Conceição Saraiva - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Conceição Saraiva
Conceição Saraiva
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Licenciada e Mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora de PLE no Departamento de Língua e Cultura Portuguesa da FLUL. Formadora certificada pelo IEFP.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É habitual, em optimização matemática, falar de "função objectivo". A título de exemplo, incluo dois excertos de documentos disponíveis na Internet:

1. «(...) Por "melhor" entende-se o maior ou menor valor da função objectivo (...)»
2. «(...) A região de admissibilidade é não limitada e o valor da função objectivo Z cresce (...)»

Questão: neste contexto deve usar-se "função objectivo" (como nos excertos acima) ou "função-objectivo" (com hífen)?

Já agora, no exemplo 2, suponho que também deveria ser "não-limitada" em vez de "não limitada". Estou certa?

Muito obrigada.

Resposta:

Apesar de a palavra função-objectivo não estar registada nos dicionários, é um composto formado por dois substantivos, e estes compostos de coordenação são, normalmente, hifenizados, como por exemplo: médico-cirurgião e cantor-compositor. (Ver resposta Conjunto-solução).

No que diz respeito ao exemplo 2, pode encontrar-se no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa a seguinte definição no verbete não, acepção 5: «Para modificar nomes e adjectivos, tendo como significado a ausência desse acto, qualidade ou propriedade. O contrato é não renovável.» No entanto, pode encontrar-se, no mesmo dicionário, hifenizado, por exemplo,: «não-contável Que não se pode contar, enumerar… nome não-contável. substantivo não contável.» Mais elucidativo é o Dicionário Houaiss, quando dedica uma entrada a não- como elemento de composição:

«[...] há larga margem de decisão pessoal, de sabor especialmente estilístico, entre um objeto e um não objeto ou um não-objeto, entre uma coisa e uma não coisa ou uma não-coisa, em suma, entre um substantivo x e um não x ou um não-x; o que se diz, aí, de um subst. da língua, diz-se de todos e tb. de adj. (é um feliz achado, é um não feliz achado e é um não-feliz achado) [...].»

Pergunta:

Escreve-se "filme-documentário", ou "filme documentário"?

Resposta:

Escreve-se «filme documentário».

Documentário é adjectivo que significa «que tem o carácter ou o valor dum documento. Filme documentário» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências). Usado sozinho, documentário é um substantivo por recategorização da forma adjectival.

Ao dispor.

Pergunta:

Não raro, confronto-me com a necessidade de utilizar palavras que não encontro em dicionários reputados e em que o primeiro problema que se me põe é o da sua existência em português. Haverá algum léxico actualizado que possa ser consultado com facilidade? (Procurei na página da Internet do Instituto de Lexicologia e Lexicografia e nada encontrei, o que não me admirou por parte de um instituto que esteve na elaboração de um dicionário, o da Academia das Ciências de Lisboa, onde faltam dezenas e dezenas de vocábulos relativamente correntes.)

Resposta:

De facto, não existe um dicionário que possa contemplar todas as palavras de uma língua. Constantemente surgem palavras novas, um dicionário está sempre a ser actualizado, já que a língua está em constante renovação.

O dicionário em que o consulente pode encontrar o maior número de palavras é o dicionário Morais 10.ª ed. 1941/1959, e ainda o Dicionário Houaiss. Obviamente que muitas palavras não constarão. Pode, ainda, consultar a existência de léxico na MorDebe (Base de Dados Morfológicos do Português).

Relativamente ao dicionário que o consulente refere, a nomenclatura é mais pequena do que aquela que os usuários gostariam de encontrar; penso, no entanto, que a elaboração de um dicionário parte de opções que os seus autores têm de tomar. Como já referi, não me parece que algum dicionário possa contemplar todas as palavras de uma língua; por muito completo que ele seja, haverá sempre palavras que ele não comportará.

No Ciberdúvidas, na rubrica O Nosso Idioma, pode encontrar o artigo Os dicionários de língua, da autoria da professora doutora Margarita Correia (ILTEC), que fala precisamente sobre os dicionários, artigo que poderá contribuir para um melhor esclarecimento no que diz respeito à observação do consulente.

Pergunta:

Já tenho visto escrita a palavra "enigmística", como respeitando às actividades lúdicas centradas na produção e resolução de enigmas, mas não a encontrei registada em vários dicionários que consultei. Será abusiva a sua utilização?

 

Resposta:

No Dicionário da Língua Portuguesa (8.ª ed. Porto Editora), podem-se encontrar a palavra enigmatista

— «s. 2 gén.  pessoa que faz ou decifra enigmas (Do lat. aenigmatista)» —  e enigmista«de enigma+ista». Obtém-se igual informação no Novo Dicionário AURÉLIO da Língua Portuguesa, 2.ª ed. Nova Fronteira.

A palavra enigmística não está registada mas é uma palavra bem construída, um neologismo que obedece às regras morfológicas da língua portuguesa: enigmista+ica. Outros exemplos revelam o modelo desta palavra: ensaísta+ica = ensaística; novelista+ica = novelística; linguista+ica = linguística. Além disso, a palavra enigmística tem o significado que o consulente descreve «… como respeitando às actividades lúdicas centradas na produção e resolução de enigmas». O consulente pode, se necessário, utilizá-la.

Ao dispor

Pergunta:

Como está correcto, «Metade-de-homem montado em metade-de-cavalo», ou «Metade-de-homem montada em metade-de-cavalo»?

Obrigada!

Resposta:

É discutível a hifenização das expressões que ocorrem na frase apresentada, porque se diz e escreve «metade de (qualquer coisa)» sem hífen. Por conseguinte, são preferíveis as formas «metade de homem» e «metade de cavalo».

Quanto à concordância do particípio passado do verbo montar, tanto pode concordar em género e número com o núcleo do sujeito, que é «metade», como com o complemento desse núcleo, que é «de homem». Outros exemplos: «metade do jardim arborizado/arborizada…»; «metade do linho bordado/bordada…».