Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Os cargos «MM. Juiz de Direito» e «Oficial de Justiça» devem ser escritos em maiúscula, ou minúscula?

Obrigado.

Resposta:

Podem escrever-se com maiúsculas, sobretudo por deferência quando os indivíduos com esses cargos são destinatários de documentos oficiais ou nestes mencionados.

Pergunta:

Qual a transcrição fonética das palavras seguintes: pêlo, pelo, pela, como (verbo comer), como (conjunção)?

Obrigada.

Resposta:

Adopto os símbolos fonéticos usados no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e na Gramática da Língua Portuguesa, de Maria Helena Mira Mateus et al. (2003):

pêlo [´pelu]
pelo [´pelu]
pela [´pelɐ]
como [´komu]
como [´komu]

A pronúncia transcrita é a do padrão do português europeu. Em relação a pelo/pela (contracção da preposição por + artigo definido), o Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, considera que que o [e] é uma vogal fechada átona. Quanto a como (conjunção e advérbio) é aceitável a variante [kumu], tida como característica do Norte de Portugal, em especial da área urbana do Porto.

Pergunta:

A grafia correta seria "Uchoa" ou "Ochoa"? Além de ser um apelido espanhol, seria também um sobrenome português?

Muito grato.

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista as formas Ochoa e Uchoa, mas a entrada desta remete para aquela, deixando supor que Ochoa tem preferência. O mesmo sucede na Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura. Finalmente, Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa, acolhe só Ochoa.

Machado sugere que este apelido tem origem no basco Otxoa, «o lobo», o que parece plausível, uma vez que ainda hoje otso significa «lobo». A enciclopédia da Verbo confirma a proveniência basca por via navarra:

«fam[ília] oriunda do reino de Navarra e que passou a Portugal em tempo do conde D. Henrique. Dizem os genealogistas que o 1.º conhecido é Martins Henriques de O[choa], do qual foi 4.º neto um certo Pedro Afonso O., rico-homem do tempo de D. Dinis. Viveu t[am]b[ém], em tempo de D. Afonso V, Afonso Vaz O.; seus descendentes residiram no termo da cid[ade] de Bragança, do que há notícia ainda hoje. [...]»

Observe-se que o basco é ainda falado na região de Navarra a par do castelhano.

Pergunta:

Há um tempo, montei uma coletânia de músicas interpretadas por mulheres cujo nome era "Divas". Depois de um tempo, surgiu a vontade de fazer o mesmo com cantores masculinos, mas surgiu a dificuldade, que os dicionários não estão respondendo: qual seria o masculino de diva?

Segundo os dicionários que tenho em mãos, diva significa «deusa», «cantora notável» ou «mulher muito bela». Estive pensando, será que não existe uma palavra que signifique «cantor notável»?

Nossa língua tem essas coisas... É a única língua em que a calça a gente bota e a bota a gente calça! Aguardo a reposta!

Resposta:

Diva é o feminino do substantivo e adjectivo de origem latina dīvus, diva, divum, «divino». Em princípio, é possível empregar o masculino divo. No entanto, compreende-se que haja alguma dificuldade nesse uso, por causa de uma acepção específica de diva como substantivo: trata-se da designação de uma grande cantora de ópera ou actriz de teatro ou cinema. Se usarmos divo, pode acontecer que ao masculino sejam dadas conotações jocosas, por via da tradição de diva pressupor sempre uma pessoa do sexo feminino.

Dito isto, tendo em mente que a definição das fronteiras entre sexos e géneros passa actualmente por uma profunda revisão, talvez não seja assim tão duvidoso apelidar um cantor notável de divo. Por enquanto, não o recomendo, pelos motivos explicados; porém, há quem goste de pôr em causa as convenções, mesmo as mais subtis. E, depois, não é verdade que anda por aí um grupo musical de sucesso chamado Il Divo, que é o mesmo que «o divo»?

Pergunta:

Embora hoje em dia já não se acentuem as palavras do mesmo modo, tenho uma dúvida quanto à correcta forma de escrever orgânico.

Se órgão de organismo se diferencia de "orgão" de igreja, tal como a «"côr" verde» se distingue de «saber de cor», resta-me então saber se deve-se, ou não, escrever "órgânico", com acento na primeira vogal?

Resposta:

Não, porque os acentos gráficos agudo (´) e circunflexo (^) marcam o acento principal, e, em português, não há palavras com dois acentos principais. A forma *"órgânico" é, pois, incorrecta, e é orgânico a grafia certa. Porquê?

Órgão tem acento agudo, e tanto faz que seja de «organismo» ou de «igreja» — escreve-se da mesma maneira. Órgão é a base de derivação de orgânico, e, nesse processo de derivação, o acento gráfico (e fónico) desloca-se  para a sílaba --, que tem um a (tradicionalmente chamado) fechado em sílaba tónica.

Se o consulente se está referir ao novo Acordo Ortográfico, saiba que são poucos os casos em que há mudanças na colocação de acento gráfico. Note-se, por isso, que cor não tem acento gráfico, nem sequer no novo acordo — e não importa que seja verde ou uma maneira de saber.