Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há como me informar se há registros em algum dicionário, gramática ou mesmo Corpus do português, das locuções «não excluso que» e «incluso que» enquanto conjunções explicativas?

Vi essa informação em um livro não tão antigo (A palavra que, 1961) de Arlindo de Sousa, sem, aliás, abonar nenhum exemplo.

Obrigado

Resposta:

Após consultar cerca de 50 livros de gramática e quejandos dos séculos XIX, XX e XXI, oito dicionários de língua portuguesa dos séculos XIX e XX, e todo o Corpus do Português, não foi encontrada nem sequer uma ocorrência desse tipo de locução trazida pelo consulente.
 
Sempre às ordens!

Pergunta:

Quero saber se a palavra brasiliano(a) já fez ou ainda faz parte do idioma português padrão, se é um arcaísmo ou se é um decalque do inglês Brazilian.

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Segundo os dicionários Aurélio, HouaissMichaelis e Aulete, a palavra brasileiro tem por sinônima a palavra brasiliano (e outras).

Nenhum desses dicionários diz ser um arcaísmo ou decalque (Houaiss menciona que o primeiro registro dessa palavra em língua portuguesa é do século XVIII, sem fazer relação alguma com outra palavra de língua estrangeira).

Certamente seu uso é raríssimo, como se comprova no Corpus do Português (em linguagem jornalística lusitana e brasileira entre 2012 e 2019), preferindo-se quase unanimemente o gentílico brasileiro.

Sempre às ordens!

Pergunta:

Seria correto classificar o vocábulo que no contexto abaixo como advérbio de exclusão equivalendo a , somente?

«Não estuda outra coisa que geografia.»

Resposta:

Antes de responder propriamente à questão, é interessante compartilhar aqui o que se encontra na p. 219 do Dicionário de Questões Vernáculas, de Napoleão M. de Almeida.

Sob o verbete "outro que não", entende o gramático ser canhestra a tradução de "other than", que costuma aparecer em jornais. Assim diz Napoleão, criticando a tradução anglicista (tratada como decalque): «Um pouco mais de respeito ao idioma da terra fará descobrir o redator a que corresponde o inglês... e o não deixará confundir os leitores em outras passagens: "any thing other than this” (qualquer coisa que não seja esta)... Tradução não é sinônimo nem de obediência servil nem de momice. Assim se diz em português: O apito dos guardas de trânsito outra coisa não é senão índice de atraso, de indisciplina, de falta de educação social e de desrespeito a leis» (grifos meus), e acrescento: ou «não é outra coisa senão».

Curioso é que o gramático Evanildo Bechara, em sua própria redação, usa construções sintáticas semelhantes em alguns trechos de sua gramática, como no capítulo de preposição («Não exerce nenhum outro papel que não seja ser índice da função gramatical de termo que ela introduz») e no capítulo de orações subordinadas adjetivas («Em geral, o adjetivo anteposto [também chamado epíteto] traduz, por parte da perspectiva do falante, valor explicativo ou descritivo: a triste vida. Aqui o adjetivo não designa nenhum tipo de vida que se oponha a outro que não seja triste;...»).

De todo modo, se desconsiderarmos ser isto um decalque (ou não) e nos centrarmos apenas na análise gramatical da estrutura trazida pelo consulente («Não estuda outra...

Pergunta:

É lícito, do ponto de vista da gramática normativa, construções utilizando o vocábulo passante como nos casos abaixo?

«Passante o mês de dezembro, irei te visitar.»

«Passante aquela montanha, encontra-se minha casa.»

Resposta:

No português contemporâneo, a preposição acidental passante (equivalente a após ou «depois de») não é mais produtiva, de modo que entrou no grupo de construções arcaicas em qualquer frase semelhante às trazidas pelo consulente.

Em livros antigos de sintaxe (como o de Cláudio Brandão) ou de gramática histórica (como o de Said Ali), também se encontra no português antigo o uso de passante ora como adjetivo («A mulher passante por aquela rua era garbosa»), ora como locução prepositiva («passante de», que equivale a «além de» ou «mais de»; «Havia passante de cem pessoas na rua»).

Sempre às ordens!

Pergunta:

Gostaria de saber como tornar a expressão popular «que o que» mais usual ou formal.

Geralmente, no meu ponto de vista, é uma marca de oralidade, como em: «Eu achava que o que ele fazia era errado» ou «Como eu queria que o que eu desejei acontecesse».

Durante conversas eu não me sinto incomodado, mas quando preciso escrever isso em uma carta ou documento, acho estranho e informal. Caso existam equivalentes na língua portuguesa ou uma maneira de tornar a frase esteticamente melhor, eu ficaria muito feliz em saber.

Grato.

Resposta:

O segmento «que o que» em frases como as trazidas pelo consulente são muito produtivas e inegavelmente existentes em registro formal; não há dúvidas de que faz parte não só da norma popular como da norma culta da língua portuguesa.

Agora, o sistema da língua nos permite dizer de outros modos a mesma coisa, dando ao usuário um leque de possibilidades. Seguem sugestões de paráfrase a partir de «Eu achava que o que ele fazia era errado» :

1. Eu achava que aquilo que ele fazia era errado.

2. Eu achava que era errado aquilo feito por ele.

3. Eu achava ser errado o que ele fazia.

4. Eu achava errado o que ele fazia.

5. Eu achava erradas as suas atitudes.

Sempre às ordens!