Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Recentemente, surgiu-me uma dúvida em relação ao substantivo político. Embora seja um substantivo masculino, como ilustra a seguinte frase, «João Jardim é um dos políticos há mais tempo no poder», como ficaria uma frase do tipo:

«Angela Merkel é um dos políticos com maior responsabilidade na Europa», onde o sujeito é feminino?

Muito obrigado.

Resposta:

É impossível uma frase como (1) (* indica agramaticalidade):

(1) *«Angela Merkel é uma dos políticos com maior responsabiidade na Europa.»

Não se aceita (1), visto que, por enquanto, o masculino é o género usado sempre que se quer referir um grupo constituído por indivíduos de ambos os sexos. Deste modo, se por políticos se entende «número não especificados de indivíduos dos dois sexos que se dedicam à actividade política», então a frase terá a formulação em (2):

(2) «Angela Merkel é um dos políticos com maior responsabiidade na Europa.»

Em (2), identifica-se um indivíduo do sexo feminino com um dos elementos de um conjunto de indivíduos dos dois sexos. Esse elemento, marcado por «um», está no masculino, uma vez que é este o género de «políticos».

Se empregássems o feminino plural, restringiríamos a extensão do conjunto em referência:

(3) «Angela Merkel é uma das políticas com maior responsabiidade na Europa.»

Em (3), identifica-se um indivíduo do sexo feminino com um elemento de um conjunto constituído por elementos só do sexo feminino; daí a expressão «uma das políticas» com marcas de feminino.

Pergunta:

Qual a origem e o significado do apelido Linhares?

Resposta:

Trata-se de um apelido que terá origem na referência à naturalidade de alguém. Com efeito, Linhares é topónimo frequente em Portugal, na Galiza e no Brasil (Espírito Santo), sendo conversão em nome próprio do plural do substantivo comum linhar (do latim *liniare-ou liniale-).

Fonte: José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem, se houve ou não uma degradação natural do meu sobrenome, qual o seu significado e se é português?

Resposta:

O apelido Dolôr não é mencionado nos dicionários onomásticos consultados (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e Tratado das Alcunhas Alentejanas, de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva). Parece ser a palavra espanhola dolor, «dor», que aparece normalmente no plural como nome próprio feminino, Dolores. Acresce que é frequente nomes próprios tornarem-se apelidos.

Pergunta:

«Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tornou cego?»

No período acima, é possível usar «me tenha tornado cego», em vez de «me tornou cego»?

Obrigado.

Resposta:

Como falante de português europeu, confesso, impressionisticamente, que não me soa mal o pretérito perfeito do conjuntivo, talvez reforçando o valor hipotético de toda a frase interrogativa:

(1) «Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tenha tornado cego?»

Mas, vendo bem, não encontro razão nenhuma objectiva para aceitar esse tempo verbal no contexto em causa, pelas seguintes razões:

I. A relativa «para os quais... cego» é incompatível com o conjuntivo na frase declarativa declarativa correspondente à interrogativa em questão (o asterisco indica agramaticalidade):

(2) «Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tornou/*tenha tornado cego.»

II. Se o sujeito estivesse incluído na estrutura relativa, isto é, se fosse um pronome relativo, o conjuntivo poderia ser alternativa ao indicativo:

(3) «Terá havido uma traiçoeira insensibilidade que me tornou/tenha tornado cego?»

Em (3), é possível empregar tanto o indicativo, atribuindo-lhe um valor assertivo, como o conjuntivo, dando-lhe um valor modal.1

Mas não é isso que acontece em (1), porque o pronome relativo está inserido num complemento preposicional que não pode ser sujeito, visto este ser realizado por «uma traiçoeira insensibilidade». Por outras palavras, apenas um pronome relativo com a função de sujeito é compatível com os dois modos verbais.

1 A uma relativa restritiva que tenha o verbo no indicativo e antecedente de carácter específico, associa-se um valor assertivo; se o ve...

Pergunta:

Será incorrecto escrever «espaço perspectico» e «dispositivo perspectico» para caracterizar quer o tipo de espaço visual concebido pela perspectiva geométrica quer o conjunto de saberes e técnicas que permitem essa construção? Os dicionários gerais que consultei consideram o termo inexistente. Se o é, qual será a melhor alternativa, «espaço em perspectiva» e «dispositiva da perspectiva»?

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista dois adjectivos que significam «relativo a perspectiva»: perspectivo e perspéctico (sendo este uma palavra esdrúxula, com acento agudo na antepenúltima sílaba). As expressões propostas estão, portanto, correctas.

Note que os referidos adjectivos podem ser definidos da maneira que propõe, porque se relacionam com duas das várias acepções do substantivo perspectiva (Dicionário Houaiss):

a) «a obra, delineada segundo as regras da perspectiva»;
b) «técnica de representação tridimensional que possibilita a ilusão de espessura e profundidade das figuras, a partir da projeção das linhas paralelas do primeiro plano para um ponto de fuga, de maneira que haja uma diminuição das figuras que ocupam o segundo plano da obra».