A expressão «se eu podia viver sem algo?» coloca-nos perante um caso de utilização de uma frase interrogativa envolvendo uma estrutura interrogativa indirecta e apresentando-se como uma resposta, em que o locutor repete o enunciado de uma hipotética pergunta que lhe fora formulada por alguém ou, então, que ele formulara a si próprio.
Mas a questão, aqui, não reside no outro lado — o do interlocutor —, mas, sim, na estrutura desta resposta com construção interrogativa. É evidente que se trata de um enunciado típico do discurso oral, pois responder usando a estrutura de uma pergunta é uma estratégia bastante utilizada que evidencia diferentes realidades: a valorização do conteúdo da pergunta, a preparação cuidada de uma resposta (e a repetição da pergunta permite ganhar tempo)... E o discurso publicitário, como pretende criar expectativa no receptor, usa (e abusa de) expressões da oralidade. Porque aí se reconhecem actos de fala do quotidiano, porque nos identificamos com tal tipo de discurso ou, ainda, porque nos causa estranheza essa estrutura num texto escrito e nos faz pensar nele...
Enfim, essa expressão não passa despercebida a nenhum tipo de público e muito dificilmente alguém lhe fica indiferente. Há várias razões para isso:
1) Tratando-se de um caso com características de uma interrogativa indirecta introduzida pela conjunção se, foi intencionalmente substituída a respectiva subordinante — que subordinaria essa estrutura indirecta (através um verbo interrogativo, tal como perguntar, questionar) — pelo próprio sinal de interrogação. Com esta expressão «se eu podia viver sem algo?» estamos perante uma estrutura estranha em que há uma construção de interrogativa indirecta com marcas evidentes de uma interrogativa directa (o sinal de interrogação). A complexidade desta expressão reside, sobretudo, na mistura dos dois tipos de estruturas interrogativas. É um caso de retoma de uma interrogativa indirecta.
Estrutura interrogativa indirecta: «Perguntaram-me se eu podia viver sem algo.»
Estrutura interrogativa directa: «— Podes/Podias viver sem algo? — perguntaram-me.»
Optando por «se eu podia viver sem algo?», o autor da publicidade concentrou-se na pergunta indirecta, sem perder a força da entoação de um discurso directo.
2. O pretérito imperfeito está em lugar do condicional, porque se trata de uma tendência geral, pelo menos em português europeu: Interrogativa indirecta: «Podes viver sem algo?» > «Perguntou-lhe se poderia viver sem algo» > «Perguntou-lhe se podia viver sem algo»; «Ele disse que poderia viver sem algo» > «Ele disse que podia viver sem algo»; «Se pudesse viver sem algo, não viveria/vivia na cidade.»