Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É correto usar a frase «Gente, gratidão é bom», sendo que a palavra gratidão está no feminino?

Deveria ser «Gente, gratidão é boa»?

Obrigado.

Resposta:

Há uma regra de concordância nominal na gramática da língua portuguesa que diz respeito ao verbo ser seguido de adjetivo (bom, necessário) ou particípio (permitido). Exemplos:
 
– Cerveja é bom.
– É necessário mudança.
– Não é permitido desorganização aqui.
 
A explicação para a forma no masculino singular de bom, necessário, permitido é a seguinte: quando o sujeito da frase (no caso, respectivamente, cerveja, mudança, desorganização) estiver empregado com valor genérico, sendo constituído de um substantivo não acompanhado por uma palavra determinante, o adjetivo/particípio não sofrerá flexão de gênero. Por isso, o certo é «Gratidão é bom».
 
Se determinados estivessem, a concordância nominal seria diferente, a saber:
 
– A cerveja é boa.
– É necessária a mudança.
– Não é permitida esta desorganização aqui.
 
Sempre às ordens!

Pergunta:

A frase exata «E caminhão demora mais a frear» deve ser interpretada como?

Num primeiro momento, pode-se interpretar como uma generalização de todos os caminhões, mas também se pode interpretar como um caminhão específico que está demorando para frear?

A ausência do artigo definido dá um caráter generalista à frase, ou isso não é algo absoluto?

Resposta:

Estas duas impressões do consulente estão corretas: 1) de fato, há um valor genérico atribuído à palavra caminhão, ou seja, na frase «E caminhão demora mais a frear», a palavra caminhão significa «todos os caminhões, qualquer caminhão»; e 2) a ausência do artigo definido realmente costuma imprimir um caráter generalista ao substantivo e, consequentemente, à frase.

Eis outros exemplos:

– Homem normalmente guarda os sentimentos.
– Meninos gostam mais de futebol.
– Aluno é tudo igual.
 

Note que os substantivos homem, meninos e aluno têm um valor genérico, contemplando todos os homens, todos os meninos, todos os alunos, o que prova o caráter generalista ensejado pela ausência do artigo definido.

No entanto, isso não ocorre sempre. Por exemplo, diante de nomes de pessoas ou de lugares, a ausência do artigo definido não confere esse tom generalizador/indeterminador, como se vê em «Pedro virá ao encontro de hoje, certo?» ou «Espanha é um belo país». 

Perceba que a ausência (ou a presença) do artigo definido antes de «Pedro» e de «Espanha» não altera o sentido das frases.

Sempre às ordens!

 

N. E. (12/02/2025) – A resposta é dada na perspetiva dos usos do português do Brasil, variedade em que a ocorrência de um substantivo (isto é, um nome) no singular, sem artigo definido e com valor genérico, é descrita, por exemplo, por Celso Cunha e Lindley, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984, p. 244; as abreviaturas remetem para as obras literárias que se encontram na fonte consultada e donde foram extraídas as abonações deste uso):  «Esta omissão aparece frequente...

Pergunta:

Mesmo sendo transitivo direto, deparamo-nos com ocorrências algo controversas onde a norma culta -- termo talvez ainda mais controverso -- parece estar de troça relativamente à transitividade do verbo controlar.

Nos exemplos abaixo, o que oficialmente poderia justificar (se justificáveis) as construções? [E, sim, há mais nos exemplos a ser abordado. Estejam livres para, por favor, instruir este consulente.]

A mim ninguém controla.

A mim, ninguém controla.

A mim ninguém me controla.

A mim, ninguém me controla.

Forte abraço à equipe Ciberdúvidas.

Resposta:

É unânime nas gramáticas a existência dum termo sintático* chamado «objeto direto preposicionado», que nada mais é do que um objeto direto introduzido por uma preposição (empregada ora pelo próprio uso culto que se faz da língua, ora por razões estilísticas). Importante: a preposição que enceta o «objeto direto preposicionado» NÃO é exigida pelo verbo, que continua sendo transitivo direto.

É esse o caso do exemplo trazido pelo consulente: o verbo controlar é transitivo direto e o termo «a mim» é o seu objeto direto (preposicionado).

Quanto às demais frases com o objeto direto preposicionado deslocado, a vírgula é facultativa. Logo, está igualmente correto escrever «A mim ninguém controla» ou «A mim, ninguém controla» (o mesmo vale para os outros dois exemplos: «A mim ninguém me controla» ou «A mim, ninguém me controla»).

Aproveita-se o ensejo para esclarecer que essas duas últimas frases apresentam um objeto direto simultaneamente preposicionado e pleonástico: ou seja, o me funciona como objeto direto e o «a mim» funciona como objeto direto preposicionado e pleonástico.

Quem explica isso é o linguista Castelar de Carvalho em seu belo livro intitulado Dicionário de Machado de Assis: língua, estilo, temas, neste trecho:

«Objeto direto preposicionado e pleonástico

Neste caso, o objeto direto preposicionado retoma o pronome oblíquo antecedente, este na função de objeto direto, como se vê nos exemplos a seguir destacados em itálico. Trata-se de um recurso de estilística sintática que visa a enfatizar a figura do objeto direto.

"Algumas pessoas começaram a mofar do Rubi...

Pergunta:

Em 1976 nascia o Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina S/A – BADESC. Nascia, portanto, «o BADESC» (masculino). Porém, logo na sua juventude, a sua razão social foi alterada para: Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S/A – BADESC.

A pergunta é: hoje, quando me refiro ao termo BADESC isoladamente, devo continuar com o masculino, ou troco para o feminino?

«O BADESC» ou «a BADESC»?

Sabido que quando me refiro à nova razão social deve ser «a Agência de Fomento...»

Muito obrigado. Saúde e Paz !

Resposta:

Segundo o próprio site do BADESC, o gênero gramatical do determinante a ser empregado antes da sigla é o masculino. Sugiro consulta a https://www.badesc.gov.br/portal/.

Assim, o artigo definido que antecipa a sigla segue o padrão geral das demais expressões que formam esse tipo de vocábulo, isto é: se a palavra que inicia a expressão é masculina, como é o caso de Banco, então se deve, por via de regra, usar o determinante no gênero gramatical masculino.

Esta, reitera-se aqui, é a orientação seguida pela própria empresa: «o BADESC».

Sempre às ordens!

Pergunta:

No uso da vírgula para cargos e qualificações de pessoas, usa-se a vírgula quando o cargo for ocupado por apenas uma pessoa.

Ex.: «O presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, sancionou nova lei do programa Pé-de-Meia.»

Não se usa a vírgula quando o cargo for ocupado por mais de uma pessoa.

Ex.: «Na avaliação do professor da Universidade de Brasília José Roberto Fialho, os estudantes de licenciaturas já podem comemorar a abertura do programa Pé-de-Meia.»

No exemplo abaixo, podemos utilizar essa mesma regra?

«Agradeço ao meu esposo, Valdir, pela compreensão e paciência.»

Resposta:

O raciocínio conduzido pela consulente para justificar a presença ou ausência das vírgulas está correto. Nada a acrescentar*.

Portanto, seguindo-se o mesmo raciocínio, se a enunciadora da frase tiver apenas um esposo, que é o normal nas sociedades em geral, a frase deverá ser empregada com vírgulas, pelo mesmo motivo que a própria consulente apresentou no desenvolvimento da sua pergunta, a saber: «usa-se a vírgula quando o cargo for ocupado por apenas uma pessoa».

Assim, a frase correta é esta: «Agradeço ao meu esposo, Valdir, pela compreensão e paciência.»

Sempre às ordens!

* Se se desejar ampliar a visão sintática sobre este caso, recomenda-se a consulta a gramáticas tradicionais brasileiras que tratem de «aposto explicativo» e «aposto especificativo», pois esta é a base sintático-semântica para a plena compreensão dos termos na frase e sua consequente virgulação.