Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor
Duplos particípios: eis um problemão
Um imbróglio na norma-padrão

«Para resolver esse imbróglio do particípio duplo, será preciso fazer uma pesquisa inédita e vultosa em corpus contemporâneo de linguagem verdadeiramente culta (textos dos melhores escritores do idioma — literários e não literários)» – adverte o gramático brasileiro Fernando Pestana sobre uma área da flexão verbal bastante instável no português contemporâneo.

Apontamento do autor na sua página pessoal no Facebook (25/02/2025) e aqui disponibilizado com a devida vénia. O texto reflete as lições da gramaticografia tradicional brasileira.

Pergunta:

Na frase «A médica me disse que o horário das 15:00 lhe é melhor que o das 16:00», o uso do lhe é gramaticalmente correto?

Já ouvi falar do caso em que o lhe pode acompanhar um verbo de ligação para agregar significado a um adjetivo, como em «A ferramenta lhe é útil».

O adjetivo melhor também aceita que tenha sentido agregado pelo lhe?

Ou o correto seria, no contexto da primeira frase, «A médica me disse que o horário das 15:00 é melhor para ela que o das 16:00»?

Obrigado!

Resposta:

O uso do lhe é gramaticalmente correto* na frase trazida pelo consulente e funciona sintaticamente como complemento nominal do adjetivo melhor, conforme se constata no Dicionário Prático de Regência Nominal, de Celso Pedro Luft.

A frase equivale a «A médica me disse que o horário das 15h é melhor para ele que o das 16h».

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, a explicação nesta resposta se baseia na tradição gramatical brasileira.

Pergunta:

Sabemos que o aposto tem natureza substantiva e se refere a outro substantivo, certo?

Mas tenho uma dúvida: pode haver uma construção apositiva para se referir a um adjetivo, por exemplo?

Ex.: «O etanol é límpido, atributo fundamental deste combustível.»

Neste caso, ainda existe aposto?

Obrigado!

Resposta:

Segundo a tradição gramatical brasileira*, um aposto não retoma um adjetivo, mas sim (1) um substantivo, (2) um pronome, (3) um numeral, (4) um elemento substantivado, (5) uma oração inteira, como se vê, respectivamente:

(1) A limpidez, marca do bom etanol, é um atributo fundamental.

(2) Ela, a limpidez, é um atributo fundamental do bom etanol.

(3) Ambas (a limpidez e a baixa acidez) são atributos fundamentais do bom etanol.

(4) O purificar do etanol – processo importante para a sua limpidez – é fundamental.

(5) O etanol do Brasil é ótimo, fato incontestável.

Quanto à pergunta mais específica do consulente, não se encontrou na gramaticografia tradicional brasileira sequer um exemplo de aposto retomando um adjetivo, pelo que torna a análise sintática da oração bastante original. No entanto, no contexto frasal trazido, não nos parece haver outra análise sintática possível para «atributo fundamental deste combustível» senão como aposto do adjetivo límpido.

O que nos parece bastante coerente ser aplicado à análise sintática do aposto neste caso especial, levando-se em conta a sua natureza de retoma de segmentos com valor substantivo, é a relação metonímica entre o adjetivo límpido e o substantivo abstrato derivado dele (limpidez), como se a frase assim estivesse ...

Pergunta:

 Qual seria a correta classificação da estrutura destacada a seguir?

«O incidente ocorreu quando o jovem, acompanhado de amigos após uma partida futebol, estava pagando suas compras no caixa.»

A princípio, pensei que se tratasse de uma subordinada adjetiva explicativa reduzida de particípio; contudo, verificando a obra Novas Lições de Análise Sintática, de Adriano Gama Kury, notei que o autor repele absolutamente essa classificação.

Desde já meu agradecimento.

Resposta:

Apesar de Gama Kury não contemplar as orações adjetivas reduzidas de particípio*, outros gramáticos brasileiros assim o fazem, como Rocha Lima, Evanildo Bechara, Celso CunhaDomingos Paschoal Cegalla e outros.

Logo, há oração adjetiva explicativa reduzida de particípio na frase trazida pelo consulente, a qual equivale à seguinte oração adjetiva explicativa desenvolvida:

– O incidente ocorreu quando o jovem, que estava acompanhado de amigos após uma partida de futebol, estava pagando suas compras no caixa.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, a explicação nesta resposta se baseia na tradição gramatical brasileira.

 

A norma (in)culta do jornalismo
Ainda sobre o debate das fontes da norma culta no Brasil

«Você realmente acha que a linguagem jornalística pode ser tomada como fonte de norma CULTA, como modelo de exemplaridade idiomática, como alvo a ser desejado no que respeita à qualidade escrita?» – interroga o gramático brasileiro Fernando Pestana a respeito do debate à volta fonte da norma culta no Brasil. Texto publicado pelo autor no seu próprio mural de Facebook em 20 de fevereiro de 2025.