Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Acabo de ver o documentário brasileiro Belchior — Apenas um Coração Selvagem e, além da história deste cantor nordestino que eu desconhecia de todo, surpreendeu-me a prolação do nome: "Belkior", e não "Belxior", com se diz em Portugal e demais países da CPLP.

Pesquisando, fiquei a saber, entretanto, que no Brasil o nome de um dos três reis magos é Melchior, em vez de Belchior. Gostava de um esclarecimento sobre estas particularidades brasileiras.

Muito obrigada.

Resposta:

Tal como indica a grafia, o nome Belchior, variante de Melchior, é pronunciado com o x de mexer ou como o ch de azeviche. Esta pronúncia é válida em qualquer modalidade culta do português.

Só por alguma razão especial é que se lerá Belchior como 'belquior'. Parece ser este o caso do cantor Belchior, cujo nome se pronunciava realmente com [k] (um artigo da Wikipédia em inglês confirma-o). Esta pronúncia talvez reflita a etimologia da forma mais antiga do nome, que é Melchior, supostamente originário de um composto de origem hebraica – melech, «rei» e 'or, «luz»1  –, o qual soaria aproximadamente como "melquior". Assim se explica que a forma Melchior se pronuncia com [k] noutras línguas, por exemplo, em inglês.

Esclareça-se ainda que Melchior não é forma somente brasileira. Na verdade, ela regista-se em Portugal e nos outros países de língua portuguesa, conforme se pode confirmar pelo Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

 

1 Cf. Melchior em Behind the Name. Ver também José Pedro Machado, Dicionário Onomástico...

Pergunta:

Oxalá, como interjeição («Deus queira que») tem a mesma raiz/origem que Oxalá (nome de um orixá, deus)?

Resposta:

São formas convergentes, com diferentes origens.

Segundo o Dicionário Houaiss, a interjeição oxalá, que se usa para exprimir um desejo, tem origem no árabe wa xá'lláh (pronunciado comummente wo xá'lláh), com o significado de «e queira Deus».

A mesma fonte regista Oxalá, nome do «orixá da criação, da procriação, sincretizado com Jesus Cristo» e equivale a Obatalá, «divindade suprema do panteão ioruba, abaixo apenas de Olorum», que «é cultuado basicamente sob duas formas, uma anciã, dita Oxalufã, e outra jovem, Oxaguiã». Em nota etimológica, o referido dicionário filia Oxalá (divindade) no ioruba oxala, redução de orixaala, de orixa-n-la, «o grande orixá».

A palavra orixá, ainda de acordo com o Dicionário Houaiss, tem origem no ioruba orixa, «divindade», e é a «designação genérica das divindades cultuadas pelos iorubas do Sudoeste da atual Nigéria, e também de Benim e do Norte do Togo, trazidas para o Brasil pelos negros escravizados dessas áreas e aqui incorporadas por outras seitas religiosas». E acrescenta-se aí: «Os mitos dão-nos frequentemente como ancestrais divinizados que se transformaram em rios, árvores, pedras etc. e que fazem de intermediários entre os homens e as forças naturais e sobrenaturais.»

1 Ioruba é o nome de um grupo étnico da Nigéria e da sua língua (cf. Dicionário Priberam). O termo tem a variante iorubá (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correta de escrever a palavra "imuno-histoquímica". Surge da junção de duas palavras imuno e histoquímica.

É um método laboratorial que em inglês se escreve immunohistochemistry.

Podemos aplicar a mesma regra que recomendam para imunoemoterapia, num esclarecimento de 2008

Resumindo, qual a forma correta de escrever este método: "imunohistoquímica", "imunoistoquímica" ou "imuno-histoquímica"?

Grato, um grande bem-haja pelo que têm feito pela língua portuguesa.

Resposta:

Recomenda-se imuno-histoquímica.

Os registos dicionarísticos do termo em apreço são escassos, mas imunoistoquímica é forma registada no Dicionário Houaiss em 2001, antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990. Contudo, com a aplicação da norma de 1990, é de prever que se escreva com hífen – imuno-histoquímica –, seguindo o modelo de imuno-hematologia, grafia que se regista no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras.

Note-se que o critério seguido pelo Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua) é o de aplicar a hifenização dos prefixos também aos elementos (ou radicais) de composição:

«Os prefixos e radicais de composição (elementos não autónomos como mini- ou agro-) não são por princípio geral separados por meio de hífen das palavras a que se juntam: antirrevolucionário, megaconcerto, minissaia, socioeconómico, ultraligeiro. O hífen é usado após estes elementos quando: a palavra a que se juntam começa pela letra <h> [...]»

Também o voc...

Pergunta:

Há dias surpreendi a expressão «da morrinhanha», que nunca tinha ouvido ou lido.

Podem esclarecer-me sobre o seu sentido?

Obrigado.

 

Resposta:

Nas fontes consultadas – dicionários gerais ou de regionalismos –, a palavra morrinhanha ou qualquer expressão que a inclua não têm entrada. Mas o vocábulo parece ser uma deturpação de murinhanha, variante de beruanha, termo que, no Brasil, designa um inseto transmissor de doenças. Menos claro se torna o desenvolvimento da expressão «da morrinhanha».

Uma pesquisa em páginas da Internet permite detetar a forma murinhanha1, que tem, por exemplo, registo no dicionário de Caldas Aulete, como variante de beruanha, assim definida:

«s. f. || (Bras.) inseto díptero hematófago, da família dos eumiídeos (Stomoxis calcitrans, Geof.). Vive nos excrementos dos equinos e transmite várias doenças ao homem (tifo, carbúnculo etc.). Também é conhecido pelos nomes de moscabrava, mosca-do-bagaço, mosca-do-gado, mosca-dos-estábulos, murianha, muruanha e murinhanha

O Dicionário Houaiss (2001) também tem entrada para este vocábulo e junta mais informação, remetendo para beruanha:

«murinhanha: substantivo feminino Rubrica: entomologia. 1 m.q. beruanha ('designação comum'); 2 m.q. mosca-de-estábulo (Stomoxys calcitrans

Na entrada beruanha, lê-se o seguinte comentário etimológico:

«tupi mberu'ãya "mosca varejeira", composição do tupi mbe'ru "mosca, inseto" + 'ãya "com ferrão, dente"; as variantes são devidas às flutuações na adaptação ao português da consoante bilabial sonora pré-nasalizada mb- > b-/m-, às alterações de timbre das vogais em posição pretônica, ao desenvolvime...

Pergunta:

Como se grafa corretamente a palavra que designa um tipo de confraternização, em que cada convidado leva um prato?

"Junta panelas" ou "junta-panelas"?

Resposta:

A palavra não tem registo nos dicionários, mas a sua configuração (forma verbal + substantivo) torna necessário o hífen: junta-panelas.