Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A dúvida é:

1) «Anotar a data na lista em anexo», ou «Anotar a data na lista anexo»?

2) «Conforme lista em anexo», ou «Conforme lista anexo»?

Resposta:

Há duas formas possíveis para os dois enunciados:

1) «Anotar a data na lista em anexo» e «Anotar a data na lista anexa».

2) «Conforme lista em anexo» e «Conforme lista anexa».

A palavra anexo pode ser:

— um nome/substantivo (masculino) sinónimo de «aditamento; suplemento», usado na locução adverbial «em anexo», significando «apenso a; em forma de aditamento». Exemplo: «A errata vai em anexo.»

— um adjetivo (o que permite a sua flexão, concordando com o nome a que se refere) com o valor/sentido de «apenso; junto; que está ligado a outra coisa considerada mais importante ou principal; que se anexa». Exemplo: «Enviou os dados necessários em documento anexo à carta.»

Fontes: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010.

Pergunta:

Ao fazermos a divisão silábica de merceeiromer-ce-ei-ro —, podemos considerar que esta palavra, para além do ditongo -ei, possui um hiato (ce-ei)?

Resposta:

De facto, na divisão silábica da palavra merceeiromer·ce·ei·ro —, há um caso de hiato [em ce-ei] e outro de ditongo crescente [ei].

A ocorrência de hiato deve-se à necessidade da separação de duas vogais consecutivas que pertencem a sílabas diferentes, o que difere da realidade do ditongo ei, em que a sequência vocálica forma uma só sílaba.

Nota: Segundo o Dicionário de Termos Linguísticos, hiato é «uma sequência de duas vogais que pertencem a sílabas diferentes». Em relação a merceeiro, deve, no entanto, assinalar-se que, na pronúncia rápida, não há verdadeiramente um hiato, mas, sim, um tritongo, [jɐj], produzido pela passagem a semivogal da vogal da sílaba -ce-: [mɨɾˈsjɐjɾu] (cf. transcrições fonéticas do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora).

Pergunta:

Escreve-se «Tratou-a abaixo de cão», ou «Tratou-a a baixo de cão»?

Obrigada.

Resposta:

A forma correta implica o uso da palavra abaixo, advérbio que designa «em ou com categoria hierárquica inferior» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001).

Importa assinalar, também, que «abaixo de cão» é uma expressão popular empregada para se referir uma «pessoa por quem não se tem consideração nenhuma» (Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Lisboa, Dom Quixote, 1993) ou «pessoa ou situação sem mérito ou respeito» (Orlando Neves, Dicionário de Frases Feitas, Porto, Lello & Irmão, 1991).

Pergunta:

Por estes dias, uma amiga chegou com a seguinte frase para mim:

«Quando olhei pela janela, aquele garoto estava ao portão.»

No mesmo momento achei estranho o uso do «ao», pois eu usaria «no». Perguntei para a minha família, e todos acharam que «ao» estava errado.

Mas quando falei o que achava para minha amiga, ela se defendeu dizendo que usa o «ao» em outras frases como «está ao telefone» e «ele está à porta».

Mais uma vez, eu e minha família achamos que as frases também estão erradas, mantendo nossa opinião quanto o «ao».

Mas por o verbo estar ser um verbo um pouco difícil de se lidar, pois pode ser VT, VI ou VL, eu não soube explicar porque achei errado e nem pesquisar como seria certo. Por isso gostaria de saber, o verbo estar, nesse caso, aceita preposição? E por quê?

Obrigada.

Resposta:

Não estão erradas/incorretas as construções «estar ao portão/telefone» nem «estar à porta/janela», pois a sintaxe do verbo estar1, como transitivo indireto, prevê o emprego das preposições a [«estar a»] e em [«estar em»] — tal como o verbo ficar [«ficar a» e «ficar em»] — para designar «encontrar-se num lugar ou situação» (Dicionário Gramatical dos Verbos Portugueses, da Texto Editores, 2007), como se pode verificar pelos seguintes exemplos:

«Ela está à/na entrada do colégio.»

«Ela ficou à/na entrada do colégio.»

Nota: «Estar a» e «estar em» podem usar-se, também, em situações que se refiram a datas, com o sentido de «encontrar-se numa data». Exemplos:

«Se estamos a 30, amanhã é feriado.»

«Estamos a 6 de novembro, em pleno outono.»

«Quando estamos em maio, os dias são maiores e mais claros.»

1 Com o sentido de «encontrar-se num lugar ou situação», é ainda possível a estrutura «estar por»:

«Podes aparecer, porque vou estar por casa.»

Pergunta:

Gostava de saber o significado das seguintes palavras/expressões populares:

— Cabo dos trabalhos;

— Ter contas a ajustar;

— Pespegar;

— Pôr água à fervura;

— Estupor.

Resposta:

Qualquer uma das palavras e expressões assinaladas pertence às expressões/locuções populares, correntes (ou idiomáticas), usadas para designar determinadas realidades ou situações. Assim:

«Passar o cabo dos trabalhos» significa «enfrentar muitas dificuldades».

«Ter contas a ajustar» ou «ajustar contas com» designam «castigar, vingar-se».

«Pespegar» é usado com o sentido de «dar, aplicar com força; impingir; colocar».

Nota: Relativamente às outras expressões, veja-se as respostas sobre «Pôr água na fervura» e Estupor.

Fontes: Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010; E. M. Correia e P. M. Teixeira, Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, Papiro Editora, 2007; Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Lisboa, Perspectivas & Realidades; Orlando Neves, Dicionário de Frases Feitas, Porto, Lello & Irmão.