Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe no Brasil a família Cassu, de origem francesa.

Em Goiás (Brasil) existe a cidade que já foi Cassu, depois Caçu, e recentemente voltou a ser Cassu.

Em Uberaba (Minas Gerais), existe o topônimo Cassu nos registros de documentos oficiais e Caçu no romance Vila dos Confins, de Mário Palmério.

Estão corretas ambas as grafias, e por quê? E a cidade em Goiás, deve ser Cassu, ou Caçu? Por quê?

Resposta:

Se diz que o nome da cidade do estado brasileiro de Goiás passou a escrever-se Cassu, então é porque tal aconteceu muito recentemente: encontro a grafia Caçu num documento em linha datado de Novembro de 2008. Além disso, é Caçu a forma que ocorre no artigo sobre o gentílico caçuense no Novo Aurélio Século XXI:

«caçuense, Adj. 2g. 1. De, ou pertencente ou relativo a Caçu (GO). S. 2 g. 2. O natural ou habitante de Caçu.»

Caçu é também a grafia da entrada referente à cidade em apreço na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editotial Verbo. E, finalmente, o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista Caçu, como topónimo de origem tupi existente em Goiás e Minas Gerais.

A hipótese da origem tupi de Caçu é sugerida no respectivo artigo da Wikipédia:

«Diz-se na cidade que o nome "Caçu" provém da planta [a]lcaçuz, que já foi bastante encontrada nas margens do rio que margeia a cidade, o rio Claro (Goiás). No entanto, o [a]lcaçuz é uma planta que só vive em regiões frias, então é impossível que tenha havido grandes quantidades desta planta em qualquer região do cerrado. Outra possível origem do nome é da expressão indígena "Caá-açu", que significa "Mato Grande".»

É plausível a origem tupi de Caçu, porque, no Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi, de Antônio Geraldo da Cunha, o "Índice analítico dos Étimos Tupis" (págs. 321-334) inclui os elementos ka´a, «folha, mato, erva», e a´su...

Pergunta:

Qual a forma correcta: «manga cava», ou «manga à cava»?

Obrigada.

Resposta:

Há variação regional nas designações do tipo de manga em causa. No Ciberdúvidas já comentámos a expressão «blusa caveada», usado na zona do Porto (ver extos Relacionados). Mais a sul, prefere-se a expressão «manga cavada», ao lado das expressões «manga à cava» e «manga cava», ambas registadas no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Como a subentrada de «manga à cava» remete para a de «manga cava», presumo que no referido dicionário se considere «manga cava» a expressão mais corrente, sem que se possa dizer categoricamente que é a mais correcta. De qualquer forma, comparando as duas expressões, «manga cava» é, para mim, falante criado na região de Lisboa, a que me é mais familiar.

Pergunta:

Gostaríamos, se possível, de ter a definição dos seguintes vocábulos de origem tupi-guarani: cacarape; caura; combique; munginjaia e taputiua. Desde já agradecemos.

Resposta:

Consultámos Silveira Bueno, Vocabulário Tupi-Guarani, 6.ª edição, São Paulo, Edições Éfeta, 1998, e Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário Histórico das Palavras de Origem Tupi, São Paulo, Melhoramentos, 1982, mas não encontrámos os termos em questão nem conseguimos identificar os constituintes morfológicos.

Pergunta:

Em sua resposta à minha pergunta sobre o significado de lunação, [A. Tavares Louro] disse-me que a mesma significava «metade do tempo de uma revolução da Lua». Corrija-me se eu estiver errado, mas numa revolução da Lua, que é um período de tempo cuja duração é de 29,53059 dias, o satélite apresenta quatro fases, quais sejam lua nova, lua crescente (ou quarto crescente), lua cheia, lua minguante (ou quarto minguante). Assim sendo, o tempo correspondente às luas nova e crescente poderia ser considerado um semilúnio; o tempo das luas cheia e minguante, outro. Aliás, semilúnio é, segundo os seus esclarecimentos, apenas um tempo, não um aspecto ou aparência da lua durante as fases da sua revolução.

Ocorre que o dicionário Aulete Digital, em linha, diz, ao definir a palavra semilúnio, que ela significa «meia-lua». Ao determinar o sentido desta última, diz textualmente: «Aparência da lua quando se mostra em meio círculo (no quarto crescente ou minguante)». Logo, para esse léxico, semilúnio tanto pode ser a lua crescente como a minguante, sendo outrossim apenas um aspecto e não um tempo.

Isto posto, pergunto-lhe: é lícito, em português, chamarmos de semilúnio a lua crescente e também a lua minguante?

Por favor, uma resposta clara e objetiva.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra semilúnio vem definida como intervalo de tempo e não como aspecto nas seguintes fontes:

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: «Semilúnio, s. m. Metade do tempo que dura uma revolução da Lua: «Escravo o semilúnio desce, enquanto/Sobre a cruz, e do céu abrindo os braços/ Os homens une com o divino amplexo», Barão de Santo-Ângelo, Colombo, Prólogo. (Do lat. semi e luna).»

Grande Dicionário Enciclopédico Verbo (1997): «semilúnio, n. m. (Astron.) Metade de uma revolução da Lua; meio mês lunar.»

Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete (edição brasileira por Hamilcar de Garcia, 1958): «Semilúnio, s. m. (astr.) metade do tempo em que a lua faz a sua revolução. || F. lat. Semilunium

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2001): «semilúnio [sɨmilúnju]. s. m. (de semi- + lat. luna `lua´+suf. -io) Astr. Metade do tempo que a Lua leva a descrever a sua órbita; metade de uma revolução da Lua ou do mês lunar.» 

No entanto, é curioso verificar que a própria abonação do artigo da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira evidencia o emprego de semilúnio no sentido de aspecto ou forma de meia-lua, significado que é, de resto, o registado não só pelo

Pergunta:

No site do Dicionário da Língua Portuguesa, ao pesquisar a palavra cálice, pode-se verificar que, em sentido figurado, este termo é sinónimo de «sofrimento moral; humilhação». Daí Cristo dizer: «Pai, afasta de Mim este cálice» (Mt 26, 39. 42; Mc 14, 36; Lc 22, 42). Gostaria de saber qual a origem desta comparação entre o cálice e o sofrimento. Será algum hebraísmo?

Muito grata pela atenção dispensada.

Resposta:

Como metáfora e símbolo, o cálice é um motivo recorrente no Velho e no Novo Testamentos. Contudo, não consigo garantir que locuções como «cálice de amargura» ou «cálice de aflição» sejam expressões típicas do antigo hebraico (hebraísmo) ou tenham origem exclusivamente hebraica. O hebraico estava em contacto com outras línguas, e pode muito bem ter acontecido que tais expressões tenham surgido por via do empréstimo e da tradução. Para um resposta cabal, seria preciso um trabalho de investigação com recurso a estudos de crítica das fontes do texto bíblico, empreendimento que está fora do meu alcance.

De qualquer modo, a informação constante da pergunta é confirmada por Antenor Nascentes, no Tesouro da Fraseologia Brasileira, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986

«CÁLICE. Beber o -- da amargura. Sofrer os maiores infortúnios. Esgotar o -- até as fezes. Sofrer os maiores infortúnios até o fim. Reminiscência dos sofrimentos de Cristo no horto de Getsêmani. S. Mateus, XXVI, 42; S. Marcos, XIV; S. Lucas, XXII, 42. V. Ladislau Batalha, História Geral dos Adágios Portugueses

Uma obra mais especializada, o Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, de Lothar Coenen (ed.) Vol. II, São Paulo, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1982, s.v. fome (pág. 267), permite situar um pouco melhor o significado do cálice na exegese do texto bíblico:

«O pedido dos filhos de Zebedeu, no sentido de ficarem ao lado de Jesus na eterniddae, tem uma natureza apocalíptica e escatológica (M[a]t[eus] 20:20;M[ar]c[os] 10:35-37; cf. L[u]c[as] e segs.); é notável, porém, que a resposta de Jesus não foi de qualquer modo apocalíptica ou escatológica. Pelo...