Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual o diminutivo de azar?

Resposta:

Se optarmos pela forma sintética, que evidencia a linguagem afetiva, poderemos obter vários diminutivos de azarazarzinho, azarinho, azarito, azarzito —, fruto do emprego dos sufixos diminutivos -zinho, -inho, -ito e -zito.

Se preferirmos a forma analítica, junta-se um adjetivo que indique diminuição: «pequeno azar».

Nota: Embora cada uma das formas sintéticas seja legítima, verifica-se que há uma «preferência na linguagem culta pelas formações com -zinho, no evidente intuito de manter íntegra a pronúncia da palavra derivante; a linguagem popular, no entanto, simplificadora por excelência, tende para as formações com -inho» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 93).

Pergunta:

Estava a contar à minha filha a história da/do (?) Capuchinho Vermelho, quando me surgiu exactamente esta dúvida. Será a, ou o Capuchinho Vermelho? Embora não me soe tão bem, parece-me que o correcto seria «a Capuchinho Vermelho», porque se trata de uma menina, mas a maioria das editoras opta por colocar o artigo no masculino. Gostaria de saber a vossa opinião.

Resposta:

Capuchinho é o diminutivo de capuz, nome/substantivo masculino. Por isso, é um termo masculino, razão pela qual vermelho concorda com o nome a que se refere.

Embora a protagonista da história infantil seja uma menina, o nome pelo qual é designada é uma forma masculina — Capuchinho Vermelho —, decerto porque era essa peça de vestuário de cor muito viva que a distinguia e pela qual era reconhecida

A verdade é que ninguém sabe o nome dessa personagem, pois nunca é referido na narrativa. É esse o sinal exterior de diferença da protagonista-heroína, a marca distintiva da menina que desafia os medos do imaginário infantil, que atravessa sozinha o bosque e enfrenta o lobo para cuidar da avó. Em consonância com a figura desta criança, o diminutivo do nome pelo qual é reconhecida traduz a imagem de um misto de fragilidade e afetividade protetora que nos encanta.

Pergunta:

Eu preciso de ajuda para a seguinte dúvida:

A frase «A pomba teria morrido, sem a ajuda da formiga?» é do tipo interrogativo, polaridade negativa (por influência da palavra sem)?

Muito obrigada pela ajuda agora e sempre que consulto o fruto do vosso trabalho.

Resposta:

O enunciado — «A pomba teria morrido, sem a ajuda da formiga?» — é, de facto, um tipo de frase interrogativa de polaridade negativa, pois não há dúvida de que tem as características de cada uma das classificações:

— interrogativa, porque «corresponde à formulação de uma pergunta, tendo funções pragmáticas distintas como um pedido de informação» (Dicionário Terminológico);

— de polaridade negativa1, que decorre da presença da preposição de sentido negativo sem, um dos marcadores de negação (tal como não e nem), definidos como «núcleos que negam as unidades sobre as quais têm escopo» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 771).

1 Segundo Gabriela Matos, «nos constituintes negados, a polaridade negativa decorre da presença de certas unidades, os marcadores de negação [não, nem, sem] e os quantificadores negativos [os itens lexicais ninguém, nenhum, nada, nunca, que podem por si sós ou em combinação com nomes formar uma expressão negativa]» (idem, p. 773).

Pergunta:

Diz-se e escreve-se «ter a certeza de que», ou «ter a certeza que»?

E, da mesma forma, «ter a noção de que», ou «ter a noção que»?

Resposta:

Relativamente a «ter a certeza», a utilização da preposição argumental de é defendida pelos linguistas João Peres e Telmo Móia em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 1995, pp. 94-95; pp. 111-112; pp. 124-125), sendo a sua utilização obrigatória «antes de argumentos oracionais infinitivos (2) e de argumentos nominais (3) e pronominais (4), como podemos verificar através dos exemplos apresentados::

1. «Tenho a certeza de que o Paulo me vai ajudar

1.1. (?) «Tenho a certeza que o Paulo me vai ajudar.»

2. «Tenho a certeza de poder contar com a ajuda do Paulo.»

2.1. *«Tenho a certeza poder contar com a ajuda do Paulo.» (* – agramatical)

3. «Tenho a certeza de muitas coisas

3.1. *«Tenho a certeza muitas coisas.» (* – agramatical)

4. «Tenho a certeza disso

4.1. *«Tenho a certeza isso.» (* – agramatical)

Segundo Peres e Móia, os nomes/substantivos certeza ou ideia requerem a preposição argumental de, o que nos pode levar a inferir que a mesma regra se pode utilizar para noção, tendo em conta que esta palavra se insere no campo semântico de ideia.

De qualquer modo, o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos (1960), de Francisco Fernandes, indica-nos acerca de, de e sobre

Pergunta:

Famílias de palavras: castelo é da família de casa?

Resposta:

Se tivermos em conta a definição apresentada pelo Dicionário Terminológico — «Conjunto das palavras formadas por derivação ou composição a partir de um radical comum. Exemplos: mar, maré, marítimo, marinheiro, marina são palavras da mesma família» —, designação que se aproxima da da gramática tradicional, uma vez que estabelece como critério de identificação da família de palavras a ocorrência de radical comum1 —, apercebemo-nos de que não podemos deixar de verificar a etimologia das duas palavras: castelo e casa.

Ora, castelo deriva do latim castellum-, ao passo que casa provém do étimo latino casa- (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010). Portanto, se castelo e casa não têm o mesmo radical, não pertencem à mesma família e palavras. Importa, por isso, identificar algumas palavras que se inserem nas famílias de cada desses termos.

Família de palavras de castelo: castelinho, castelozinho, castelão , castelã, castelania (castelo + -ia), castelaria (castelo + -a...