Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é o superlativo absoluto sintético de sozinho?

Resposta:

Sozinho contém um sufixo diminutivo, -inho, ao qual já se atribui o valor de superlativo quando se associa a um adjectivo. Sendo assim, embora "sozinhíssimo" seja em teoria possível, desaconselha-se o uso desta forma. Se houver necessidade de um superlativo, empregue-se o superlativo absoluto analítico, «muito sozinho».1

1 Há quem ache discutível que sozinho possa ter grau superlativo, ou seja, que seja um adjectivo graduável, porque ou se está sozinho ou não se está. Não é essa a minha perspectiva, porque:

1. Sozinho é normalmente interpretado como adjectivo como triste: se digo «muito triste», então é possível «muito sozinho».

2. A etimologia de sozinho, adjectivo que surgiu por moficação de , envolve um processo de intensificação que se confunde com o superlativo (ver Dicionário Houaiss).

3. Um adjectivo modificado pela adjunção de um sufixo avaliativo (-inho, -zinho, -ito, -zito) tem valor de superlativo. Leia-se Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, pág. 152):

«Adjetivos diminutivos – As formas diminutivas de adjetivos podem (precedidas ou não de "muito", "mais", "tão", "bem") adquirir valor de superlativo:

Blusa amarelinha, garoto bonitinho; "É bem feiozinho, benza-o Deus, o tal teu amigo!" [AAz].

No estilo coloquial não é raro o reforço deste emprego do diminutivo mediante as locuções "da Silva", "da Costa" (cf. BF, XVII, 1-2. 197).»

Pergunta:

A melhor forma em português seria "Sótero", ou "Sotero"?

Muitíssimo grato.

Resposta:

Só posso dar uma resposta no âmbito da norma portuguesa, porque, sobre ortografia do onomástico, não disponho de fontes brasileiras. Sendo assim, é Sotero, sem acento, a forma regist{#|r}tada no Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves. Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), trata-se de uma variante («aportuguesamento») de Sóter, «[...]do gr[ego] sōtēr, «salvador, protector», pelo lat[im] Sōter».

Pergunta:

Estou com dificuldade em perceber o que são os argumentos internos, externos e adjuntos do predicador.

Por exemplo, na frase: «O Pedro perdeu a camisola na faculdade hoje de manhã.»

«perdeu» — predicador
«a camisola» — argumento interno?

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Em Áreas Críticas da Língua Portuguesa, de João Andrade Peres e Telmo Móia, encontra as definições que pede. Aí vão transcritas:

Predicador

«[...] elemento que, consoante os casos, exprime uma propriedade de uma ou mais entidades ou uma relação entre entidades.» (pág. 22)

Argumento

«[...] expressões que identificam as entidades a que se aplica uma propriedade ou entre as quais é estabelecida uma relação.» (pág. 23)

Argumento externo

«[...] aquele que se realiza tipicamente fora do sintagma de que o predicado é núcleo, ou seja, é o argumento que se realiza geralmente como sujeito.» (pág. 25)

Argumento interno

«Os argumentos internos de um predicado são [...] aqueles que se realizam dentro do sintagma referido, como complementos do predicado.» (pág. 25)

A oposição entre argumento interno e externo vê-se melhor no seguinte exemplo:

(1) «O pai deu uns patins ao filho.»

argumento externo: «o pai»

argumentos internos: «uns patins», «ao filho»

Relativamente ao adjunto do predicador, encontra-se a seguinte definição na Gramática da Língua Portuguesa, de M.ª Helena Mira Mateus et alii (Editorial Caminho, págs. 182/183):

«[adjuntos] são unidades que fazem parte da interpretação situacional, mas não dependem de nenhum item lexical presente na frase, como acontece com expressões de tempo e muitas expressões de localização espacial.»

Por exemplo...

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra Adamastor tem alguma relação com Adão. A palavra já existia, ou foi Camões quem a inventou?

Uma pesquisa na Wikipédia explica (em inglês) que Adamastor é:

«An inaccurate attempt at Greek for "Untamed" or "Untameable" (which would be correctly Adamastos).

An inaccurate attempt at Latin for 'imitative rival of Adam' (which would correctly be Adamaster).»

Isto está correcto? Gostaria de obter a opinião de um especialista (e não da Wikipédia) sobre esta questão.

Fico à espera da vossa resposta.

Obrigada.

Resposta:

Não tenho elementos que confirmem a informação obtida pela consulente.

Segundo o Dicionário Houaiss, «Camões teria encontrado o nome Adamastor em Sidônio Apolinário (Carmina, XV, 20) a designar um gigante».

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, não dá certezas sobre a origem do nome Adamastor, mas parece tratar-se de uma criação literária latina recuperada no Renascimento. Sempre a designar um gigante, surge como Adamastor em Sidónio Apolinário (436-483) e como Damastor (significando «o que ama, vencedor») na Gigantomachia de Claudiano (370-404). Sem confirmar uma relação com Adamastor, Machado assinala dois outros nomes:

Adámasto, do antropónimo altino Adămāstus, usado por Virgílio (Eneida III, 614) e com origem grega: adámastos, «não domado, indomável»;

Ádamas, do grego adámas, -antos, que significa, como nome, «metal muito duro» e, como adjectivo, «que não se pode dominar ou quebrar; inflexível».

Pergunta:

Dirigi a seguinte pergunta a um colega: «Achas frio?» Isto gerou discussão, porque embora ele tivesse percebido que falava da temperatura ambiente, afirmou que eu era gramaticalmente obrigado a especificar sobre o quê estava a fazer a pergunta. A ausência de uma especificação do objecto é correcta?

Desde já agradeço esclarecimentos.

Resposta:

Em discurso, sobretudo na oralidade, não é preciso vebalizar toda a informação que é trocada, havendo muita que está disponível contextualmente, na situação de comunicação. Por conseguinte, perante uma expressão elíptica como «achas frio?», numa situação em que o tempo está frio, é fácil ao interlocutor inferir que «frio» se refere ao tempo, sem necessidade de usar a frases completas «achas (que) o tempo (está) frio?» ou «achas que está frio aqui?», porque o contexto sugere uma interpretação plausível da interrogativa.