Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Relativamente a este famoso percurso madeirense, pedia-vos que me esclarecessem se devemos escrever "Levada do Norte" ou "levada do Norte", ou seja, refiro-me apenas à grafia de "levada".

Obrigado.

Resposta:

Trata-se de um topónimo, mais precisamente do nome de um percurso ou caminho (hodónimo). É, portanto, um nome próprio e, como tal, os dois nomes que o constituem têm maiúsula inicial: Levada do Norte.

Note-se, porém, que o nome comum levada se escreve com minúscula inicial. Este é um termo que «na Madeira, [denomina um] canal de água artificial construído para levar água aos terrenos agrícolas inacessíveis e ao longo do qual é possível caminhar» (Infopédia).

Pergunta:

Venho ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para perguntar a origem da palavra carrascal.

A minha família detém uma pequena produção de azeite no interior do país, distrito da Guarda. O meu avô sempre intitulou o olival de carrascal. Não sei o motivo, pode estar relacionado com a qualidade de oliveiras (carrasquenha) predominante no olival e por toda Beira Alta/Interior.

Estou a desenvolver a identidade/rótulo para o azeite no âmbito de projeto de mestrado e gostava de saber a origem para fundamentar a proposta.

Obrigada.

Resposta:

De acordo com os dicionários consultados1, carrascal é vocábulo que designa uma «moita de carrasco ou carrasqueiros». Os termos carrasco e carrasqueiro aplicam-se geralmente à Quercus coccifera, que não é uma oliveira (Olea europaea). Contudo, há também registos de carrasco como sinónimo de carrasca, «variedade de oliveira temporã (ou os seus frutos)» (Infopédia), tornando assim plausível que carrascal também possa ser designação de um olival2.

Acrescente-se que carrasquenha, que inclui o mesmo radical de carrasco/carrasca, tem igualmente registo nas fontes utilizadas, e trata-se de «variedade de oliveira de origem portuguesa, cultivada sobretudo no Alentejo e na Beira Interior» e «azeitona produzida por esta variedade» (Infopédia).

Em suma, é provável que, no caso em apreço, carrascal se refira a um olival.

 

1 Foram consultados o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, o

Pergunta:

Em medicina, pode flexionar-se o plural de lúmen, dizendo-se "lúmenes"? Esse plural provém do espanhol?

Muito obrigado!

Resposta:

Tanto em física como em medicina, o termo lúmen1 tem duas formas de plural: lumens e lúmenes.

As fontes consultadas não confirmam que a forma lúmenes provenha do espanhol. É verdade que o português (com o galego) se caracterizava na Idade Média  pela perda de -n- intervocálico. Contudo, este fenómeno de síncope parece ter deixado de estar ativo no final do período medieval, o que talvez explique também a facilidade com que muitos castelhanismos conservaram essa consoante nasal quando entraram no português.

Note-se, porém, que, conforme indica o Dicionário Houaiss, a primeira atestação de lúmen em textos portugueses será já do século XX, portanto, num período em que já não era operante a síncope de -n- no português e várias palavras com a consoante na referida posição entraram na língua. Acrescente-se que o -n- intervocálico ocorre noutras palavras terminadas em -en átono e com plural em -enes: pólen, pólenes. É possível que a influência castelhana tenha favorecido este tipo de plurais, mas a informação obtida não garante que a forma lúmenes se deva diretamente ao castelhano.

 

1 Em física, designa «[uma] unidade de medida de fluxo luminoso (símbolo.: lm) equivalente ao fluxo luminoso emitido num ângulo sólido de 1 estereorradiano por uma fonte pontual uniforme, colocada...

Pergunta:

Prezados Lusitanos, cumprimento-os mais uma vez pelo brilhante trabalho dedicado à língua portuguesa.

Hoje a minha dúvida é relativa à etimologia da palavra alcaloide.

Por favor, além disso, poder-me-iam, por favor, dividir o vocábulo em seus elementos mórficos e seus respectivos significados?

Desde já, meus agradecimentos.

Resposta:

Agradecemos as palavras de apreço do consulente.

A palavra formou-se no latim científico e aparece dicionarizada em português, pelo menos, a partir de 1858, conforme indicação do Dicionário Houaiss (s. v. alcaloide). Contudo, é palavra que pode também analisar-se como um derivado de álcali ou alcali, «substância com características básicas» e «qualquer hidróxido, ou óxido, dos metais alcalinos (lítio, sódio, potássio, rubídio e césio)» (ibidem), por sufixação de -oide, afixo originário da vogal de ligação o e do nome grego eidos («imagem, aspeto») – cf. ibidem.

O termo álcali provém «do francês álcali (1509), este do ár. al-qalyi, "nome de planta de que se extraía a soda", através do latim científico Alcali» (ibidem).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a pronúncia correta da palavra Azeméis, mais concretamente no nome da cidade de Oliveira de Azeméis.

Azeméis não deveria ser pronunciado com e aberto, como em hotéis e papéis?

Resposta:

A grafia do topónimo tem acento agudo no ditongo éi de modo a indicar que este se pronuncia como ditongo aberto, tal como o de anéis.

Contudo, há décadas que nos grandes centros urbanos de Portugal se assiste a uma mudança: a de deixar de haver diferença entre, por exemplo, papéis (plural de papel) e papeis (2.ª pessoa do plural do presente do indicativo de papar)1. Linguisticamente, esta mudança não parece objeto de atitude de censura, até porque poucos falantes se darão conta deste tipo de neutralização.

Em todo o caso, a pronúncia tradicional, mesmo no quadro da norma-padrão, é com ditongo aberto: Azeméis, anéis, hotéis, papéis.

Acrescente-se que se regista como nome comum a forma azemel, variante de azêmela e azêmola, do árabe az-zámila («besta de carga»), nas aceções de «condutor de azêmolas; almocreve, azemeleiro», «aduar [povoação provisória] principal entre os mouros» e «rancho, arraial» (Dicionário Houaiss). O facto de Oliveira de Azeméis se encontrar na estrada que liga Coimbra ao Porto é historicamente compatível com a presença de almocreves, também chamados azeméis (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, s. v. Azeméis).

 

1 Ver António Emiliano, Fonética do Português Europeu, Guimarães Editores, 20...