D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se dá a classificação dos termos que compõem construções como «dar-se-vos-á», «abrir-se-vos-á», «abrir-se-lhe-á», encontradas no Evangelho de Lucas, capítulo 11, versos 9 e 10: «Pedi, e dar-se-vos-á»; «buscai, e achareis»;«batei, e abrir-se-vos-á»; «Porque qualquer que pede recebe»; «e quem busca acha»; «e a quem bate abrir-se-lhe-á»?

Sei que se trata de mesóclise, porém, a dúvida que fica é: em «dar-se-vos-á» («será dado a vós»), «abrir-se-vos-á» («será aberto a vós»), «abrir-se-lhe-á» («será aberto a ele») porqu o uso dessa partícula se? Como ela se classifica no contexto?

Obrigado.

Resposta:

Vejamos algumas funções da partícula se.

1. Pronome reflexivo (ex.: «Ele lava-se.»)

2. Função apassivadora («Fazem-se casas.» → «Casas são feitas.»)

3. Palavra indeterminante do sujeito («Faz-se casas.» → «Alguém as faz.»; «Dar-se alguma coisa.» → «Alguém a dá.»; «Abrir-se alguma porta.» → «Alguém a abre.»)

    Começamos normalmente pela gramática para nos situarmos no raciocínio linguístico. Em Ciberdúvidas e no nosso lema, as regras gramaticais são as margens entre as quais fluem as palavras. Mesmo quando nos libertamos pela estilística, as margens não podem ser ignoradas, para evitar erros grosseiros.

    Ora, considerando as margens acima, pensamos que as expressões em causa se integram no último caso. Claro que estamos em presença do mito. Então diremos que se trata de Alguém, a Providência, Deus, que dá, abre:

    «Pedi, e Deus dar-vos-á (o que pedis)».

    «Batei, e Deus abrir-vos-á (a entrada)».

    Mas, ainda no mito, também se pode supor que a dádiva é mesmo de Deus, que a abertura é para Deus. Então, sentimos que a função é reflexa:

    «Pedi, e Deus dar-se-vos-á.»

    «Batei à sua porta (sentido figurado), e Deus abrir-se-vos-á.»

   Escolha-se dependendo daquilo com que se sonha. Estas parábolas, que já atravessaram vinte sécu...

Pergunta:

Numa resposta anterior do Ciberdúvidas, diz-se que se deve escreve «trave mestra» e não «trave-mestra». No entanto, o dicionário da Infopédia indica que se deve escrever «trave-mestra», e parece-me fazer sentido que assim seja.

Podem explicar melhor, por favor?

Muito obrigado pelo vosso trabalho!

Resposta:

     O hífen continua a deixar muitas dúvidas. O recurso é sempre consultar a autoridade, no vocabulário ou no dicionário, disponíveis. O problema é que nem sempre essas obras são idóneas, dada a sua discricionariedade.

    Ora, há sempre algumas orientações tradicionais de base geral:

    O hífen é necessário:

·    na ênclise e na tmese (escrevo-lhe, escrever-lhe-ei);

Pergunta:

É fato que o Acordo Ortográfico nos deixa com a pulga atrás da orelha em certas ocasiões. O tema desta pergunta [sobre o uso do hífen] é um tanto quanto difícil para muitos. Eu, pessoalmente, ainda não entendo o 5.º tópico desse tema: «Emprega-se o hífen nos compostos com os elementos além, aquém, recém e sem: além-Atlântico, além-mar, além-fronteiras; aquém-mar, aquém-Pirenéus; recém- casado, recém-nascido; sem-cerimônia, sem-número, sem-vergonha».

Tanto no 4.º quanto neste tenho uma certa dificuldade. Como saber se usa-se hífen ou não? Exemplos: «Ele é um homem muito sem-vergonha!» Todos sabemos que se usa o hífen neste caso. «Aqueles são filmes sem censura.» Usa-se hífen?

«Ele é sem-teto.» Sabemos que se usa.

«Ele é um guerreiro valente! Um homem sem medo!» Usa-se?

Enfim, gostaria de vossa ajuda, de entender bem essa nova regra.

Os meus agradecimentos.

Resposta:

4.º e 5.º da Base XV do AO90

Respondo, seguindo a numeração dos artigos

4.º

    Considerando que são unidades semânticas todos os exemplos deste artigo, em vários não era possível aglutinar porque resultariam retornos da grafia sobre a fonia: *bemestar, *malafortunado, com h interior: *malhumorado (neste caso também retorno), ou com grafias incomuns na língua: *bemmandado.

5.º

   Ainda considerando sempre unidades semânticas, se os primeiros elementos conservam acentos gráficos, a aglutinação contrariaria as regras como acima, as da acentuação ou ambas: *alémAtlântico, *aquémmar, *recémcasado.

 

Pergunta:

Na publicidade vejo diversas construções como "Férias é na Bahia" ou "Ofertas é aqui". Penso que estes verbos deveriam ir pro plural, correto?

Resposta:

As frases, consideradas na sua estrutura gramatical, estão efetivamente incorretas. O verbo devia estar no plural.

Portanto: «Férias são na Bahia», «Ofertas são na Bahia».

Mas lembremos Rodrigues Lapa. Muitas vezes, a frase fica mais expressiva se não nos cingirmos exatamente às regras gramaticais. Vejamos os dois casos. 

«Se queres boas férias, é na Bahia que as deves ter». A frase resumida apresentada é mais sugestiva.

«Compras que são ofertas, é aqui que as encontras». A frase resumida também é mais sugestiva.

Qualquer uma delas, pelo inusitado da discordância gramatical, desperta mais a atenção.

 Esta aceitação de tolerância na forma, não significa que se devam ignorar as regras gramaticais. Só mesmo quando se domina bem a gramática, se pode iludir a sua rigidez sem cometer erros grosseiros.

  Quem conhece bem as normas sabe que há, nas duas frases em apreço, um erro grosseiro de concordância no número do nome com a pessoa utilizada no verbo. Mas também sabe que, entre o sujeito e o predicado direto, uma vírgula é um erro grosseiro. Então, pode manter as frases sugestivas dando a entender (para quem também sabe), por meio de uma vírgula, que não há ligação entre nome e o verbo nas duas expressões: «Férias, é na Bahia». «Ofertas, é aqui». As vírgulas significam que há elisão nas frases, e que temos o verbo na frase em função de realce.

Em resumo, penso que as frases apresentadas só seriam aceitáveis com as vírgulas e que a publicidade não deve grafar com err...

Pergunta:

Devemos escrever «pré-condicionamento» ou «precondicionamento»? E porquê?

Obrigado e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

   A palavra não foi encontrada em Rebelo Gonçalves. É portanto um neologismo em Portugal, que entrou na língua depois dessa data.

    Nos neologismos, deve fazer-se o possível para que a palavra represente quanto possível o conceito. Ora que significa a palavra? Que houve, “antes” do condicionamento, uma ação, um evento, uma situação (“prévios”). O prefixo que dá esse significado é pré-; e, assim, recomendar-se-ia pré-condicionamento.

   Com o uso, porém, o prefixo pre- emudece, aglutina e deixa de ter acento, o que aconteceu, por exemplo, com preconceber, preconcebimento.

   Lembra-se que o pospositivo –mento (conversão de verbos em substantivos) está ligado a várias palavras com o prefixo emudecido: predelineamento, pressentimento. Assim, recomenda-se que se passe a adotar precondicionamento, também em concordância com a Academia Brasileira de Letras. *