Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Pode haver casos em que a vogal ou semivogal i possa ser considerada como palatal, de que é exemplo passio, passionis, em que o i palatal faz, dos ss, x, que é também palatal?

A classificação de palatal pode aplicar-se ao i?

Muito obrigado pelo vosso trabalho!

Resposta:

A vogal [i] é uma vogal palatal («vogal cuja zona de articulação se situa na parte anterior da boca, com a língua em direção ao palato duro (em português: /é/, /ê/,/i/)» – Dicionário Houaiss).

Também se pode empregar o termo «vogal anterior» como sinónimo de «vogal palatal».

A semivogal [j] tem também ponto de articulação palatal – cf. "A pronúncia do português europeu" no portal do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua.

Pergunta:

No fim do período de transição comecei a usar o Acordo Ortográfico de 1990 e, até hoje, que me lembre, no que se refere a consoantes mudas, só tive uma forte discordância com o estabelecido no Acordo: foi a palavra ceptro, em que eu sempre pronunciei o pê e sempre ouvi pronunciar o pê.

É claro também que a palavra ceptro é uma palavra sobretudo escrita e muito pouco dita. Ou seja, encontra-se em livros, jornais e revistas, mas usa-se pouco na oralidade. Lembro-me de que a aprendi com o Tintin em O Ceptro de Ottokar.

Em 20 de dezembro, a propósito da conquista do Mundial pela Argentina, ouvi na CNN a palavra ceptro com o pê bem pronunciado em: «Messi pegou no ceptro», para significar «a taça», ou algo assim.

Creio que, de acordo com as transcrições fonéticas constantes nalguns dicionários, o pê não é pronunciado mas, francamente, e de forma impressiva, acho que é. Já fiz o teste com vários amigos e a opinião largamente generalizada é a de pronúncia do pê. Num universo de umas 12 pessoas, a percentagem deve andar nos 80% a pronunciarem o pê contra 20% a não o pronunciarem.

É possível também que, justamente por ser uma palavra mais escrita que dita, possa ter havido alguma corruptela oral da prolação.

Podem esclarecer?

Obrigado.

Resposta:

Em Portugal, existem as duas pronúncias da palavra, razão por que se registam e aceitam as duas grafias – cetro e ceptro.

A oscilação não é recente, pois a representação de pronúncia que figura no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves (RB), é a de um [p] que pode não ser proferido. Noutra fonte, o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947), também de RB, inclui ceptro (p. 87) na lista correspondente a palavras em que c e p antes de consoante podem não ser articulados.

A pronúncia facultativa da consoante bilabial surda [p] não será devida à diferença entre o português europeu (PE) e o português do Brasil (PB). A 1.ª edição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de 2001, exibe cetro, conforme o que esperaria da tendência do PB para a  supressão de tal som antes de outra consoante (nem sempre, pois em PB escreve-se recepção, com p grafado, porque realizado foneticamente). Contudo, no contexto do PE, também se encontra cetro no vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) de 1940 e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1989) de José Pedro Machado.

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, que a ACL publicou em 2001 – portanto, antes da entrada em vigor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 –, escreve-se ceptro, mas a transcrição fonética não apresenta essa consoante bilabi...

Pergunta:

Estou aqui a discutir com dois amigos a existência de uma palavra que eu nunca ouvi, mas eles dizem que sim, que se usa bastante. A palavra é casadela, usada na expressão «Aquele gajo deu uma grande casadela» no futebol e que significa «falhanço».

Nunca ouvi e não encontrei escrito em lado nenhum.

Existe?

Resposta:

Pelo que o consulente descreve, o contexto de uso da palavra casadela é bastante informal, o que significa que há enorme margem para novidades vocabulares que os dicionários só muito depois registam, se tais novidades se enraizarem no uso.

Sendo assim, o mais que, por enquanto, se pode aqui assinalar é que casadela não figura nos dicionários gerais, mas pode encontrar-se na gíria do póquer, como pode confirmar-se num glossário, onde se lê a seguinte definição:

«Casadela. Uma aposta forçada (ou aposta parcial) colocada por um ou mais jogadores antes de ser distribuída qualquer carta. Normalmente, as casadelas são colocadas pelos jogadores imediatamente à esquerda do botão.»

Quanto ao uso deste vocábulo na gíria futebolística, também não foi aqui possível saber se é recente ou não. Em todo o caso, é palavra sobre cuja correção não se encontra registo de parecer normativo.

Pergunta:

Em português utilizamos o termo língua, entre outros significados, para um sistema de comunicação utilizado pelos membros de uma mesma comunidade linguística. Podemos utilizar o termo linguagem num sentido lato que pode ser empregue em, por exemplo, linguagem animal, linguagem corporal, etc.

Como se pode traduzir estes dois termos para inglês, com os significados diferentes que se denotam acima?

Eu só encontro o termo language, com o sentido de «língua». Não encontro um termo inglês para linguagem como um domínio mais amplo que língua.

Muito obrigado pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Os significados das duas palavras do português são, em inglês, recobertos por uma única, que é language, como bem refere o consulente.

Contudo, regista-se a expressão «mother tongue» («língua-mãe») e outras, em que ocorre a palavra tongue, não no seu sentido mais habitual de «língua» (órgão), mas, como em português, na aceção de «língua» (sistema de comunicação humana).

Cf. História do inglês em 10 palavras + As dificuldade da tradução + Breve história do Inglês

Pergunta:

"Caulino" ou "caolino"?

Resposta:

Escreve-se caulino, com o significado de «argila pura, refratária, branca, friável, us. esp. em cerâmica e porcelana; barro branco, barro forte» (Dicionário Houaiss). A palavra tem a variante caulim, também correta (cf. ibidem).

Ainda segundo o Dicionário Houaiss, trata-se da adaptação do topónimo Kao Ling (ou Gaoling), no norte da China, o qual significa literalmente «colina elevada» em mandarim. A palavra terá sido transmitida por via do francês kaolin, forma atestada em 1712. Era de Kao Lin que se extraía primeiramente a referida argila (ibidem).