Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra próstata (órgão próprio da genitália masculina) tem alguma relação etimológica com a palavra prostituta, prostituição? Fundamento da pergunta: observando as palavras, há semelhanças interessantes que fazem com que a pessoa identifique nestas palavras, exemplo, "prost(ata)" "prost(ituta)". Não há vinculação de origem grega — ou mesmo de outra língua — que passou pelo latim e chegou no português? Estes vocábulos não sofreram metaplasmos e foram se definindo semanticamente diversos?

Resposta:

Há realmente uma relação etimológica entre próstata e prostituta, porque ambas as palavras (a primeira é grego que passou ao latim, e a segunda é só latina) remontam ao mesmo sufixo e ao mesmo radical do indo-europeu.

Vejamos, em primeiro lugar, a etimologia de cada palavra.

Próstata

«[do] lat[im] cien[tífico] prostata 'id.', empr[és]t[imo] gr. prostátēs,ou 'colocado na frente de; donde, chefe, dirigente; protetor, defensor', do v[erbi] proístēmi 'colocar na frente, pôr em relevo, pôr em evidência'; de pró- 'diante, na frente' + hístēmi 'colocar'; assim chamada por situar-se antes da bexiga»

Prostituta

«lat[im] prostitŭo,is,ī,ūtum,ĕre 'colocar diante, expor, apresentar à vista; pôr à venda; mercadejar com a sua eloqüência; prostituir, divulgar, publicar', de pro- 'na frente, diante de' + statuĕre 'pôr, colocar, estabelecer; expor aos olhos', de stātus,us 'repouso, imobilidade; atitude, postura (de um combatente); assento, situação; estado das coisas, modo de ser', do rad[ical] de stātum, sup[i]n[o] de stāre 'estar'»

Em Histórias de Palavras — do Indo-Europeu ao Português (Lisboa, A. Santos), de Ernesto d´Andrade, indica-se que ambas as palavras têm em comum os seguintes radicais:

a) *per1, qu...

Pergunta:

Recentemente, surgiu-me uma dúvida em relação ao substantivo político. Embora seja um substantivo masculino, como ilustra a seguinte frase, «João Jardim é um dos políticos há mais tempo no poder», como ficaria uma frase do tipo:

«Angela Merkel é um dos políticos com maior responsabilidade na Europa», onde o sujeito é feminino?

Muito obrigado.

Resposta:

É impossível uma frase como (1) (* indica agramaticalidade):

(1) *«Angela Merkel é uma dos políticos com maior responsabiidade na Europa.»

Não se aceita (1), visto que, por enquanto, o masculino é o género usado sempre que se quer referir um grupo constituído por indivíduos de ambos os sexos. Deste modo, se por políticos se entende «número não especificados de indivíduos dos dois sexos que se dedicam à actividade política», então a frase terá a formulação em (2):

(2) «Angela Merkel é um dos políticos com maior responsabiidade na Europa.»

Em (2), identifica-se um indivíduo do sexo feminino com um dos elementos de um conjunto de indivíduos dos dois sexos. Esse elemento, marcado por «um», está no masculino, uma vez que é este o género de «políticos».

Se empregássems o feminino plural, restringiríamos a extensão do conjunto em referência:

(3) «Angela Merkel é uma das políticas com maior responsabiidade na Europa.»

Em (3), identifica-se um indivíduo do sexo feminino com um elemento de um conjunto constituído por elementos só do sexo feminino; daí a expressão «uma das políticas» com marcas de feminino.

Pergunta:

Qual a origem e o significado do apelido Linhares?

Resposta:

Trata-se de um apelido que terá origem na referência à naturalidade de alguém. Com efeito, Linhares é topónimo frequente em Portugal, na Galiza e no Brasil (Espírito Santo), sendo conversão em nome próprio do plural do substantivo comum linhar (do latim *liniare-ou liniale-).

Fonte: José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem, se houve ou não uma degradação natural do meu sobrenome, qual o seu significado e se é português?

Resposta:

O apelido Dolôr não é mencionado nos dicionários onomásticos consultados (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e Tratado das Alcunhas Alentejanas, de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva). Parece ser a palavra espanhola dolor, «dor», que aparece normalmente no plural como nome próprio feminino, Dolores. Acresce que é frequente nomes próprios tornarem-se apelidos.

Pergunta:

«Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tornou cego?»

No período acima, é possível usar «me tenha tornado cego», em vez de «me tornou cego»?

Obrigado.

Resposta:

Como falante de português europeu, confesso, impressionisticamente, que não me soa mal o pretérito perfeito do conjuntivo, talvez reforçando o valor hipotético de toda a frase interrogativa:

(1) «Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tenha tornado cego?»

Mas, vendo bem, não encontro razão nenhuma objectiva para aceitar esse tempo verbal no contexto em causa, pelas seguintes razões:

I. A relativa «para os quais... cego» é incompatível com o conjuntivo na frase declarativa declarativa correspondente à interrogativa em questão (o asterisco indica agramaticalidade):

(2) «Terá havido anteriores indícios, para os quais uma traiçoeira insensibilidade me tornou/*tenha tornado cego.»

II. Se o sujeito estivesse incluído na estrutura relativa, isto é, se fosse um pronome relativo, o conjuntivo poderia ser alternativa ao indicativo:

(3) «Terá havido uma traiçoeira insensibilidade que me tornou/tenha tornado cego?»

Em (3), é possível empregar tanto o indicativo, atribuindo-lhe um valor assertivo, como o conjuntivo, dando-lhe um valor modal.1

Mas não é isso que acontece em (1), porque o pronome relativo está inserido num complemento preposicional que não pode ser sujeito, visto este ser realizado por «uma traiçoeira insensibilidade». Por outras palavras, apenas um pronome relativo com a função de sujeito é compatível com os dois modos verbais.

1 A uma relativa restritiva que tenha o verbo no indicativo e antecedente de carácter específico, associa-se um valor assertivo; se o ve...