Conceição Saraiva - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Conceição Saraiva
Conceição Saraiva
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Licenciada e Mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora de PLE no Departamento de Língua e Cultura Portuguesa da FLUL. Formadora certificada pelo IEFP.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual a diferença entre variante dialectal, dialecto e língua.

Resposta:

Comecemos pelo conceito de língua. Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 6.ª edição, Lisboa, Edições João Sá da Costa, págs. 1-5), «língua é um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos». A língua, como «expressão da consciência de uma colectividade», é o meio pelo qual essa consciência representa o mundo envolvente e sobre este age; além disso, a língua não é imutável, pelo contrário, vive em perpétua evolução.

Os diale{#c|}tos constituem um dos tipos de diferenças existentes numa língua. Cunha e Cintra consideram três tipos de diferenças (ibidem):

1. diferenças no espaço geográfico (falares locais, variantes regionais e, até, intercontinentais — dialectos);

2. diferenças entre as camadas socioculturais (nível culto, língua-padrão, nível popular…);

3. diferenças entre os tipos de modalidade expressiva (língua falada, língua escrita, língua literária, linguagens especiais, linguagens dos homens, linguagens das mulheres…).

Os referidos gramáticos (idem) observam que, «condicionada de forma consistente dentro de cada grupo social e parte integrante da competência linguística dos seus membros, a variação é, pois, inerente ao sistema da língua e ocorre em todos os níveis: fonético, fonológico, morfológico, sintáctico, etc.». Acrescentam ainda: «Todas as variedades linguísticas são estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas adequados às necessidades dos seus usuários.»

A partir da mesma fonte transcreve-se: «As formas características que uma língua assume regionalmente denominam-se DIALECTOS. Na área variadíssima e descontínua em que o português é falado apresenta-se...

Pergunta:

Gostaria de saber a forma correta desta expressão:

1. «Os títulos "objeto" do(s) processo(s).»

ou

2. «Os títulos "objetos" do(s) processo(s).»

Resposta:

A forma mais  correcta é «Os títulos-objecto dos processos» (atenção ao hífen), porque o segundo nome, objecto, é um modificador do primeiro nome, títulos. No entanto, o plural títulos-objectos não é de rejeitar, uma vez que um substantivo de constituição semelhante, título-chave, tem dois plurais, títulos-chave e títulos-chaves (cf. Dicionário Houaiss).

Sempre ao dispor.

Pergunta:

Gostaria de saber se em português os topônimos Haia, Guarda e Corunha (o último galego) devem, necessariamente, ser citados com os respectivos artigos ("A Haia", "A Guarda", "A Corunha") ou mesmo se essa grafia é correta – exemplo: "eu voltei d´A Haia". Caso seja, poderiam citar outros topônimos que obrigatoriamente devem levar o artigo?

Obrigado.

Resposta:

Alguns nomes de cidades que se formaram de substantivos comuns são precedidos de artigo: «a Guarda», «a Corunha» (equivalente do espanhol — La Coruña). Haia pode ter artigo ou não, porque se diz «Tribunal de Haia», embora alguns falantes empreguem «a Haia», talvez influenciados por Den Haag (neerlandês), The Hague (inglês), La Haye (francês), todas formas que se combinam com artigo (cf. Haia). Note-se que o artigo é usado com minúscula, não se considerando que seja parte do nome.

Com o nome Espanha pode dar-se o tratamento dos topónimos antecedidos de artigo ou não. Assim, pode ser «em Espanha», ou «na Espanha»; «ir a Espanha» ou «à Espanha»; «vir de Espanha» ou «da Espanha», acontecendo o mesmo com países como França, Inglaterra e Itália.

São antecedidos de artigo os topónimos provenientes de nomes comuns. Assim, quando o topónimo, que, com função de sujeito é antecedido pelo artigo definido masculino ou feminino, tem a função de complemento de lugar, usa-se a preposição contraída com esse artigo:

Lugar onde: (a + o) «ao Brasil»

Lugar aonde: (em + o) «no Brasil»

Lugar de onde: (de + o) «do Brasil»

Pelo contrário, se o topónimo não tem de ser antecedido de artigo para indicar o complemento circunstancial de lugar, usa-se apenas a respectiva preposição simples:

Lugar onde: «em Portugal»

Lugar aonde: «a Portugal»

Lugar de onde: «de Portugal»

Dada a regra geral, salienta-se que

Pergunta:

Vi a lição relacionada ao verbo instar e outra dúvida me sobreveio. É que tenho visto uma construção, em arrazoados e artigos, que me soa um tanto estranha e gostaria de saber se é ou não acertada. Refiro-me a expressões do tipo «insta acentuar», «insta lembrar», como forma de introduzir uma idéia complementar ao que vem sido abordado.

Tais construções são corretas?

Resposta:

«Insta lembrar», «como forma de introduzir uma ideia complementar ao que vai ser abordado» é uma construção correcta.

O verbo instar (Do lat. instāre, «insistir; pedir com instância») é um verbo transitivo com as acepções: 1. solicitar 2. perseguir com pedidos.

O mesmo verbo é, também, um verbo intransitivo com as acepções: 1. pedir com insistência 2. estar instante ou iminente 3. ser necessário; urgir.

Assim, «insta lembrar» equivale a «é necessário lembrar», «urge lembrar».

Sempre ao dispor.

Pergunta:

Após pesquisa no Google, obtive 12 100 sites com a palavra "discreção". Assim, a minha questão é se, por acaso, a palavra não consta de algum dicionário ou foi utilizada no passado e caiu em desuso.

Agradeço antecipadamente a resposta.

Resposta:

A palavra "discreção" não consta de qualquer material lexicográfico consultado.

Constam, sim, palavras parónimas, por exemplo, no Dicionário Editora da Língua Portuguesa, 2009: «descrição n. f. relato (oral ou escrito) das características ou traços distintivos de um facto, lugar, paisagem, pessoa, etc.»; «discrição n. f. (Do lat. discretiōne), com variadas acepções como, por exemplo, estado ou qualidade de quem é reservado e não dá nas vistas; reserva, etc. – à discrição à vontade/à discrição de ao dispor de».

Penso ser a palavra discrição que pretendem empregar aqueles que utilizam, erradamente, a palavra "discreção" na Internet.

Sempre ao dispor.