D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Volta à Itália ou Volta a Itália?

Resposta:

A acção é dar uma `volta a´ (a preposição). Quando se trata de topónimos, é preciso pensar se é costume antecedê-los de artigo ou não. Diz-se `vou ao Porto´ (a + o), mas `vou a Lisboa´ (sem o artigo). Diz-se: `a França é grande´, `a Espanha ainda é maior´; `a Itália tem a forma de uma bota´; mas:`Portugal é lindo´. Portanto, `volta à França´, `volta à Espanha´, `volta à Itália´; mas `volta a Portugal´.

Nota: Claro que quando se quer caracterizar determinado aspecto da região designada pelo topónimo, também se pode usar o artigo (ex.: `a Lisboa da minha meninice´, `o Portugal dos grandes feitos´).

Ao seu dispor,

Pergunta:

Agradeço o vosso cuidado e atenção "acerca" do "ratio" e do incorrecto "rácio".

Aproveito para solicitar outro esclarecimento: qual a actual forma correcta de grafar "acerca" - com ou sem acento, grave ou agudo?

Segundo julgo saber, antigamente palavras como estas escreviam-se com acento agudo ("àquele" por "a aquele", "àquilo" por "a aquilo"), mas depois creio que este acento passou a ser abolido (?).

Agradeço elucidação.

Grato.

Resposta:

A forma actual de grafar correctamente este vocábulo é acerca (sem acentos).

No «Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa», publicado pela Academia das Ciências de Lisboa em 1940, ainda aparecia a grafia «àcêrca» (com acento grave e não agudo), com base na Reforma de 1911 (90 m, 91). Mas o acordo de 1945 suprimiu os acentos que distinguiam palavras homógrafas heterofónicas e explicitamente indicou (Base XXVI) que não se distingue acerca ¦àcêrca¦ (elemento da locução prepositiva acerca de) da palavra acerca ¦âcérca¦ (flexão do verbo acercar). O acento grave tem agora utilização muito limitada (à, àquele, àquela, àquilo, àqueloutro, prà, prò, etc.; ou formas regionais ou antigas: `àgora´, `ò/s´, `prèguntar´, que já não aparecem em dicionários actualizados, idóneos).

Nota: Também é acerca (sem acentos) a grafia correcta presentemente para o Brasil.

Ao seu dispor.

Pergunta:

Por que o verbo conter, na terceira pessoa do singular, possui acento <'> ele contém? Esse verbo não conjuga-se como o verbo ter?

Resposta:

São acentuadas as palavras oxítonas, de mais de uma sílaba, terminadas em em, ens, porque, se não fossem acentuadas, seriam paroxítonas (ex.: contém sem acento ficaria contem [que eles contem], flexão do verbo contar).

Mas se as palavras forem monossilábicas (porque então já não podem ser paroxítonas), dispensam o acento nesses casos (ex.: sem, vens, etc.). É por este motivo que tem, flexão do verbo ter, não precisa de ser acentuada.

Cuidado que têm, vêm são acentuadas (eles têm/vêm), distinguindo-se, assim, a terceira pessoa do plural da do singular. Mas não há contradição lógica para quem pronuncia ¦tem-em¦ e ¦vem-em¦, porque, então, o acento circunflexo é, na realidade, um sinal convencional que converte os monossílabos tem e vem foneticamente em dissílabos.

Nota: Estas regras são igualmente válidas para o Brasil.

Ao seu dispor.

Pergunta:

Queria fazer uma pequena correção à vossa resposta sobre o acrônimo Petrobrás. É assim que se escreve, só com maiúscula na primeira letra (o "P") e não como D'Silvas Filho grafou. A companhia estatal brasileira chama-se Petróleos do Brasil. Logo...

P.S. – De resto, há uma regra consagrada (pelo menos aqui no Brasil) que manda grafar em maiúscula apenas a primeira letra das siglas ou acrônimos com quatro letras ou mais. Por razões estéticas, é claro.

Resposta:

Agradeço ao Snr. Valdir Fonseca a sua nota.

Se reparou bem, eu disse, na minha resposta (14 de Abril de 1999), que ignorava a forma como o acrónimo da empresa está registado. Limitei-me a seguir a grafia, toda em maiúsculas, que aparecia na consulta. Se diz que é Petrobrás, muito bem.

Penso, no entanto, que a regra estabelecida por si não pode ser generalizada na nossa comum língua. Por exemplo, numa pequena revista sobre imóveis, que tenho à minha frente, leio como acrónimos de empresas: Somimpor (de facto, esta só com maiúscula inicial), mas também: PRODUC, JOPREDI, MUNDIMO, PREDIJOTA, PREDITUR (tudo em maiúsculas) ou predinunes (tudo em minúsculas). Como se verifica, a grafia do acrónimo depende da escolha da empresa.

Como já tenho escrito, a língua deve obedecer a regras, para que mantenha a sua identidade e para que constitua um meio de comunicação em que todos se entendam (é essa uma das funções das normas: a uniformização). Mas, por outro lado, para que não estratifique em modelos obsoletos, a língua precisa de alguma liberdade. Regras desnecessárias só servem para a espartilharem desnecessariamente e lhe roubarem a sua versatilidade.

No caso presente, de siglas e acrónimos, as regras que recomendo são unicamente:

SIGLAS: Primeira letra de cada palavra; conjuntos de letras independentes; maiúsculas obrigatórias; sem pontos, nem plurais (ex.: as PCH e não as PCH's).

ACRÓNIMOS: Autênticos vocábulos, no seu conjunto de letras; formados por letras ou sílabas de outras palavras; com acentos, mas escritos livremente (maiúsculas ou minúsculas).

Ao seu dispor,

Pergunta:

Porque não «negligênciável»?

Negligenciável é, se não me engano, a forma correcta. A minha questão prende-se ao facto de, já que escrevemos «negligência», porque é que deixamos de usar o acento circunflexo quando escrevemos «negligenciável»? Só por não serem permitidos dois acentos? Então, se se pode retirar o acento devido a essa razão e manter a sonoridade da palavra, qual é a sua utilidade em «negligência»?

Resposta:

O raciocínio lógico é frequentemente inadequado na Língua. Tratando-se duma ciência em mutação permanente, nem tudo obedece a um raciocínio lógico exigente. No entanto, os cientistas lá vão regulamentando a Língua com a lógica possível.

Ora bem, nas premissas actuais, podemos dizer que o termo «negliênciável» é ilógico. Uma vez que foram eliminados os sinais ortográficos em palavras derivadas (como portuguesmente e mazinha, por exemplo), o acento circunflexo e o acento agudo passaram unicamente a assinalar a tónica, e como só há uma sílaba tónica em cada palavra, estes dois acentos excluem-se mutuamente (ou um ou outro). Portanto, deve escrever-se: negligenciável, tónica em ¦ciá¦, sem o acento circunflexo.

Por outro lado, o termo «negligênciavel», com tónica em ¦gên¦, também seria ilógico, visto não haver sílaba tónica anterior à antepenúltima.

Quanto à necessidade de acento em negligência, trata-se da regra de acentuar todas as proparoxítonas aparentes (tónica em ¦gên¦, terminação em encontro vocálico postónico). Aqui a regra é controversa, estamos de acordo. Mas também é controversa a indispensabilidade de acentuar todas as proparoxítonas. Penso que este problema terá de ser resolvido algum dia.

Ao seu dispor,