D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a regra para as paroxítonas terminadas em «am»?

Resposta:

A Base XIII da norma portuguesa indica que a terminação am (ditongo de som ¦ão¦) só se emprega em flexões verbais e é sempre átona. Esta determinação implica que se dispense o acento na vogal anterior (ex.: amam, acabam, fugiram); regra que se aplica inclusivamente às terminações iam (ex.: cabiam, fugiam).

Note que se grafa diminuíam, porque neste caso se deseja estabelecer o hiato entre u e i. Note também que há terminações que obrigam ao acento nas paroxítonas, como, por exemplo, ão, ei, um, etc. (ex.: órgão, hóquei, fórum).

Pergunta:

...Uma pequena queixa… Fiz-vos uma pergunta sobre a pêra e passaram mais de dois dias úteis... Para antecipar a V. resposta, que entretanto encontrei, que o acento serve para distinguir a palavra da antiga preposição pera, devo dizer que ela não me satisfaz, visto que há um caso parecido com pega que não leva nenhum acento.

Desde já vos agradeço.

Resposta:

A grafia correcta é pêra (fruto), com acento circunflexo. Grafia explícita na Base XXII da Norma portuguesa e na XII da brasileira, ambas em vigor. O vocábulo está também assim dicionarizado no vocabulário de Rebelo Gonçalves (Portugal) e no dicionário de Aurélio (Brasil).

Pega ¦pê¦ (ave) e pega ¦pé¦ (verbo, cabo) não têm acento gráfico, de acordo com a Base XXI da Norma portuguesa (homógrafos) e com a Lei nº 5765 da Norma brasileira. É esta também a grafia registada nas obras acima citadas.

Devemos escrever sempre com respeito pelas normas: «A Língua é como um rio: sem margens desaparece», não é?.

No entanto, obediência cívica não significa que tudo se deva aceitar sem críticas, quando legítimas. Do meu ponto de vista, a obrigatoriedade de acentuar pêra foi uma decisão controversa dos responsáveis pelas regras em vigor. Se o objectivo era evitarem a confusão com a preposição antiga `pera´, arranjaram confusões com a regra simplificada dos homógrafos e, mais grave ainda, com o facto/fato de o plural de pêra já não necessitar de acento: peras (grafia igualmente explícita na Base XXII).

Quem se esquecer de pôr o acento `na pêra´, é improvável que, por isso e actualmente, escreva com ambiguidades no seu discurso. Corre é o risco de que o considerem ignorante, se não puder demonstrar que considera esse acento gráfico já injustificado.

Cuidado, que o acento gráfico em peras será, esse sim, um erro sem defesa...

Pergunta:

Uma professora primária afirma que não existem palavras em português com dois acentos.

Na consulta ao Glossário, encontrei "bênção" com dúpla acentuação.

Algum deles não é acento?

A regra não será verdadeira?

Resposta:

A afirmação da senhora professora não está errada: está incompleta. Quanto à palavra bênção, alguns gramáticos completam a regra dizendo que o til não é um acento gráfico, mas um sinal gráfico de nasalação.

A verdade, porém, é que a afirmação de que o til não é um acento gráfico está também incompleta. Segundo a «Nova Gramática do Português Contemporâneo», o til «vale como acento tónico, se outro acento não figurar no vocábulo» (texto da Reforma Ortográfica de 1911). Indico o seguinte exemplo: na palavra manhã, o til não dá só a nasalação, dá também o acento tónico, pois sem ele a palavra fica paroxítona (grave): manha. As palavras bênção ou órfã são acentuadas com base no preceito, da citada Reforma, que recomendava o acento nos vocábulos em que a `sílaba predominante´ fosse a penúltima, se terminados em ditongo ou vogal nasal. Assim, as palavras acima são acentuadas, não obstante a tendência para a paroxitonia no português e os significantes ¦benção¦ ou ¦orf㦠não existirem na Língua.

Ora a verdade (outra vez…), é que a afirmação citada na «Nova Gramática do Português Contemporâneo» está também já incompleta. Por exemplo, na palavra irmãmente não há mais nenhum sinal gráfico; e o til pode dizer-se, presentemente, que se destina só a manter a nasalação (já não se põem acentos nas sílabas subtónicas das palavras derivadas, mas o til continua obrigatório nestes casos). A palavra acento não pode, na expressão registada nesta gramática, ser interpretada hoje como acento gráfico, e isso não está explícito.

Quem assume a responsabilidade de estabelecer regras na Língua, deveria preocupar-se em descer ao utente, evitando, sobretudo, de fazer confusões.

Mudando ...

Pergunta:

Como se escreve o género (protozoário) leishmania em português? Leishmania ou leishmânia?

Resposta:

Deve escrever leishmânia e não «leishmania», de acordo com Rebelo Gonçalves.

São muito frequentes/freqüentes na nossa língua as palavras terminadas em «ania», mas também existem as que terminam em «ânia», como Oceânia, capitânia, Estefânia, britânia, etc.

Nas palavras da língua portuguesa o h é normalmente suprimido no interior das palavras (como em desumano), mas em Leishmânia respeita-se a base II, das normas portuguesas e brasileiras, que obrigam (e pessoalmente me escandalizam neste aspecto) a manter combinações gráficas não peculiares à nossa escrita, nos derivados eruditamente de nomes próprios estrangeiros (leishmânia vem de Leishman, biólogo).

Pergunta:

Escreve-se carcinogenese ou carcinogénese?

Resposta:

Deve escrever-se carcinogénese e não «carcinogenese» (no Brasil, provavelmente carcinogênese).

O mais seguro para se saber qual a grafia duma palavra em que se tem dúvidas, é sempre vê-la escrita numa obra idónea. Não a encontrei em: "Rebelo Gonçalves, José Pedro Machado, Porto Editora e Texto Editora", nem no brasileiro "Aurélio". Trata-se, portanto, dum neologismo. Não admira que o consulente tenha tido dificuldade. Só a fui encontrar no "Dicionário Verbo de Inglês Técnico e Científico" e na "Actualização da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira". Grafada carcinogénese, e com o significado: processo de produção de cancro, etc.

Estas obras, onde a palavra está registada, são respeitáveis; mas, tratando-se dum médico, habituado ao método científico e porque pode ter necessidade de maiores certezas, indico a seguir as outras conclusões a que cheguei:

1 — Para quem domine a informática, o que deve ser o caso do consulente, a consulta do dicionário informático da "Texto Editora", pelas últimas palavras, permite concluir que não há nenhuma terminada em «genese» e 41 terminadas em génese (como partenogénese). Logo, "carcinogénese" e não «carcinogenese».

2 — O recurso ao latim ajuda muito na nossa Língua; e não é preciso sermos latinistas. A análise da palavra permite concluir que será formada por `carcinoma (cancro), vindo pelo latim carcin<->ma-´ (ajuda etimológica do "Dicionário da Porto Editora"); mais `génese (processo de origem), vindo pelo latim gen -/se- (do grego génesis)´. Ora sabemos que na palavra latina gen-/se-, o sinal curvo, de vogal breve, indica que a sílaba tónica é a antecedente ¦gé¦ (como em grego). Logo, carcinogénese e não «carcinogenese».