Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao tentar fazer uma tradução, surgiu-me uma dúvida acerca de orações subordinadas adverbiais condicionais. É possível usar estas orações para exprimir certezas/regras?

Resposta:

Julgo que a consulente se refere às orações adverbiais condicionais factuais ou reais, como as que ocorrem nos seguintes exemplos:

(1) «Se chove, fico melancólico.»

(2) «Se um perdigueiro é um cão, então também é um mamífero.»

Nas construções de (1) e (2), o conteúdo das orações que as constituem verifica-se no mundo real (cf. M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 706). Note-se que este tipo de construção ocorre em generalizações, como em (2), sendo, portanto, frequente na formulação de leis científicas. Característico é o emprego do presente do indicativo («chove»/«fico», em (1), e «é», em (2); cf. idem, pág. 707).

Pergunta:

O que significa «identificar elementos de estruturação do texto, a nível da componente genológica»?

Resposta:

Significa «identificar elementos da estruturação do texto, do ponto de vista da teoria dos géneros literários». Genologia é um termo que designa a teoria dos géneros literários (ver Marc Augenot, Glossário da Crítica Contemporânea, Lisboa, Editorial Comunicação, 1984); como é óbvio, genológico quer dizer «relativo à genologia».

Pergunta:

Tenho notado que, aqui, no Brasil, as pessoal estão com uma tendência muito acentuada de mudar a regência dos verbos, modificando a sintaxe como na frase: «Ontem fui ao posto médico e vacinei.» E, ainda: «Este ano, na faculdade, reprovei.» Ao meu ver isso estaria certo se as pessoas tivessem praticado tais atos em outras. Acho que tais verbos exigem, para total clareza, uma conjugação pronominal («me vacinei») ou com o verbo auxiliar («fui reprovado») — Tal fato está acontecendo até nas camadas sociais mais esclarecidas e com muitos outros verbos. «Emprestei» — no sentido de ter tomado dinheiro em empréstimo — e assim por diante. Poderiam dar-me alguma luz sobre o assunto?

Resposta:

O consulente foca três casos diferentes de uso linguístico que são sinal de variação não admitida pela norma.

1. "Vacinei"= vacinar-se

Na norma, o verbo é transitivo («vacinar alguém») ou  pronominal («vacinar-se»); o verbo deixa de ser usado reflexivamente, um pouco como o uso brasileiro de esquecer-se de («esquece de si mesma», cf. Dicionário Houaiss).

2. "Reprovei": fui reprovado

O verbo é transitivo («reprovar alguém») e tem sentido a{#c|}tivo, mas os falantes (mesmo os portugueses) usam-no na voz activa com valor passivo; parece que a sintaxe do verbo se alterou por analogia com passar na acepção de «passar de ano, ser aprovado»: assim como «se passa (num curso)», também se «"reprova" (num curso)».

3. "Emprestei" = pedi emprestado/tomei de empréstimo

Trata-se de uma confusão ou perda de oposição entre emprestar («ceder temporariamente») e «pedir emprestado». Este uso está descrito como brasileirismo no Dicionário Houaiss. Talvez se deva ao facto de não existir uma unidade lexical simples com o significado de «pedir emprestado». Mas é frequente de neutralização entre itens lexicais que estabelecem uma relação de antonímia conversa (comprar/vender, aprender/ensinar). Por exemplo, em francês, o contraste entre apprendre e

Pergunta:

Encontrei, num livro de ensino, a frase «Os calções estão-me bons». Neste caso, não se devia usar antes o advérbio e dizer «os calções estão-me bem»?

Resposta:

Trata-se de uma diferença de registo. Enquanto «os calções estão-me bem» é uma frase perfeitamente aceitável em qualquer nível de língua, já «os calções estão-me bons» se restringe ao português europeu familiar. Note-se também que, em português europeu, o advérbio bem e o adjectivo bom/boa permutam quando têm a função predicativo do sujeito em frases copulativas com o verbo estar ou andar: «estás bem/bom?»; «não anda bem/boa.» Nestes exemplos, estar/andar, usados com bem ou bom/boa, referem-se ao estado ou à forma em que se encontra alguém.

Pergunta:

Qual a origem e o significado do nome da vila de Odiáxere, no concelho de Lagos — Algarve?

Remonta a que século?

Qual a evolução do nome? (Em tempos escrevia-se Odeáxere, agora parece ser Odiáxere.)

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, diz que o topónimo em apreço se deve escrever Odiáxere e é formado pelo elemento odi-, «do árabe uad ou, forma regional, uadi, "curso de água natural", "ribeiro, curso de água, rio", "vale, desfiladeiro", "leito de curso de água, muitas vezes seco", e por um segundo elemento, -áxere, de origem obscura.

Machado recomenda que se escreva «Odi- antes de vogal ou semivogal, Ode- antes de consoante». Cabe também referir que este elemento árabe assume, em castelhano, as formas guad- e uadi- (exemplos em castelhano: Guadalajara, Guadalete, Guadalmez, Guadalquivir, Guadalupe, Guadelim, Guadiana1).

1 Em português, o nome do rio já foi Odiana, de acordo a adaptação portuguesa de uad/uadi. A forma castelhana Guadiana foi adoptada em português provavelmente por se tratar de um rio internacional.