Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Pode usar-se a expressão «efeito legado» no contexto de algo que na mesma pessoa fica por determinado comportamento anterior? Exemplo: na diabetes, o bom controlo metabólico da glicemia no início do diagnóstico da doença leva, mesmo que o controlo se deteriore um pouco posteriormente, a bons resultados nas complicações, diminuindo-as: «efeito legado» («legacy effect»). Na literatura inglesa é esta a expressão, «legacy effect», e há uma explicação científica para esse efeito.

Resposta:

Nos dicionários especializados de que dispus (Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa, edição da Porto Editora, e o Dicionário Médico de L. Manuila e outros, edição da CLIMEPSI Editores), não encontro nem a expressão inglesa nem um termo português aproximado. Parece-me, no entanto, que «efeito legado» ou «efeito de legação» são traduções portuguesas adequadas, susceptíveis de se tornarem termos de uma dada área de especialidade.

É de notar que «legacy effect» — ou, aportuguesando já, efeito legado — pode ter conotação negativa noutras áreas de especialidade. É o que acontece, por exemplo, em gestão, a avaliar pela seguinte passagem, traduzida de uma página em inglês, disponível na Internet:

«O efeito legado é o impacto sobre uma organização de programas e actividades passados já não necessários mas ainda executados. Os administradores consideram o efeito legado como um dos problemas mais frustrantes que enfrentam. Um administrador planeia uma nova iniciativa, e as pessoas continuam a fazer as coisas como antigamente.» [No original: «The Legacy Effect is the impact on an organization of historical programs and activities no longer needed but still performed. Managers find the Legacy Effect to be one of the most frustrating problems they face. A manager plans a new initiative, and the people just keep doing things the same old way.»]

Pergunta:

Podem dizer-me qual é a tradução correcta do instrumento médico rib cutter?

Obrigada.

Resposta:

Um termo do português europeu equivalente a rib cutter é talhador de costelas, segundo pude apurar na Internet. Trata-se de um instrumento de autópsia, usado para cortar costelas.

Pergunta:

Que actividades integram o conceito de escritório, em termos jurídicos?

Qual o significado segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa?

Obrigada.

Resposta:

No plano da linguagem jurídica, não encontro identificadas com precisão as actividades de um escritório, mas suponho que se trata de um espaço cuja finalidade é sobretudo a administração de uma entidade pública ou privada. Em Portugal, um escritório é definido como uma forma de estabelecimento estável, conforme se pode ler no artigo 4.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC):

«1 – Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

2 – Incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior:

a) Um local de direcção;
b) Uma sucursal;
c) Um escritório;
d) Uma fábrica;
e) Uma oficina;
f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extracção de recursos naturais situados em território português.»

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, a palavra escritório tem as seguintes acepções:

1. «Divisão de uma casa de habitação destinada ao trabalho intelectual, à escrita e à leitura, onde está instalada uma secretária, estantes com livros e arquivadores.»
2. «Mobiliário que decora essa divisão apropriado às actividades aí desempenhadas.»
3. «Local onde exercem a sua actividade funcionários administrativos, advogados, solicitadores, procuradores, despachantes.»
4. «Móvel com escaninhos e tampa geralmente inclinada sobre a qual se escreve.»
5. «(regionalismo) Andar térreo; rés-do-chão.»

 

Pergunta:

Gostaria que me definissem e me dessem exemplos das várias competências da linguagem: competência comunicativa, competência linguística, competência metalinguística e competência textual.

Era urgente. Obrigada.

Resposta:

O Dicionário Prático para o Estudo do Português, de Olívia Maria Figueiredo e Maria Eunice Barbieri de Figueiredo (Porto, Edições Asa, 2003), define assim os tipos de competência em questão:

Competência comunicativa: «é a capacidade do falante nativo em produzir e compreender frases adequadas ao contexto e aí comunicar eficazmente, de acordo com as várias situações culturais e sociais [...].»

Competência linguística: «[...] [É o] conhecimento interiorizado que o falante possui da sua língua. É este conhecimento, formado por uma gramática e um léxico, que permite ao falante actualizar, por meio da compreensão e da construção, um número indefinido de frases gramaticais jamais produzidas ou ouvidas.»

Competência metalinguística: «[...] é a capacidade de o locutor, por meio da língua, reflectir sobre a própria língua, consciencializando-se para os seus valores e funções.»

Competência textual-discursiva: «[...] é a capacidade do locutor nativo em construir textos/discursos bem formados em termos tipológicos, com coerência e coesão, de forma a que o ouvinte/leitor capte a intencionalidade comunicativa e a força ilocutória que estiveram na sua base de produção [...].»

Pergunta:

Acompanho com muito interesse este sítio, o qual me tem esclarecido sobre muitas dúvidas da nossa língua. Por ser rica, por vezes nos confunde, ou nos confundimos com ela. Agora, agradecendo a vossa colaboração, tentem elucidar-me sobre a diferença entre locução e expressão corrente, popular ou frase feita, ou se as três têm o mesmo significado, o que, provavelmente, não será, embora estejam quase no seu limiar.

Aproveito, também, para pedir o significado das expressôes «beber a água dos ribeiros» e «comer pedras», do nosso Miguel Torga, ínsitas num seu conhecido conto de Natal.

Parabéns pela vossa existência, pelos esclarecimentos importantes, que a dúvida nos assalta dia a dia, e que continuem a ter paciência para nos aturar.

Resposta:

Os termos em questão nem sempre se distinguem claramente, podendo muitas vezes substituir-se mutuamente. Tentarei aqui contrastá-los como termos da descrição lexical, ciente de que os conceitos a eles associados se sobrepõem e confundem.

1. Expressão vs. locução

No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, expressão tem, entre outros significados, o de «palavra ou grupo de palavras», sendo sinónimo dos termos locução, termo, vocábulo. Como locução refere sempre grupos de palavras, e termo e vocábulo costumam ser aplicados a palavras isoladas (simples ou compostas), dir-se-á antes que expressão é termo genérico que os abarca aos três; é, portanto, o seu hiperónimo.

Locução, como se vê, é usado como hipónimo de expressão; tem, portanto, um sentido mais  específico: «grupo de palavras que funcionam, semântica e sintacticamente[,] como um todo, qu equivalem a um só vocábulo» (idem).

Note-se, contudo que locução corrente e locução popular ocorrem muitas vezes como o mesmo que expressão corrente e expressão popular, respectivamente. Estas locuções ou expressões são também equivalentes às expressões idiomáticas.

2. Locução corrente vs. locução popular

A diferença entre locução corrente e locução popular está no contraste entre registos linguísticos. Uma expressão corrente é usada num registo neutro, sem grandes desvios em relação à norma-padrão; p. ex.: