório, e corpus da verdadeira “norma culta”, isso significa que quaisquer formas linguísticas desviantes da norma-padrão tradicional encontradas em abundância (!) nos textos jornalísticos já podem ser automaticamente consideradas próprias da norma culta escrita?»

 O gramático brasileiro Fernando Pestana reúne alguns dados e interroga-se criticamente a respeito do valor dos textos jornalísticos como fonte confiável e modelar da norma-padrão num apontamento publicado no  seu mural do Facebook  em 1 de outubro de 2024.

 

Na imagem, banca de jornais e revistas da rodoviária de Brasília (fonte: "Jornais impressos: circulação despenca 16,1% em 2022...", Poder360, 31/01/2023)

 

 

Pergunta:

Estou precisando classificar essa oração subordinada reduzida de gerúndio:

«CONSIDERANDO OS DOIS INDICADORES, a lista final contém 210 198 pesquisadores.»

Seria uma oração subordinada adverbial temporal reduzida de gerúndio? Causal?

Obrigado.

Resposta:

Segundo o gramático Evanildo Bechara, em seu livro Lições de português pela análise sintática, aqui estão os seis valores semânticos possíveis das orações subordinadas adverbiais reduzidas de gerúndio*: causa, consequência, concessão, condição, modo (meio ou instrumento) e tempo.

Um critério didático e lógico para verificar o valor semântico de uma oração subordinada adverbial reduzida de gerúndio é a paráfrase, em forma de oração desenvolvida. No entanto, é preciso dizer que nem toda oração subordinada adverbial reduzida de gerúndio inicia um período – em geral, somente as causais, concessivas, condicionais e temporais. Ainda assim, é preciso levar em conta o contexto frasal e o sentido pretendido para ficar bem definido o sentido da oração adverbial.

Considerando todos os pontos acima, sobretudo a questão semântica no contexto em que a frase do consulente foi produzida, há as seguintes possibilidades:

1. Causa: Visto que consideramos os dois indicadores, a lista final contém 210 198 pesquisadores; A lista final contém 210 198 pesquisadores porque consideramos os dois indicadores.

2. Concessão: Conquanto consideremos os dois indicadores, a lista final contém 210 198 pesquisadores; A lista final contém 210 198 pesquisadores ainda que consideremos os dois indicadores.

Obs.: Penso que esta leitura dependa dum contexto muito claro. Seria mais fácil a interpretação se a frase estivesse assim escrita: «Considerando os dois indicadores, a lista final contém ainda 210 198 pesquisadores" ou "Mesmo considerando os dois indicadores, a lista final contém 210 198 pesquisadores.»

3. Condição: Se considerarmos os dois indicadores, a lista final contém 210 198 pesquisadores; A lista final contém 210 198 pesquisadores desde que conside...