Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
67K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como se deverá formular o plural da palavra kit?

Resposta:

Tal como já foi dito numa resposta sobre a palavra kit, embora este termo esteja registado em vários dicionários (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2009; Michaelis: Dicionário da Língua Portuguesa, 1998; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001), não deixa de ser um estrangeirismo, razão pela qual deve ser escrito em itálico ou entre aspas.

Como não há aportuguesamento da palavra inglesa, a formação do plural seguirá a norma do país de origem. Portanto, o plural de kit é, tal como em inglês, kits.

Importa lembrar que as regras de formação do plural da língua portuguesa nem sequer prevêem casos de substantivos terminados em -t, tratando somente dos nomes terminados em -r, -z, - n (+ -es), em -s (+ -es ou invariáveis), em -al, -el, -ol, -ul (em -is) e em -il (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, pp. 185-189). E isso deve-se ao facto de todas as palavras terminadas em -t aparentarem ser estrangeirismos, como nos c...

Pergunta:

Numa campanha publicitária de grande divulgação presentemente a decorrer em Portugal é utilizada a expressão «se eu podia viver sem  algo?». Esta expressão está correcta? E a expressão «poderia eu viver sem» é mais correcta, ou não?

Resposta:

A expressão «se eu podia viver sem algo?» coloca-nos perante um caso de utilização de uma frase interrogativa envolvendo uma estrutura interrogativa indirecta e apresentando-se como uma resposta, em que o locutor repete o enunciado de uma hipotética pergunta que lhe fora formulada por alguém ou, então, que ele formulara a si próprio.

Mas a questão, aqui, não reside no outro lado — o do interlocutor —, mas, sim, na estrutura desta resposta com construção interrogativa. É evidente que se trata de um enunciado típico do discurso oral, pois responder usando a estrutura de uma pergunta é uma estratégia bastante utilizada que evidencia diferentes realidades: a valorização do conteúdo da pergunta, a preparação cuidada de uma resposta (e a repetição da pergunta permite ganhar tempo)... E o discurso publicitário, como pretende criar expectativa no receptor, usa (e abusa de) expressões da oralidade. Porque aí se reconhecem actos de fala do quotidiano, porque nos identificamos com tal tipo de discurso ou, ainda, porque nos causa estranheza essa estrutura num texto escrito e nos faz pensar nele...

Enfim, essa expressão não passa despercebida a nenhum tipo de público e muito dificilmente alguém lhe fica indiferente. Há várias razões para isso:

1) Tratando-se de um caso com características de uma interrogativa indirecta introduzida pela conjunção se, foi intencionalmente substituída a respectiva subordinante — que subordinaria essa estrutura indirecta (através um verbo interrogativo, tal como perguntar, questionar) — pelo próprio sinal de interrogação. Com esta expressão «se eu podia viver sem algo?» estamos perante uma estrutura estranha em que há uma construção ...

Pergunta:

A questão que coloco prende-se com a frase abaixo descrita, num contexto de crítica política:

1 — «... nada tem a haver daí, dado que...», no sentido de não poder retirar dividendos pessoais ou políticos sobre determinada obra.

2 — Está a construção da frase correcta, ou deverá ser — «... ele nada tem a ver daí, dado que...»?

Como defendo a primeira forma, gostaria de ser esclarecido sobre o assunto.

Aproveito a oportunidade para enaltecer o trabalho excelente desenvolvido por essa equipa maravilhosa. Adoro a língua portuguesa e, por essa razão, sou um dedicado leitor do Ciberdúvidas.

Resposta:

Em primeiro lugar, aconselho-o a ler as respostas do Ciberdúvidas precisamentre sobre a diferença entre Ter a ver e ter a haver, Ainda o ter a haver e o ter a ver e Ainda à volta do ter a ver/ter que ver/ter a haver....

A resposta que formulamos baseou-se no excerto que nos enviou, uma vez que não tivemos acesso a toda frase e à parte do texto em que está inserida para se poder compreender o seu sentido e, a partir daí, não ficar qualquer réstia de dúvida. Mesmo assim, se tivermos em conta a estrutura do enunciado que nos apresenta — «nada tem a haver daí, dado que...» —, devido à presença de «daí» (contracção da preposição de + advérbio de lugar ) seguido de vírgula, parece-nos estarmos em presença de um caso de uso do verbo haver (e da expressão ter a haver), pelas seguintes razões:

1. Ter a haver significa «ter a receber». A haver, expressão usual do domínio da contabilidade = «a receber», obriga a construção a haver de (de quem — da pessoa, de onde — da empresa), isto é, a preposição de vai indicar a origem do objecto a receber, assim como «ter a receber de» (de quem). Celso Pedro Luft, no Dicionário Prático de Regência Verbal, apresenta-nos a frase «De quem houveram tal bem», para exemplificar a obrigatoriedade da preposição

Pergunta:

Seguindo o princípio dos compostos sem elemento de ligação, deveríamos escrever "Estados-não-membros"? Ou o "não" pode ser considerado elemento de ligação, sendo correto "Estados não membros"?

Resposta:

Recomendamos Estado-não-membro, porque se escreve Estado-membro com hífen, e não pode  ligar-se a um substantivo também com um hífen. Contudo, a forma «Estado não membro» encontra alguma legitimidade, pelo facto de, na grande maioria dos casos que envolvem não e substantivos ou adjectivos, a utilização do hífen ser facultativa. Sem querer criar a ideia de que a pergunta do consulente não é pertinente, porque o é, mas por uma questão de respeito pelas respostas já dadas pelo Ciberdúvidas sobre o tema — ver Textos Relacionados, em baixo —, aconselhamo-lo a lê-las, pois encontrará, decerto, a resposta (fundamentada) à sua questão.

Pergunta:

Depois do anúncio dos resultados das eleições, ouvi alguns candidatos dizerem «já tive oportunidade de felicitar o meu adversário pessoalmente». Deduzindo que não estiveram fisicamente juntos, pergunto se a utilização do pessoalmente é correcta quando aplicada ao telefonema, SMS, e-mail, etc.?

Resposta:

O advérbio de modo pessoalmente significa «de uma forma directa e não por interposta pessoa; através da própria pessoa; no que diz respeito à pessoa em si e apenas a si» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001), o que nos permite concluir que a utilização deste advérbio não implica a ideia de presença da pessoa que o diz.   

Na frase que apresentou como referência — «já tive oportunidade de felicitar o meu adversário pessoalmente» —, o enunciador pretende informar o seu interlocutor de que teve o cuidado de felicitar, ele próprio, o seu adversário e pôde fazê-lo através de um telefonema, «de uma forma directa».