Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Será incorrecto escrever «espaço perspectico» e «dispositivo perspectico» para caracterizar quer o tipo de espaço visual concebido pela perspectiva geométrica quer o conjunto de saberes e técnicas que permitem essa construção? Os dicionários gerais que consultei consideram o termo inexistente. Se o é, qual será a melhor alternativa, «espaço em perspectiva» e «dispositiva da perspectiva»?

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista dois adjectivos que significam «relativo a perspectiva»: perspectivo e perspéctico (sendo este uma palavra esdrúxula, com acento agudo na antepenúltima sílaba). As expressões propostas estão, portanto, correctas.

Note que os referidos adjectivos podem ser definidos da maneira que propõe, porque se relacionam com duas das várias acepções do substantivo perspectiva (Dicionário Houaiss):

a) «a obra, delineada segundo as regras da perspectiva»;
b) «técnica de representação tridimensional que possibilita a ilusão de espessura e profundidade das figuras, a partir da projeção das linhas paralelas do primeiro plano para um ponto de fuga, de maneira que haja uma diminuição das figuras que ocupam o segundo plano da obra». 

Pergunta:

Com base no novo acordo ortográfico, como se escreverão as palavras abaixo listadas?

subárea

preestabelecido

biapoiado

birrotulado

bem-vindo

Resposta:

Com o novo acordo, todas as palavras listadas têm as grafias indicadas na pergunta.

As quatro primeiras apresentam prefixos que, nos contextos gráficos em apreço, dispensam hifenização. Assim:

subárea

O novo acordo mostra que sub- é seguido de hífen antes de palavra começada por h- (sub-hepático); mas é omisso quanto aos casos em que as anteriores regras também o impunham antes de palavras começadas por r- (sub-reptício) e b- (sub-base). Noutros casos, sub- liga-se sem hífen à palavra seguinte, como no exemplo em análise.

preestabelecido:

Pre- é forma átona de pré- e, portanto, liga-se sem hífen, conforme a alínea f) do n.º 1 da Base XVI do Acordo Ortográfico de 1990. A forma t{#ó|ô}nica pré- mantém, no novo acordo (ibidem), a condição de se usar com hífen com um «segundo elemento [que] tem vida à parte» (reconheça-se a pouca precisão da expressão «vida à parte»).

biapoiado e birrotulado

No acordo de 1990, não há referência ao prefixo bi-, que também não é mencionado nem no Acordo de 1945 (ainda em vigor em Portugal) nem no Formulário de 1943 (que vigorou no Brasil até 2008). Os dicionários ligam-no sem hífen ao elemento seguinte.

A última palavra, bem-vindo, é um composto morfossintá{#c|}tico (ou, numa terminologia mais tradicional, um composto por justaposição) e, por isso, não perde, em princípio, o hífen, de harmonia com o n.º 4 da Base XV do acordo, a seguir transcrito:

«Emprega-se o hífen nos compostos com...

Pergunta:

Com o respeito que tenho pelos prezados consultores, conhecedores que são do português culto, gostaria de externar que não concordo com o comentário de C. M./C. R., na resposta dada em 16/01/2009 com o título "Eu vi-os, ele e a mãe, entrarem na igreja". Não obstante ser o ensino uma área em que os governos – municipais, estaduais e Federal – pouco investem ou se preocupam no Brasil, não é verdade e não se pode generalizar que dizer "Eu vi ELE e a mãe dele entrarem na igreja" é uma forma aceita no português brasileiro. Desde a infância ouço a frase "Eu VI ELA", como exemplo de que não se pode usar o pronome pessoal como objeto direto, pois além de não ser correto, nesse exemplo ainda soa mal, já que VIELA é uma rua estreita ou beco. Creio que coloquialmente ainda sejam usadas, mas sempre há alguém por perto a repreender o interlocutor de tais frases. Dizer, mesmo entre parênteses, que tais frases são aceitas no português brasileiro soa menos como verdade e mais como preconceito, como se todos os brasileiros falassem ou escrevessem muito mal.

É a minha humilde e sincera opinião, a qual em nada faz desmerecer o brilhante trabalho desenvolvido pelo Ciberdúvidas, que é um espaço democrático e aberto ao diálogo e às contestações.

Grato pela oportunidade.

Resposta:

Agradeço a sua observação, que me permitiu introduzir pequenas correcções na resposta em causa. Todavia, convém esclarecer alguns pontos:

1. Quando se diz que no Brasil se aceita ou é corrente o uso do pronome sujeito em lugar do clítico, adopta-se um ponto de vista que é descritivo e não normativo quer sobre o uso quer mesmo sobre atitudes normativas.

2. No entanto, no Brasil, há quem contemple o facto mencionado no ponto anterior, pelo menos, em gramáticas que parecem propor uma norma mais sensível às realidades do uso linguístico brasileiro. Com efeito, na Gramática de Usos do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2000, pág. 453), de Helena de Moura Neves, afirma-se que «também é comum, na conversação, o emprego dos pronomes tônicos como sujeito do infinitivo, nessas construções: [...] Manda ELE fugir daqui! [...] Entretanto, essa construção já aparece em textos literários. Mas foi apenas um instante de desconfiança, o dele, e ele sorriu  pegando-a, toda e suave como ela era, e tão curiosa como uma mulher é curiosa, o que fez ELE se lembrar de sua esposa. [A maçã no escuro, Clarice Lispector]»

3. Em Portugal, a atitude normativa a respeito de «vi ela» é de completa rejeição; e, apesar de haver falantes que usam o pronome sujeito no contexto em discussão, é também verdade que muitos falantes, independentemente do seu nível sociocultural, continuam a empregar o clítico: «eu vi-a».

4. Assim, e, repita-se, dado que a perspectiva adoptada era descritiva e não normativa, não se entende que se diga que a resposta está eivada de preconceito. Não é verdade, porque o que se pretende é mostrar tendências evolutivas de uma das variedades da lín...

Pergunta:

Gostaria de saber como se classificam os substantivos que não admitem o plural, existindo apenas na forma singular. Existe um termo técnico para tais palavras, como, por exemplo "Jeovás" ou "Nokias" (marca de telemóvel)?

Resposta:

Parece-me que o consulente está a confundir duas situações diferentes: a da pluralização de nomes não-contáveis e a pluralização de nomes próprios.

Substantivos como água e paciência não admitem plural — são os chamados não-contáveis. Água só assume a forma de plural mudando de significado para designar um tipo ou uma certa qualidade dessa matéria («águas de mesa» = «marcas/qualidades de água de mesa»). Paciência, por seu lado, é incompatível com o plural, a não ser que designe um passatempo («fazer paciências»); não é, pois, permitido *«o João e a Maria têm grandes paciências», na leitura psicológica de paciência.

Quanto aos nomes próprios, é possível pluralizá-los se a finalidade for referir vários indivíduos com o mesmo nome, como é o caso de «Joões» na frase «Quantos Joões estão na sala?». Em relação aos nomes que referem organizações e instituições de diferente natureza (religiosa, política, desportiva) ou marcas comerciais, a pluralização indicia uma metonímia, transferindo-se a sua aplicação para os membros dessas organizações ou para os itens dessa mesma marca comercial. Assim, os "Jeovás" é uma designação de tom depreciativo que designa os membros das Testemunhas de Jeová; os "Nokias" são os telemóveis da marca Nokia.

Pergunta:

Qual o correto: «caminho das índias», ou «caminho da índia»? Qual a diferença no uso desses termos?

Resposta:

Índia é nome do país ou de uma extensa região asiática que tradicionalmente compreende o subcontinente indiano, incluindo os vales dos rios Indo e Ganges. Índias significa no plural toda a zona asiática à volta do oceano Índico. José Pedro Machado comenta a diferença entre Índia e Índias no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«[...] o voc[ábulo Índia] aparece no pl[ural], como também teve larga voga, tal como ainda hoje se usa muitas vezes. É que se distinguia em duas partes: Índia aquém do Ganges e Índia além do Ganges: Índia Superior e Índia Inferior; Índia Maior e Índia Menor; Índia Grande e Índia Pequena (Dalg., I, s.v., p.465).1 Por extensão também se dizia Índias Ocidentais em relação às possessões espanholas da América Central. A designação deve-se ao facto de Colombo estar convencido e ter convencido muita gente de que na sua primeira viagem atingiu a Índia; daí resultou os indígenas da América ainda hoje serem geral e genericamente conhecidos por índios

1 Dalg., I, s. v., p. 465 = Glossário Luso-Asiático por Monsenhor Sebastião Rodolfo Dalgado... Coimbra, 1919-1921, 2 volumes.