Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em primeiro lugar, muitos parabéns pelo vosso trabalho!

Queria colocar a seguinte questão: em Ovar há uma tradição secular que se chama «Cantar dos Reis» ou «Cantar os Reis», não sei o que estará correcto. Também não sei se quem lhe dá forma são as «Troupes de Reis» ou as «Trupes de Reis»... Será que me podem ajudar?

Grata.

Resposta:

Uma e outra expressão estão corretas; têm é estruturas gramaticais diferentes.

Se disser «Cantar dos Reis», está a usar um substantivo, cantar, que é determinado pelo complemento «dos Reis».

Em «cantar os Reis», a palavra cantar pode ser classificada de duas maneiras, dependendo do contexto:

a) numa frase como «vamos cantar os Reis», é um verbo, e «os Reis» é o seu complemento direto;

b) mas em «o Cantar os Reis é uma tradição antiga»1, cantar passa a substantivo (diz-se que foi nominalizado), mantendo, no entanto, o complemento direto – «os Reis» – que vem do seu uso verbal.

Quanto à outra palavra, há a considerar duas formas: a francesa, troupe, que em português se deve escrever em itálico ou entre aspas; e o seu aportuguesamento, trupe. A palavra significa genericamente «grupo, conjunto», muitas vezes no contexto da actividade teatral (cf. Dicionário Houaiss).

 

1 Frase que adapta «O “Cantar os Reis” em Ovar é uma tradição antiga e fortemente enraizada na história do concelho», que se lê numa das páginas do site Ovar/Cultura.

 

N. E. – Resposta atualizada e alterada em 27/01/2025.

Pergunta:

Consultei o vosso artigo n.º 15851 relativamente ao uso do verbo baixar, mas não fiquei totalmente esclarecido...

Ouvi dois subordinados a discutirem esta questão num local de trabalho (um português e um brasileiro). Gostava de saber se é correcto dizer «Baixou a ordem do director», e se se trata de português do Brasil, ou português de Portugal.

Agradeço antecipadamente a vossa ajuda.

Resposta:

É difícil dizer se baixar no sentido de «emanar uma ordem para que seja cumprida por subordinados» não se usa em português de Portugal. Quando se fala por exemplo da actividade legislativa, usa-se e com frequência o verbo baixar, como atesta o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «passar, um dado processo ou documento, para uma entidade inferior em hierarquia».

Quanto ao Brasil, a versão brasileira do Dicionário Houaiss indica que baixar se emprega em referência a «expedir (aviso, ordem, ato, portaria etc.) aos subordinados ou a uma autoridade ou repartição inferior na hierarquia; Ex.: baixou uma ordem de serviço (para todos os funcionários da secretaria)». Este uso, embora próximo do português europeu, parece definir um contexto de actividade que é mais o da gestão de uma entidade administrativa do que o das altas instâncias da vida político-legislativa. Por isso, em vez de baixar, considero que é mais corrente em Portugal, empregar vir ou emitir (neste caso, o verbo aparecerá na voz passiva): «Veio/Foi emitida uma ordem do director.»

Pergunta:

É ou não correcto o uso do hífen na expressão «eixo hipotálamo-hipófise-supra-renais»?

Resposta:

O hífenes estão correctos. A estrutura em análise é constituída por um substantivo seguido de outros que funcionam como aposto de especificação. Este é caracterizado como um aposto sem pausa (isto é, não separado por vírgula) que especifica ou individualiza um termo genérico (neste caso, eixo), à semelhança do que acontece, por exemplo, em «eixo Lisboa-Porto».

Se este constituinte apositivo for formado por uma série de substantivos justapostos, convém marcar a sua coordenação com um hífen, como se se tratasse de um composto de substantivos (por exemplo, tenente-coronel, comboio-fantasma). Sendo assim, em vez de escrever ou pronunciar sequências como «eixo definido pelo hipotálamo, pela hipófise e pelas (glândulas) supra-renais» ou «eixo do hipotálamo, da hipófise e das supra-renais», pode-se reduzir a complexidade dessas estruturas suprimindo as marcas de relação gramatical: em primeiro lugar através da simples adjunção do aposto especificativo; depois apagando as marcas sintácticas ou entoacionais de coordenação e substituindo-as por hífenes. O hífen permite, portanto, formar expressões elípticas que têm carácter pontual e não precisam de estar dicionarizadas.

Pergunta:

Seria "Creusa", ou "Cleusa? "Creúsa" ou "Cleúsa" têm algum cabimento?

Muito obrigado.

Resposta:

Para o português europeu, a forma consagrada por Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) é Creúsa, sem menção de qualquer variante. Em relação ao Brasil, não tenho dados fidedignos de dicionários de onomástica; e não encontro nomes próprios na versão em linha do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras.

Creúsa vem do grego Kréousa, que significa «a dominadora, a soberana», e é o nome da mulher de Eneias (cf. Rosário Guérios, Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes, São Paulo, Editora Ave maria, 1973).

Pergunta:

Olá! Gostaria de saber o significado da expressão «e laiá»; não encontrei uma explicação detalhada. Muito obrigado, fico aguardando.

Resposta:

Não encontro dicionarizada a expressão «e laiá», que também aparece grafada "elaia" e "e laia". O mais que posso fazer é transcrever um brevíssimo apontamento encontrado na Internet, num Dicionário Informal, que contém dados interessantes sobre o uso do português brasileiro popular:

«É o mesmo que dizer "Mas que beleza[,] hein!", mas de uma forma bem sarcástica/irônica.»