Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Diz-se «alguém tomou da palavra» no sentido de «intervir», ou «alguém tomou de palavra» ou «alguém tomou a palavra»?

Resposta:

A frase correta é «alguém tomou a palavra».

O verbo tomar assume um leque de sentidos bastante diversificado e rico, podendo ser:

a) Transitivo direto, com sentido de «agarrar, segurar, apoderar-se de, invadir, assaltar»: «tomar um livro»;  «tomar a cidade».
b) Transitivo direto e indireto com sentidos próximos dos que tem em a), podendo o complemento ser indireto: «tomar a criança pela mão; «o assunto tomou muito tempo à direção».
c) Transitivo predicativo com sentido de «considerar»: «tomar alguém por tolo».
d) Transitivo indireto com complemento oblíquo, no sentido de «agarrar»: «tomou da caixa para arrumar as coisas» (exemplo extraído do Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses).
e) Pronominal, no sentido de «ser invadido»: «tomar-se de medo».

A par dos sentidos apontados acima – apenas como exemplo – o verbo veicula ainda sentidos mais «marginais» ou figurados como «assumir» («tomar a palavra»; «tomar proporções exageradas»), «decidir» («tomar uma resolução»), «ingerir» («tomar um café»; «tomar um medicamento»).

Surge ainda em outras situações que no dicionário Houaiss são indicadas como sendo tomar um verbo suporte, na medida em que permite a construção de uma perífrase, como na expressão «tomar banho», equivalente a banhar-se.

Na análise efetuada não foram registados outros exemplos em que o verbo tomar surgisse seguido da preposição de ou com qualquer outra, à exceção das situações registadas acima em d) e e).

Porém, uma pesquisa livre pelo Google mostra que são bastantes os usos em que o verbo surge seguido de preposição de; e a prática do dia a dia também mostra que essa construção acontece, como na situação em que um observador, vendo tomar um dado medicamento, diz «Já tomei disso.» Nesta situação parece que a frase veicula uma certa ideia de partitivo e ao mesmo tempo de distanciamento («não tomei esse medicamento,...

Pergunta:

«O Chile propôs-se tornar-se o país mais barato do mundo» será, no meu entender, uma frase incorreta, uma vez que não necessitaria ser utilizado o primeiro -se, mas há quem insista que está correto. Está correto, ou não? Qual a regra a aplicar?

Obrigado.

Resposta:

A frase em questão está bem construída, mas não será a mais elegante.

O verbo propor é utilizado como pronominal quando significa:

(1)    «oferecer-se» (O João propõe-se concluir o trabalho);
(2)    «ter como objetivo» (O João propõe-se chegar a presidente).

Por vezes a subordinada completiva pode vir introduzida pela preposição a: «O João  propõe-se a terminar o trabalho.»

Pela interpretação do verbo principal na frase em análise –«O Chile propôs-se tornar-se o país mais barato do mundo » – a perda da característica pronominal pode alterar o sentido e desviar, ou tornar menos forte, a ação do agente, por estranho que o agente possa parecer nesta frase, dado que corresponde ao país, Chile, a designar metonimicamente o governo do país: «O Chile propôs [a quem?] tornar-se o país mais barato do mundo.»

Com o verbo pronominal a resposta à pergunta «a quem?» recai sobre o próprio Chile, ou governo do Chile: «O Chile propôs-se [a si próprio] tornar-se o país mais barato do mundo.»

Vejamos agora a oração subordinada. Tem o mesmo sujeito: « …[O Chile] tornar-se o país mais barato do mundo.» O verbo tornar, quando pronominal, adquire o sentido «transformar-se».

Mas será esta pronominalização imprescindível? O verbo tornar transmite já na sua base uma potencial ideia de dinamismo que facilita a sua interpretação como transformação, mudança (ex.: O objetivo é tornar o evento mais atrativo.). Esse conceito básico de mudança poderá permitir o seu uso não pronominal na frase em apreço?

Vejamos:

1 - ?«O Chile propôs-se tornar o país mais barato do mundo.»

A frase que se transcreve como 1 tornar-se-ia mais adequada se o predicativo do complemento direto «mais barato do mundo» fosse introduzido pelo artigo o: «…tornar o país o mais barato do mundo.»:

2 - «O Chile prop...

Pergunta:

Em relação ao verbo opinar, é possível dizer-se «todas as pessoas podem opinar para uma melhor sociedade»?

Muito obrigado.

Resposta:

A preposição para na frase em análise dificilmente se enquadra na regência do verbo opinar.

O verbo opinar pode ocorrer como:

–  transitivo direto com o sentido de «entender, achar»: «O João opinava que a tarefa devia ser concluída»;

– transitivo indireto acompanhado de complemento oblíquo antecedido pelas preposições, ou conetores sobre, acerca de, a respeito de, com o sentido de «emitir opinião»– «O comentador opinava sobre a situação presente» – ou com as preposições por, a favor de, contra, se veicular o sentido de concordância ou discordância – «Os presentes opinaram pela saída do líder.»

No caso da frase em apreço, poderemos, eventualmente, interpretá-la como veiculando uma posição favorável a uma dada situação e, nesse caso, a preposição esperada seria, por exemplo, por: «(?)Todas as pessoas podem opinar por uma melhor sociedade». Porém, o facto de o verbo surgir modalizado – «podem opinar» – enfraquece, a meu ver, a mensagem, pois indicia um distanciamento que afasta o locutor da mensagem que produz; por esse facto, assinala-se a frase com (?).

Outra interpretação possível para esta frase seria considerar «para uma melhor sociedade» como uma frase elítica, em que se omitiu o verbo: «para construir uma melhor sociedade».

Tendo em conta esta segunda leitura, para seria uma conjunção que está a introduzir uma oração subordinada adverbial final infinitiva. Efetivamente a frase no seu conjunto enquadra-se na definição apresentada por Maria Lobo na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 2011 e 2012), para as subordinadas adverbiais finais de evento, as...

Pergunta:

Tenho uma dúvida relacionada ao uso da forma participial imprimido.

É certo que, por ser imprimir um verbo com duplo particípio, usa-se imprimido em tempos compostos e impresso nos demais casos. No entanto, creio ter percebido uma sutileza semântica que pode alterar esse padrão de uso. Com o sentido de «estampar, fixar, gravar, tipografar», [é verdade que] o padrão se mantém. Mas, com o sentido de «conferir alguma coisa a algo ou a alguém» ou «transmitir movimento/força a algo», penso que esse padrão se modifica, como se verifica em «Foi imprimida (e não impressa) grande velocidade ao carro para o estabelecimento do recorde».

Sendo assim, gostaria de saber duas coisas:

(1) O particípio regular imprimido pode ser usado não só em tempos compostos, a depender do seu sentido?

(2) Existem outros verbos (e quais seriam) que se encaixam nesse caso?

Muito obrigado!

Resposta:

 A característica que o consulente refere é apontada pelos gramáticos Celso CunhaLindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 442 da edição de 1984.

Os autores referem na observação número 5 ao artigo relativo aos verbos abundantes que o verbo imprimir só tem dois particípios «…quando significa "estampar", "gravar". Na acepção de "produzir movimento", "infundir" usa-se apenas o particípio em -ido

Este aspeto não é valorizado nos dicionários consultados, embora alguns, como o HouaissJosé Pedro Machado no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, alertem para a existência do duplo particípio.

Respondendo às questões colocadas, poderemos dizer, sim, que no caso do verbo imprimir, o sentido do verbo condiciona o uso do particípio, uma vez que só comporta duplo particípio quando significa «gravar» ou «estampar».

Quanto à segunda questão que coloca, há alguns verbos no português que parecem admitir uma dupla situação de uso do particípio no caso dos verbos compostos, por estarem em fase de transição, quer admitindo duplo particípio, como entregar – entregado, entregue («tem entregue»/«tem entregado») – quer perdendo essa característica, como ganhar – (ganhado), ...

Pergunta:

Na frase «ele respondeu com convicção a todas as questões», qual a função sintática de «a todas as questões»?

Resposta:

Há um conjunto de verbos que podem designar-se como verbos de transferência em que a ação designada pelo verbo se projeta, ou é transferida, no complemento indireto (CI), que, do ponto de vista semântico, assume o papel temático de alvo, meta, ou destino.

No caso do verbo responder há uma entidade agente (o sujeito) que responde, e há uma entidade, normalmente com o traço mais humano, que recebe a resposta. Essa entidade desempenha a função sintática de CI a que se atribui facilmente o papel temático de destino.

O que acaba de se expor explicita-se numa frase como 1:

1. «Ele respondeu com convicção à Maria.»

A entidade com função de CI em 1 é facilmente substituída pelo pronome:

1.1. «Ele respondeu-lhe com convicção.»

Curiosamente, a par desta construção, que poderemos considerar prototípica, o verbo responder assume outro tipo de construções em que à função sintática de complemento indireto não é atribuído o papel temático de destino. É o caso da frase em apreço que repetimos como 2:

2. «Ele respondeu com convicção a todas as questões.»

Note-se que, neste exemplo, o CI dificilmente pode ser substituído pelo pronome (os ??? indicam aceitabilidade reduzida ou nula):

2.1. ???«Ele respondeu-lhes com convicção.»

O referente de lhes em 2.1 parece ser não «a todas as questões», mas, sim, a pessoa, ou pessoas, que terá formulado essas questões. E, nesta interpretação, a expressão «a todas as questões» assume um papel temático mais próximo do tema, associável em muitos casos ao complemento direto.