D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Antes de mais, os meus parabéns por esta excelente iniciativa.

A minha dúvida reside no meu apelido. O meu apelido é Peres, e nunca foi acentuado, aliás tal como os apelidos: Pires, Neves, Fernandes, Lopes, Alves, Gonçalves, etc. (tirados ao azar da lista telefónica de Lisboa).

Mas numa resposta sobre a acentuação em Português diz-se:

São acentuadas as palavras graves terminadas em: l, n, r, s, x, exemplos: agradável, abdómen, carácter, lápis, Félix.

Se Peres é uma palavra grave terminada em s, não deveria ser acentuada assim: Péres?

Muito obrigado pela sua atenção.

Resposta:

A regra que sigo é a seguinte (Prontuário da Texto Editora, RO F9):

Acentuam-se com acento agudo as palavras paroxítonas (graves) com t{#ó|ô}nica em vogal aberta a, e, o, e também i, u, que terminem em: -l, -n, -ps, -r, -x, -ã, -ãs, -ão, -ãos, -ei, -eis, -i, -is, -um, -uns, -us (ex.: amável, éden, fórceps, almíscar, tórax, órfã, órfãs, órgão, órgãos, hóquei, amáveis, beribéri, bílis, fórum, fóruns, húmus, etc.). A regra prática que dá resultado nalguns destes casos é pensar a palavra sem o acento:

frequentemente nota-se logo que, sem o acento, a palavra passaria a ser oxítona (ex.: «orfã» ficaria ¦orfã¦, «hoquei» ficaria ¦okei¦, etc.

A terminação es não figura nos casos acima considerados. Peres não tem acento; pela regra prática, nota-se bem que não precisa. É esta a grafia que aparece registada no Vocabulário de Rebelo Gonçalves.

Ao seu dispor.

Pergunta:

Linguiça não tem acento gráfico. Porquê?

Resposta:

Compreende-se a dúvida da consulente. De facto/fato, segundo as normas em vigor, a vogal grafada i, quando antecedida de vogal com a qual existe hiato e desde que seja tónica/tônica, não forme sílaba com a consoante seguinte, não seja precedida de ditongo, etc., é acentuada (ex.: puído).

Acontece que com linguiça o raciocínio deve fazer-se de outro modo:

Os dígrafos gu, qu têm normalmente o som da consoante (ex.: guizo, subs., guiso, forma verbal, quente, etc.). O grafema u, seguido de i ou de e, é um símbolo no grupo, sem som, não independente. Para que o u se pronuncie, é necessário impor essa condição no grupo. É o que se faz presentemente em Portugal, por exemplo, em delinqúi (o acento agudo impõe o som ao grafema e simultaneamente marca a tónica/tônica). Nos casos em que interessava que não houvesse alteração dos acentos na palavra e se pretendia que a pronúncia do u fosse assinalada, usava-se o trema, um sinal gráfico, de diérese (separação). Lingüiça é um destes exemplos, como se grafava no Vocabulário da Academia das Ciências, portuguesa, de 1940 (e como continuam a escrever os nossos irmãos brasileiros).

Ora o trema foi suprimido no acordo de 1945, que Portugal passou a seguir (os brasileiros não). Assim, para os portugueses, a `linguiça gráfica´ continuou a ter igual pronúncia, mas agora sem o `condimento´… Na leitura, parte-se do princípio de que será estabelecido mentalmente o som do u e o hiato, com base no conhecimento da ortoépia da palavra.

Cf. Trema.

Ao seu dispor.

Pergunta:

Deve-se escrever "habitua-lo-ão" ou "habituá-lo-ão"?

Resposta:

Deve escrever habituá-lo-ão, habituá-lo-ia.

Acentuam-se com acento agudo as conjugações com os pronomes lo, los, la, las quando terminadas na vogal a aberta (ex.: adorá-lo, fá-lo) e com acento circunflexo quando terminadas nas vogais fechadas ê, ô (ex.: fazê-la, repô-la).

Nas mesmas conjugações, não se acentuam as vogais (sem ditongo) i, u (ex.: pedi-la, compu-la; mas atraí-la, porque se pretende o hiato entre a e i).

Ao seu dispor.

Pergunta:

Sempre ouvi dizer que em português, os vocábulos nunca têm mais de um acento... e no entanto "órgão", por exemplo, não respeita este pretenso limite. Gostaria de saber se se trata de uma excepção (e se assim for, que outras excepções existem) ou simplesmente de uma falsa regra.

Resposta:

No vocábulo órgão o til não é um acento, mas um sinal gráfico de nasalação.

Veja resposta ao tema dupla acentuação, em Julho do corrente ano.

Ao seu dispor.

Pergunta:

Um relógio (digital ou analógico) que tenha como opção um contador de tempo (vulgo cronómetro) diz-se que tem um cronómetro ou um cronógrafo?

Resposta:

Consultando um bom dicionário, conclui-se:

Cronómetro: «aparelho que serve para medir o tempo; relógio de precisão». Vem do grego `khrónos´, que significa tempo, mais `métron´, que significa medida. A palavra adquiriu o significado de precisão. Será um instrumento de precisão que, por exemplo, mede o tempo que um corredor demora a percorrer um determinado espaço (até às fracções de segundo).

Cronógrafo: «aparelho que regista o tempo em que se dá certo fenómeno, ou o tempo que ele dura; cronista». O termo vem do grego: `khronográphos´, que significa historiador (vindo para a nossa língua pelo latim `chronographu-´, cronista, com o a breve, logo acentuação tónica em ¦nó¦).

Portanto, um cronógrafo historia o acontecimento. Isto é, no exemplo do corredor indicado acima, um cronógrafo indicaria a altura do dia em que ele fizesse o percurso e a sua duração.

Numa outra análise, com recurso à Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, encontra-se, na entrada cronógrafo: «... pelo registo assim obtido se determinará depois, ou o momento preciso em que se observou um dado acontecimento, ou o intervalo de tempo decorrido entre dois acontecimentos.» Resumindo, salvo neologismos semânticos, que desconheço, penso que podemos dizer: um relógio está munido com um cronómetro, se indicar intervalos de tempo com precisão; e com um cronógrafo, se indicar os intervalos e os situar no tempo. No sentido que cronómetro adquiriu, acrescento, no meu ponto de vista: um cronógrafo terá a função também de cronómetro, se for um indicador de precisão.

Ao seu dispor.