Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há uma questão do IME-RJ 2018 que coloca a seguinte frase:

«Só o bobo é capaz de excesso de amor.»

A alternativa correta da questão indica que é um advérbio que se refere ao termo bobo.

No entanto, no contexto da frase, se bobo é um substantivo, como o termo pode ser um advérbio, sendo que os advérbios são modificadores de verbos, de advérbios ou de adjetivos?

Obrigada.

Resposta:

Este é um ponto muito polêmico na gramaticografia tradicional brasileira.

Dentro dessa tradição gramatical, poucos gramáticos mencionam a possibilidade de o advérbio poder modificar substantivo: Gladstone Chaves de Melo, Napoleão Mendes de Almeida, Evanildo Bechara, Silveira Bueno. Não sendo uma gramática normativa, mas sim descritiva, Maria Helena de Moura Neves também estende aos advérbios a possibilidade de modificar outras classes gramaticais.

A maioria dos estudiosos tradicionais, porém, não registra tal possibilidade, afirmando que o advérbio pode modificar tão somente as seguintes classes gramaticais: verbo, adjetivo ou outro advérbio. Guiam-se eles, direta ou indiretamente, pela lição de José Oiticica em seu livro Manual de Análise Léxica e Sintática, no qual alista um grupo de palavras chamadas por ele «palavras denotativas», por não se enquadrarem na classe dos advérbios.

No capítulo de advérbio de sua gramática, assim Bechara esclarece a questão:

«A Nomenclatura Gramatical Brasileira põe os denotadores de inclusão, exclusão, situação, retificação, designação, realce, etc. à parte, sem a rigor incluí-los entre os advérbios, mas constituindo uma classe ou grupo heterogêneo chamado denotadores, que coincid...

Pergunta:

Qual a opção correta?

1) Tudo na mais perfeita paz e ordem?

Ou:

2) Tudo nas mais perfeitas paz e ordem?

E por quais motivos está correta mesma?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Segundo a gramática tradicional brasileira (visão esmagadoramente majoritária), quando um adjetivo, com função de adjunto adnominal*, antecipa dois ou mais substantivos, a concordância nominal se dá com o primeiro elemento. Logo, segundo a norma-padrão brasileira, o certo é «Tudo na mais perfeita paz e ordem».

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, adotou-se na explicação a nomenclatura gramatical brasileira.

Pergunta:

Considere-se a seguinte estrutura:

«Temperaturas extremas causaram impactos sem precedentes nos oceanos.»

O segmento «nos oceanos» corresponde a um adjunto adverbial de lugar ou a um complemento verbal do verbo causar?

Desde já meu agradecimento.

Resposta:

Tanto o dicionário de regência verbal de Celso Pedro Luft quanto o de Francisco Fernandes, as duas maiores referências da tradição gramatical brasileira, informam que o verbo causar é transitivo direto e indireto*, ou seja, exige um objeto direto e um objeto indireto.

No caso em tela, temos «impactos sem precedentes» como objeto direto e «nos oceanos» como objeto indireto.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, foi empregada na resposta a terminologia gramatical brasileira.

Pergunta:

Deve-se colocar vírgula em frases como «Ei-los, colocam tudo na coberta» ou «Ei-lo, solve o congresso»?

Achava que era sem vírgula, mas encontrei essas duas frases com vírgula.

Resposta:

A vírgula ajuda a marcar uma pausa enfática, como se a expressão «Ei-lo(s)» fosse dita de forma altissonante, para depois se anunciar a continuidade da situação, isto é, o sinal de pontuação reforça o destaque ao evento consequente. Essa construção dinâmica é típica dos textos épicos, como a Odisseia, de Homero.

Assim como a frase enfática «Ei-los, colocam tudo na coberta» equivale à frase não enfática «Eis os rapazes, que colocam tudo na coberta», o mesmo se dá entre «Ei-lo, solve o congresso» e «Eis o seguinte: solve o congresso».

Sempre às ordens!

Pergunta:

Hipoteticamente, uma pessoa oferece uma quantia indeterminada para outra. Esta, querendo duzentos reais, deve dizer «Poderiam ser duzentos reais?

Ou «poderia ser duzentos reais»?

Obrigado.

Resposta:

Dentro do contexto frasal, há um sujeito implícito que retoma a ideia presente na interação comunicativa: «(Essa quantia ou Isso) poderia(m) ser duzentos reais.»

Em casos assim, formados por um sujeito nominal ou pronominal no singular e um predicativo nominal no plural, a regra especial de concordância do verbo ser prevê dupla possibilidade: a flexão do verbo com o predicativo do sujeito no plural (mais comum) ou a concordância com o sujeito, no singular (menos comum).

Portanto, ainda que a primeira frase a seguir seja a mais frequente, ambas estão gramaticalmente corretas: «Poderiam ser duzentos reais» ou «Poderia ser duzentos reais», pois equivalem a «Essa quantia/Isso poderiam ser duzentos reais» e «Essa quantia/Isso poderia ser duzentos reais», respectivamente.

Detalhe: na flexão, é sempre o verbo auxiliar (poder) da locução verbal formada que varia, e não o principal (ser).

Sempre às ordens!