Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Esta frase está correta?

«Estas t-shirts, que julgo que já estão expostas, são incentivadas pelo Sr. Diretor para uso em saídas ao exterior.»

Resposta:

Tendo em conta o conhecimento que temos do mundo que nos rodeia, não se pode considerar correta a fase em apreço, embora do ponto de vista meramente sintático a sua estrutura corresponda às características do verbo. Mais ajustada é a seguinte formulação:

«O uso destas t-shirts, que julgo que já estão expostas, é incentivado pelo Sr. Diretor para em saídas ao exterior.»

O verbo incentivar pode ser transitivo direto e, por essa razão, admite uma construção passiva. Exemplificamos:

(1) O professor incentiva os alunos.
(1.1) Os alunos são incentivados pelo professor.

A frase (1) ilustra, do ponto de vista semântico, a estrutura básica do verbo incentivar. Pelo seu significado, espera-se que o verbo tenha como sujeito uma entidade passível de decidir, agir e como complemento direto também. Porém, sobretudo em posição de sujeito, não têm que ser exatamente entidades humanas. Podem ser também outras entidades que pressupõem a ação humana como: programa, projeto, uso, participação, empresa.

(2) O programa visa incentivar os jovens criadores.
(3) A empresa incentiva a poupança de energia.

Na frase em apreço, que repetimos como (4) a entidade «t-shirt», que ocupa a posição de sujeito da passiva, não é uma entidade com capacidade de decisão, ou ação, pelo que não pode ser usada como complemento direto de incentivar e, consequentemente, não lhe pode servir de sujeito na passiva.

(4) «Estas t-shirts, que julgo que já estão expostas, são incentivadas pelo Sr. Diretor para uso em saídas ao exterior.»

Para que uma frase possa ser considerada correta, importa que cumpra as características sintáticas – mais orientadas para a estrutura frásica – mas também as semânticas, que remetem para o conhecimento que temos do mundo.

Salvaguardam-s...

Pergunta:

No sentido de abrir caminho, ouvi algumas vezes a expressão «abrir alas». No entanto, não sei se será muito correto. Se o for, rege-se por alguma preposição?

Ou seja, na frase: «A temperatura estival parecia abrir alas para a multidão de pessoas que se aglomerou no Palácio de Cristal.»

Desconheço se faz ou não sentido, contudo, poderia substituir-se por: «A temperatura estival parecia abrir alas à multidão de pessoas que se aglomerou no Palácio de Cristal.»

Uma vez mais, quero reiterar os meus genuínos parabéns a toda a equipa que nos ajuda a aperfeiçoar este tão belo idioma de Camões.

Resposta:

Para analisar a expressão «abrir alas», embora tenha uma utilização fixa, importa ter em conta a regência exigida pelo verbo abrir, que, na longa descrição dos dicionários, ocorre, também, como transitivo direto e indireto e intransitivo.

Analisemos as frases em apreço, que se repetem numeradas, e com ordem diversa:

(1) «A temperatura estival parecia abrir alas à multidão de pessoas que se aglomerou no Palácio de Cristal.»

(2) «A temperatura estival parecia abrir alas para a multidão de pessoas que se aglomerou no Palácio de Cristal.»

Ambas as frases são corretas e ambas veiculam o mesmo sentido.

Do ponto de vista sintático, na frase (1) temos:

Sujeito – A temperatura estival
Predicado – parecia abrir alas à multidão de pessoas que se aglomerou no Palácio de Cristal.

Verbo composto que modaliza a mensagem – parecia abrir

C. direto – alas
C indireto – à multidão de pessoas que se aglomerou no Palácio de Cristal.

Nota: por não ser relevante para o tema em análise, não vamos desdobrar os sintagmas nominais, pelo que se não faz a análise da frase relativa «que se aglomerou no Palácio de Cristal.»

Para muitos, a frase (2) tem uma estrutura igual à frase (1), com a diferença de que o C. indireto é introduzido pela preposição para.

Porém, muitos investigadores não aceitam a...

Pergunta:

Na frase apresentada, perguntava se a mesma é aceitável.

«Os livros fazem perceberMOS a nossa cultura.»

Não se deveria ter optado pelo infinitivo impessoal («fazem perceber...»)?

Aproveito ainda para perguntar se a reformulação não poderia ficar nestes termos: «Os livros fazem-NOS PERCEBER a nossa cultura»?

Obrigado.

Resposta:

Para analisar a frase em apreço importa ter em conta a existência de diversos registos, desde o formal, mais associado à norma-padrão, às mais diversas ocorrências mais ou menos informais, em contextos específicos.

Num registo formal, sobretudo se for escrito, dificilmente se poderá considerar que «Os livros fazem percebermos a nossa cultura.» seja adequado à situação, sendo claramente preferível a sugestão que apresenta: «Os livros fazem-nos perceber a nossa cultura».

Num contexto menos formal, a frase poderá ser considerada adequada à situação.

Se tivermos em conta alguns aspetos da regência do verbo fazer, poderemos verificar que ele pode ter como complemento uma frase finita ou infinita (os exemplos apresentados são retirados do Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, da Texto Editores:

(1) - A confiança depositada neles faz os rapazes serem mais responsáveis.
(2) - Esta vitória faz com que a equipa passe para o primeiro lugar.

Em (1) o verbo fazer completa-se com um complemento direto e em (2) com um complemento oblíquo.

A frase (2), com o sentido próximo de «atingir um objetivo» aproxima-se da mensagem veiculada pela frase em apreço. Por outro lado, o sentido desta mesma frase, sem grandes alterações, pode ser veiculado pela seguinte hipótese:

(2.1) Esta vitória faz a equipa passar para o primeiro lugar.

Em (2.1), por ser uma terceira pessoa do singular, o verbo passar pode ser interpretado como infinitivo quer pessoal, quer impessoal. Porém, se alterarmos a pessoa verbal, verificamos que é mais provável tratar-se, como no exemplo em apreço, de um infinitivo pessoal.

(2.2) Esta vitória faz as equipas passarem para o primeiro lugar.

Concentrando-nos no exemplo (2.2) e comparando-o com...

Pergunta:

Já por várias vezes ouvi a formulação «gastar de» quando se pede permissão para consumir algo que pertence a outra pessoa, como por exemplo: «Posso gastar do teu leite?» O uso da preposição «de» com o verbo «gastar» está correto neste caso?

Resposta:

O problema que o consulente coloca insere-se numa área designada «regência verbal», ou seja, de que forma e com que vocábulos (o interesse maior relaciona-se com o uso das preposições) um verbo (e não só) se completa.

Consultando o Dicionário de Verbos Portugueses, da Texto Editora, poderemos verificar que o verbo gastar é:

1 – Transitivo direto, completando-se com um complemento direto, em exemplos como «O Manuel gastou o material todo.»
2 – Transitivo indireto, completando-se com um complemento oblíquo, que, no dicionário referido, surge como preposicional. O exemplo que surge é «A minha mãe há dois anos que gasta da mesma mercearia».
3 – Transitivo direto e indireto, completando-se com um complemento direto e um complemento oblíquo introduzido pela preposição em: «A avó gastou as suas poupanças na educação da neta.» 

O dicionário refere ainda mais dois pontos (intransitivo e pronominal), mas não são relevantes para a análise da frase em apreço.

A frase que a pergunta submete à apreciação do Ciberdúvidas parece inserir-se na estrutura indicada no ponto 2, em que o complemento oblíquo introduzido pela preposição de indica a fonte, ou origem da ação desencadeada pelo sujeito.

No caso da frase em apreço, o sentido veiculado pelo complemento não se associa a origem; a ter um valor claro, talvez seja «destino», ou tema, designando a entidade que vai ser gasta. Além disso, veicula uma ideia de partitivo:

(1)    «Posso gastar do teu leite?»

De qualquer forma, não cremos que se trate de uma utilização inadequada, ainda que possa ser pouco frequente. Estamos perante uma frase em que o verbo gastar se completa com um complemento oblíquo introduzido pela preposição de.

Pergunta:

Em aulas de gramática, especialmente de morfologia, costuma-se explicar o processo de substantivação principalmente com o uso de artigos (definidos ou indefinidos). No entanto, considerando que os substantivos podem ser determinados por outras classes de palavras nominais, como pronomes, adjetivos e numerais, seria correto dizer que esse processo também pode ocorrer por meio deles?

Por exemplo, em uma frase como «Naquele momento, Maria lançou estonteante olhar ao seu amado, o qual, também a fitava apaixonado», o substantivo olhar é determinado pelo adjetivo estonteante

Isso leva a uma nova questão: estaria esse adjetivo funcionando como um simples determinante do substantivo ou como uma espécie de determinante substantivador? Ou, neste caso, ambas as classificações se aplicariam igualmente?

Em síntese, ainda que essa questão mostre-se elementar, ela tem me inquietado.

Desde já, agradeço qualquer esclarecimento.

Resposta:

A substantivação insere-se num processo de formação de palavras designado como derivação imprópria, ou, mais recentemente, conversão.

Todas as gramáticas e dicionários consultados, quando inserem exemplos, recorrem, efetivamente, aos artigos, quer definidos, quer indefinidos. Além disso, seja qual for a classe a que pertence a palavra sujeita a um processo de conversão, ela suporta a anteposição de um artigo.

Poderemos, pois, dizer que a anteposição de um artigo, definido ou indefinido, permite identificar todos os processos de conversão em que a classe final, ou de chegada, seja o substantivo, ou nome. Seguem-se exemplos retirados de um artigo de Daniela Otsuka. O sublinhado é nosso.

(1)    O andar de Regina era triste.
(2)    O não sem explicação se torna pesado.
(3)    Daniel exclamou um oh muito triste.

Por outro lado, Vânia Duarte afirma «- Não devemos confundir substantivos acompanhados de artigos com palavras substantivadas, uma vez que nesse último caso o artigo tem a função de modificá-las, e não de acompanhá-las, determinando-as.»

Ao analisar a frase que submete a apreciação,

(1)    «Naquele momento, Maria lançou estonteante olhar ao seu amado, o qual, também a fitava apaixonado»

importa ter em conta que, sendo falantes da variante europeia do português, podemos incorrer em alguma falha. Isto, porque, à primeira vista, diríamos que a frase carece de um artigo indefinido:

(1.1)    Naquele momento, Maria lançou um estonteante olhar ao seu amado, o qual, também a fitava apaixonado.

Se esse artigo fizer mesmo falta, como nos parece, então o processo de subst...