O hífen continua a deixar muitas dúvidas. O recurso é sempre consultar a autoridade, no vocabulário ou no dicionário, disponíveis. O problema é que nem sempre essas obras são idóneas, dada a sua discricionariedade.
Ora, há sempre algumas orientações tradicionais de base geral:
O hífen é necessário:
· na ênclise e na tmese (escrevo-lhe, escrever-lhe-ei);
· para evitar retornos da grafia sobre a fonia (ad-renal); quando o primeiro elemento mantém o acento gráfico (pós-tónico);
· no AO90*, quando vogais iguais (micro-onda) ou são espécies (feijão-verde);
· quando estamos em presença de um grupo com um sentido particular (unidade semântica).
O problema está, sobretudo, na análise deste sentido particular. O hífen é conveniente, por exemplo:
· na aderência de sentidos (tio-avô);
· no significado particular do grupo de palavras (primeiro-ministro, um primus que até escolhe os seus pares); •
· quando o “conjunto” representa um atributo (azul-celeste), • um nome (segunda-feira);
· uma ação particular (corta-mato);
· um efeito (pisca-pisca);
· um sentido figurado (pessoa que é um saco-roto), e repare-se que se o sentido das palavras for real, o hífen é recusado: saco roto, passando a ser um simples grupo NA.
Mais difícil de discernir é quando estamos em presença de uma tradição (mais-que-perfeito), mas penso que com o tempo estes casos tenderão a ser simplificados.
Ora bem, assim, como devemos grafar uma trave que é mestra? Vejamos o significado: «trave que suporta as outras traves». Então, suponhamos que essa trave é fabricada já para ter esse fim, de ser mestra, o que será o mais corrente; fica, nesse caso, com o nome de batismo: trave-mestra. Mas suponhamos, também, que, entre várias traves no estaleiro, se escolhe uma para suportar todas as outras; agora, essa trave fica com o atributo de ser mestra (sentido adjetivo de `principal´), só depois de aplicada: trave mestra (grupo NA) ou trave principal.
Resumindo, é preciso sentir a necessidade ou a conveniência do hífen, e não o usar quando puder ser dispensado.
N.E. – Na sua generalidade, os dicionários com edição anterior a 1990 registam trave mestra, sem hífen. É o caso do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa. Já o Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves (edição de 1966), sendo omisso nessa entrada, regista no entanto trave-baloiço, com o hífen – legitimando, portanto, o emprego do hífen também em trave-mestra. Pós-Acordo Ortográfico, e nem o facto de as regras do uso do hífen terem ficado mais sistematizadas*, a variação persiste, mesmo assim. Trave-mestra, com hífen, como refere o consulente, é como vem abonado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, coordenado pelo professor João Malaca Casteleiro, disponível na Infopédia. Em contrapartida, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (edição 2010) regista sem hífen: trave mestra. Nos outros dois vocabulários – o VOLP, da Academia Brasileira de Letras, e o VOP, do CELGA/ILTEC – não há qualquer abonação.
*Segundo o Acordo Ortográfico de 1990, as regras do uso do hífen estão sistematizadas nas Bases (Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares), (Do hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação) e (Do hífen na ênclise, na temse e com o verbo haver). Vide, ainda, O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico.