Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
60K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «Deixei ir aquelas minhas palavras porque elas o convidavam a abrir-se..,,»  qual o valor do se? Inerente? Reflexo?

Resposta:

No caso em apreço, considero que a forma se é um pronome reflexo, embora noutros contextos com o mesmo verbo possa não o ser.

Tenhamos em conta o seguinte corpus:

1) «O João abriu a porta.»

2) «O João abriu-se comigo.»

3) «A porta abriu-se.»

3.1) «A porta foi aberta.»

3.2) «Alguém abriu a porta.»

4) «A flor abriu.»

4.1) «A flor abriu-se.»

5) «Deixei ir aquelas minhas palavras porque elas o convidavam a abrir-se…»

O verbo abrir pode ocorrer como transitivo, intransitivo e em adjacência pronominal (tradicionalmente, verbo pronominal). Enquanto transitivo, prevê, na posição de sujeito, uma entidade dinâmica, que possa executar a ação prevista pelo sentido de verbo. Em 1, o grupo nominal «O João» preenche esse requisito. Enquanto pronominal, o se associado ao verbo, em contextos como 2, pode ocorrer como reflexo. Note-se que, neste contexto, o verbo adquire sentidos diversos, como «desabafar, revelar, ser franco», embora continue a ter como sujeito uma entidade dinâmica. Como pronominal, o verbo pode, ainda, ocorrer numa construção passiva de se, como em 3, que equivale a 3.1. O se da frase 3 pode ainda ser interpretado como indicador de indefinição do sujeito, ou, mesmo, como muitos defendem, como sujeito indefinido, equivalendo a 3.2. Esta última interpretação não é pacífica, nem consensual, havendo quem se oponha a ela.

Enquanto intransitivo, o verbo tem como sujeito uma entidade não dinâmica, como em 4. Neste caso, se ocorrer uma construção pr...

Pergunta:

Sobre o uso de que e do que em orações comparativas, gostava de saber se a explicação de Pilar Vázquez Cuesta (Madrid, 1971) continua a estar vigente:

«Cuando el segundo término de la comparación contiene algún verbo, la forma empleada es siempre DO QUE.» Exemplos:

«Era mais nova do que eu julgava.»

«O livro era menos interessante do que me tinham dito.»

Obrigada.

Resposta:

A utilização obrigatória de do que em estruturas comparativas não é abordada pela grande maioria dos gramáticos consultados. Sem pretender ser exaustiva, a análise de um pequeno corpus permite dizer que, como referem Pilar Vázquez Cuesta e M.ª Albertina Mendes da Luz, na Gramática da Língua Portuguesa (1980: 384), do que é de ocorrência obrigatória sempre que a comparação acontece entre frases plenas com núcleos do predicado distintos:

(1) «Exportamos menos do que importamos.»

(2) «Fizemos menos do que deveríamos ter feito.»

(3) «Espera conseguir um resultado melhor nestas eleições do que o que obteve nas anteriores.»

(4) «A intenção era mais envergonhá-lo do que destruí-lo.»

(5) «Pretende realizar uma obra que seja mais original do que as que fez até agora.»

(6) «Mais quis aconselhar-te do que prejudicar-te.»

(7) «Ainda não encontrei quem me represente melhor do que tu me representas.»

Todavia, sem pretender ser exaustiva, em determinados contextos, as duas situações são possíveis:

a) Acontece isso quando, no segundo membro da comparação, ocorre uma relativa cujo antecedente tome a forma do demonstrativo o, ou aquilo (o que ou aquilo que — casos em que Ana Maria Brito, na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, p. 682, considera verificar-se uma elipse nominal:

(1.1) «Exportamos menos que aquil...

Pergunta:

Porque «Rosa preocupa a mãe» não admite a passiva sintática «A mãe foi preocupada por Rosa», mas admite a passiva adjetiva «A mãe ficava preocupada com Rosa»?

E, em relação à frase «A polícia acalma a multidão», por que se admite a passiva sintática — «A multidão foi acalmada pela polícia» —, mas não admite a passiva adjetiva «A multidão ficou acalmada»?

Obrigada!

Resposta:

Os verbos acalmar e preocupar são verbos psicológicos que têm sido estudados e agrupados segundo especificidades que os caracterizam.

Amélia Mendes, no artigo "Uma análise dos verbos psicológicos com base nos dados de um corpus: regularidade, variação e polissemia verbal", in Actas comemorativas dos 25 anos do CLUL, (2002) , refere que os verbos protipicamente psicológicos:

a) admitem construção como transitivos, tendo como complemento, ou objeto, direto uma entidade que assume o valor semântico de experienciador e tendo o causador como sujeito:

(1) «Rosa preocupa a mãe.»

b) admitem construção com se (ergativa), assumindo o causador a forma de um grupo preposicional iniciado pela preposição com.

(2) «A mãe preocupa-se com (a) Rosa.»

A autora não analisa a construção passiva destes verbos, mas inclui preocupar no grupo dos verbos psicológicos prototípicos e associa acalmar a um grupo mais restrito que tem variações aspetuais. Diz a certa altura que verbos como acalmar «são todos deadjetivais e admitem uma grande variação de entidades lexicais no preenchimento da posição de objeto direto (…): acalmar uma pessoa, acalmar o trânsito, acalmar a bolsa, acalmar as ondas». Diz ainda que expressam uma gradação e que veiculam uma grande diversidade de sentidos, dependendo muito do contexto para a construção do seu significado.

Por seu lado, Márcia Cançado, na obra

Pergunta:

Nas frases «Ele tinha o rosto mesmo parecido com o seu» e «Parecia mesmo um dos seus amigos», como classificamos mesmo?

Obrigada.

Resposta:

A palavra mesmo varia de classe, segundo os contextos em que ocorre. Pode ser determinante demonstrativo, como em «Lemos os mesmos livros», pronome, como em «Lemos o mesmo», ou advérbio.

Nos exemplos em análise, a palavra mesmo é um advérbio com sentido de «exatamente».

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecido quanto à função sintática das formas pronominais o e lhe em frases como as seguintes:

«Se és ecologista, eu sou-o também.»

«O assunto é-lhe indiferente.»

Nas gramáticas que consultei, a forma o é classificada como pronome pessoal acusativo/complemento direto, e a forma lhe como pronome pessoal dativo/complemento indireto. Além disso, com a implementação do Dicionário Terminológico, estas formas de pronome pessoal são utilizadas, mais do que nunca, nas fórmulas de teste das funções sintáticas complemento direto e complemento indireto.

Assim, será admissível considerar que estas são situações excecionais de uso do pronome o/a/os/as como predicativo do sujeito e de lhe/lhes como complemento do adjetivo? Ou serão utilizações consideradas incorretas?

Antecipadamente grato pela atenção.

Resposta:

Uma das características do predicativo do sujeito (quando não é localizador de tempo ou de espaço) é a de ser substituível pelo pronome o, que, habitualmente, se considera demonstrativo (Cf. p. 136 da Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra).

Em «O assunto é-lhe indiferente», estamos perante um dos casos periféricos, em que o pronome dativo lhe não corresponde, efetivamente, a um complemento indireto, embora, do ponto de vista semântico, lhe possa ser atribuído o papel temático de destino, ou meta, como acontece no complemento indireto típico que encontramos em «O João deu uma prenda à Maria», em que há um objeto (o tema, ou paciente — CD) que se desloca do sujeito (agente) para o CI (beneficiário, destino, ou meta…).

Os usos mais periféricos do pronome dativo estão apresentados na resposta Dativo ético e de posse em português.

No caso em análise, estamos perante um dativo de interesse.