Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Uma carrinha estava atulhada de gente. Posso dizer em termos coloquiais: «Na carrinha ia toda a gente ao monte», ou «Na carrinha ia toda a gente a monte»?

Resposta:

«A monte» é a forma correta, pois é a que significa «confusamente; a granel» (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

Existe uma outra expressão semelhante — «ao molho» — que é vulgarmente utilizada para designar a mesma realidade, a de «toda a gente junta, numa confusão».

Nota: Importa assinalar que é comum o emprego de «a monte» na expressão «andar a monte», locução usada para designar «andar fugido à justiça».

Pergunta:

No verso «Barco indelével pelo espaço da alma» está presente uma metáfora, ou uma hipálage?

Resposta:

Tal como ao longo dos versos do poema a que pertence, nesse primeiro verso — «Barco indelével pelo espaço da alma» — da penúltima estrofe de «Cai chuva. É noite» (de Fernando Pessoa) sobressaem as sensações que atravessam todo o texto, construindo a imagem de humidade e de mal-estar, aqui criada pela evocação do «barco indelével», intencionalmente marcada pela presença forte do adjetivo indelével (= que não se pode apagar). Portanto, a sinestesia está aqui presente.

No entanto, não há dúvida de que a figura mais evidente nesse verso é a metáfora. Como representação da vida do sujeito poético (em resposta à pergunta retórica que introduz a segunda estrofe — «O que é a vida?»), em «Barco indelével pelo espaço da alma» o sujeito poético usa a arte de não recorrer à comparação, optando pelo processo pelo qual, aproximando duas palavras, se opera uma deslocação de uma para outra através de um termo intermédio subentendido […], havendo uma deslocação de sentido através do termo intermédio subentendido» (João David Pinto Correia, «A Expressividade na Fala e na Escrita», in Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1991, p. 502).

Não nos parece haver hipálage — figura de pensamento e figura de alteração semântica, que «consiste na atribuição a um objecto de uma característica que, na realidade, pertence a outro com o qual está relacionado. Transposto na frase, o adjectivo aparece muito frequentemente nesta construção, ligando ao objecto uma característica moral pertencente ao sujeito. […] (E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia).

Cf.: 

Pergunta:

Ainda não encontrei menção desta regra em Portugal, apenas no Brasil, de que devemos utilizar sempre a ênclise com o verbo no infinitivo, apesar de haver algum atrator de próclise. Está correto?

E, se estiver correto, o que prevalece numa frase onde o verbo no infinitivo e pronome interrogativo coabitem?

Envio um exemplo:

«Como planeia se recompensar quando ocorrer a mudança desejada?», ou «Como planeia recompensar-se quando ocorrer a mudança desejada?»?

Resposta:

A particularidade da colocação dos pronomes nas variantes do português do Brasil e das repúblicas africanas tem sido analisada por gramáticos e linguistas, razão pela qual tem sido assinalada como objeto de referência nas suas publicações1.

O estudo sobre «Padrões de colocação dos pronomes clíticos» (in Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 847-867), centrado «apenas na descrição dos padrões de colocação característicos da variedade europeia do português moderno» (idem, p. 847), conclui «que a ênclise é o padrão básico de colocação dos pronomes clíticos na variedade europeia do português moderno» (idem, p. 852), tendo o cuidado de assinalar que «a ênclise é igualmente o padrão que se obtém em muitas frases não finitas [ou de infinitivo], em que o pronome clítico ocorre adjacente, respetivamente, a uma forma de infinitivo não flexionado, de infinitivo flexionado e de gerúndio» (idem), como se pode observar nas seguintes frases:

«O João queria emprestar-lhe o carro.»

«Emprestares-lhe sistematicamente o carro não é educativo.»

«Emprestando-lhe o carro, ele chega a horas ao exame.»

«Ela quis escrever-lhe uma carta.»

No entanto, se nos basearmos na perspetiva dos gramáticos Cunha e Cintra, parece-nos que não há diferenças entre o que está previsto como lícito para Portugal assim como para o Brasil, pois afirmam que, «com os infinitivos soltos, mesmo quando modificados por negação, é lícita a próclise e a ênclise, embora haja acentuada tendência para esta última colocação pronominal» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 312), o que se pode verificar pelos exemplos que nos apresentam, da autoria de escritores portugueses...

Pergunta:

Existe abreviatura para as palavras educador/educadora?

Poderei escrever «Educ.ª Sara»?

Resposta:

Não encontrámos nenhum registo da abreviatura de educador(a) na bibliografia específica consultada1.

No entanto, e apesar de não haver uma abreviatura consagrada para educador(a), importa assinalar que qualquer palavra pode ser abreviada. Basta, para isso, seguir-se as regras das abreviaturas. Assim — e tendo como referência uma resposta sobre o tema —, é frequente usar-se as primeiras letras da palavra abreviada (exemplo = ex.; professor = Prof.), assim como as últimas letras, em expoente (ex.: professora = Prof.ª ou prof.ª).

Tal como já foi dito, aconselha-se o uso do ponto2 nas abreviaturas e, quando há letras em expoente, coloca-se o ponto imediatamente antes dessas letras.

Portanto, parece-nos que a forma proposta pela consulente para educadoraEduc.ª — está bem constituída, pois segue as regras para as abreviações.

Nota: O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (da Porto Editora, 2009) e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (da Academia Brasileira de Letras, 2009) assinalam somente a(s) abreviatura(s) de educação: educ. e ed.3

1 Obras consultadas: Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2009; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, 2009; Vocabulário Ortográfico da Língua Po...

Pergunta:

Qual é o grupo nominal na frase «A avó deu um conselho ao filho»?

Pode haver dois nomes no grupo nominal?

Resposta:

Respondendo às questões:

1) Na frase «A avó deu um conselho ao filho», há três grupos nominais:

A avó [constituído por um nome (avó) com um determinante/artigo definido (a)] — com a função de sujeito;

um conselho [constituído por um nome (conselho) com um determinante/artigo indefinido (um)] — com a função de complemento direto;

o filho [constituído por um nome (filho) com um determinante definido (o) que é complemento da preposição a, em «ao filho»)]. 

2) Pode haver dois (ou mais) nomes, assim como dois ou mais pronomes, num grupo nominal. É o que acontece com os casos de sujeito composto (ou de outras funções sintáticas com mais de um elemento), é natural que ocorra mais do que um nome (ou de um pronome) nesse grupo nominal, como se pode verificar nas seguintes frases:

«O João e a Maria querem ir ao cinema.»

«Eu e tu vamos sair.»

«Ele e aquele amigo não gostam da escola.»

«A Ana e o irmão ouvem o pai e a mãe.» 

«Este aluno e aquele estudam os verbos e os pronomes.» 

Nota: Se consultarmos o Dicionário Terminológico (Sintaxe – B.4., em Constituintes da frase – B.4.1.), verificamos que grupo nominal é todo o «grupo de palavras cujo constituinte principal é um nome ou um pronome e que funciona como uma unidade sintática. Um grupo nominal pode ser constituído exclusivamente por um nome ou por um pronome (i) ou por um nome que coocorre com complemento(s) (ii), modi...