Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Certo gramático brasileiro, cujo nome não vou declinar, costumava criticar acerbamente a designação «ônibus espacial». Ele afirmava que isso equivalia a depreciar essa estupenda maravilha da ciência. Realmente, parece-me muito mesquinho chamar «ônibus» a um veículo espacial de tamanha envergadura. Esta mesquinhez só ocorre aqui no Brasil, pois em nenhum outro país tal invento é chamado «ônibus». O supramencionado gramático dizia que a expressão adequada a esse portento da tecnologia é «lançadeira espacial», devido ao fato de poder ir e voltar, como a lançadeira do tear. Estava certo o gramático? É tacanha e pobre a denominação «ônibus espacial»?

Sempre muito grato!

Resposta:

Perante realidades novas, vêem-se as línguas na necessidade de criar formas de as nomear. Quando essas realidades nos chegam do exterior, já com o nome associado, nem sempre o papel de uma língua é fácil, adoptando-se, normalmente, com o conceito, a designação.

O que temos em «ônibus espacial» é uma adaptação, com recurso, relativamente livre, a uma das traduções possíveis de shuttle. Em Portugal optou-se por outro: vaivém...

Quanto ao facto de a designação de ônibus ser mesquinha, parece-me uma interpretação pessoal que me limito a respeitar, como respeito a sua adopção. Os falantes têm, por vezes, razões que a razão desconhece...

Para mim, o mais surpreendente na escolha de ônibus é a fuga, digamos, ao seu sentido original. Ônibus, chegado à língua portuguesa via inglês, mais não é do que a evolução do dativo latino omnibus (para todos), que surgia inicialmente associado a transporte. «Transporte omnibus» seria (é!) então, um transporte para todos. Ora, não me parece ser esse o sentido ou a função do ônibus espacial, designado, deste lado do Atlântico, vaivém espacial, como já referi.

 

N. E. (6/1/2017)  A forma ônibus (no Brasil)/ónibus

Pergunta:

Por que, na frase abaixo, o emprego do verbo ter, com hífen + a partícula se, está correto? Não poderia usar «... tem se...» (sem o hífen)?

Eis a frase: «O empobrecimento do mundo tem-se agravado nas últimas décadas.»

Resposta:

A colocação do clítico é distinta em Portugal e no Brasil. A frase que submete ao nosso apreço está correctíssima do ponto de vista do português europeu, podendo, eventualmente, ser considerada marginal no Brasil.

Entre nós, a justificação do hífen prende-se com a não aceitação de um clítico associado a um particípio passado, pelo que se associa ao auxiliar. Se o hífen não estiver expresso, o pronome ocorre proclítico ao particípio, o que seria sentido, em Portugal, como pouco adequado.

Sobre este assunto poderá consultar o documento Verbos Auxiliares no Português Brasileiro.

Pergunta:

A senhora Edite Prada deu esta resposta abaixo a minha pergunta, no entanto, não ficou claro para mim se ela considera que a oração que eu pedi para ser analisada pode exercer função de vocativo. Afinal, a oração colocada por mim pode exercer função de vocativo, ou não? Outra coisa: há registro em gramáticas normativas de orações subordinadas substantivas com função de vocativo? Sim, ou não? Aguardo resposta.

Grato!

Resposta:

Vou tentar responder às duas questões que apresenta, salvaguardando, no entanto, que, em língua portuguesa, como em quase tudo na vida, as questões se não limitam a preto ou a branco, ou seja, nem sempre é simples, nem sequer correcto ou produtivo, responder com sim ou não a uma questão, como espero deixar claro.

Pergunta o consulente se a oração apresentada na anterior interpelação pode, ou não, exercer função de vocativo. Opto por responder com um excerto da resposta que anteriormente dei: «Por definição, a oração relativa substantiva ou relativa livre representa, na frase, um nome. Assim, ela pode desempenhar as funções inerentes a um nome, pelo que, a meu ver e analisando bem a frase em apreço, poderá também desempenhar, ainda que não seja muito comum, a função do vocativo.» Opto, igualmente, por deixar a interpretação do que escrevi à responsabilidade do consulente, pois saber encontrar respostas é, parece-me, tão importante como saber fazerr perguntas.

Pergunta ainda se há registo, em gramáticas normativas, de orações subordinadas relativas substantivas com função de vocativo. Compreenderá que, desta vez, lhe não possa responder com um sim ou com um não. Ou melhor, digo-lhe que não. Não encontrei, em nenhuma das gramáticas normativas consultadas, a referência explícita a situações em que um vocativo tenha como realização uma oração relativa substantiva. Mas digo-lhe ainda outra vez que não. E estou certa de que desta vez vou conseguir escandalizá-lo!... Não, não conheço todas as gramáticas normativas da língua portuguesa. Em síntese, posso dizer-lhe que tal referência não é explicitada nas gramáticas que conheço e que consultei, mas não lhe posso dizer que não haja, algures, uma gramática a falar do assunto. O que lhe posso garantir é que, como afirmei anteriormente, a frase que submeteu ao apreço do Ciberdúvidas é uma frase marginal, característica d...

Pergunta:

«Diz-se tocar a campainha durante dez minutos», ou «tocar à campainha durante dez minutos»?

Cf. «bater a porta» vs. «bater à porta».

Resposta:

A questão que apresenta prende-se com um uso da língua que é diversificado e que, por isso, permite mais do que uma realização, mesmo se o sentido global não coincide totalmente.

Numa pesquisa Google, cheguei à mesma conclusão que chegara intuitivamente, ou, mesmo, em conversação com outros falantes: ambas as expressões se utilizam, havendo, no entanto, uma clara preferência por «tocar a campainha».

Pergunta:

Expressões como «relacionado no rol» ou «listado na relação», por exemplo, são tão redundantes quanto «arrolado no rol», «relacionado na relação», «listado na lista»? Quais dessas formas são possíveis de serem usadas em textos formais?

Resposta:

Eu diria que nenhuma. Em todas elas há, efectivamente, redundâncias, que se compreendem, de alguma forma, num discurso informal, sobretudo se for oral, mas que se devem evitar na escrita. Mesmo se esta não for muito formal.