Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em todos os livros sobre a província de Newfoundland, no Canadá, dá-se como certo que o nome da ilha de Fogo é uma corruptela do português "fuego". Minha pergunta é a seguinte: no português antigo, falado lá pelo século XVI ou XVII (quando os pescadores portugueses deram nome à ilha), a palavra fogo era "fuego", como em espanhol, e depois se modificou para fogo? Ou passou direto de focus para fogo? Já andei pesquisando na Internet e não descobri nenhuma evidência de que teria sido "fuego" no passado. Neste caso, os guias turísticos de Newfoundland estão repassando informação errada.

Grata.

Resposta:

Os guias turísticos da Terra Nova (é o nome português de Newfounland) estão realmente errados. A palavra fogo nunca teve o ditongo ue em nenhuma fase da história da língua portuguesa. O étimo é o latim vulgar fŏcu-, em que a vogal o passou aos dialectos galego-portugueses, e depois ao galego e ao português, sem ditongar, ao contrário do que aconteceu no castelhano (focu- > fuego).

Pergunta:

Estou tentando ler o artigo A propósito de um vulgarismo no português do Brasil, e Mattoso Câmara fala em verbos fortes. Eu gostaria de saber qual o critério de classificação que determina se um verbo é forte ou fraco. Obrigada.

Resposta:

O termos fraco e forte são usados na descrição da morfologia do sistema verbal como sinónimos de regular e irregular. O verbo amar é fraco ou regular, porque a forma do seu radical se mantém constante ao longo dos diferentes modos e tempos da conjugação verbal (p. ex., radical cant-: cantas, cantaste, cantarás). O verbo ter é um verbo forte ou irregular, porque a forma do seu radical varia nos diferentes tempos e modos da sua conjugação (p. ex., radicais te-/tiv-: tens, tiveste, terás).

Pergunta:

No decorrer da reflexão de uma aula avaliada, surgiu a dúvida sobre a divisão dos períodos no texto.

A frase em questão é esta:

«Era uma vez uma aldeia à beira de um rio: era o rio mais bonito que se possa imaginar, com margens cobertas de verdura, línguas de areia clara e uma água brilhante que reflectia o céu e o arvoredo.»

Será que me podiam esclarecer: afinal, quantos períodos há na frase?

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Como termo usado na gramática tradicional, período é equivalente a «frase que contém uma ou mais orações» (Dicionário Houaiss). No exemplo em questão, temos não uma frase que contém certo número de períodos, mas, sim, uma sequência constituída por dois períodos ou frases, separados por dois-pontos:

a) «Era uma vez uma aldeia à beira de um rio:»;

b) «era o rio mais bonito que se possa imaginar, com margens cobertas de verdura, línguas de areia clara e uma água brilhante que reflectia o céu e o arvoredo.»

Pergunta:

Na frase «O moinho era de um alto pitoresco», a palavra pitoresco é um adjectivo, ou nome?

Resposta:

Se «ser de» significa «ser caracterizado por», e alto é sinónimo de grande, então a frase é parafraseável por «o moinho era caracterizado por um grande pitoresco». Nesse caso, alto é adjectivo, e pitoresco, substantivo.

Mas a expressão «alto pitoresco» pode tornar-se ambígua do ponto de vista da sua classificação morfossintáctica, se pensarmos que outra interpretação é possível, embora menos óbvia e até forçada. Considerando que «ser de» equivale a pertencer, temos «o moinho pertencia a um alto (= monte) pitoresco». Nesta perspectiva, alto é substantivo, e pitoresco, adjectivo.

Pergunta:

Só gostaria de deixar o meu comentário: as formas "fôsteis" e "estivésteis" também poderiam ser fruto do contato com o espanhol, que diz fuisteis e estuvisteis na segunda pessoa do plural, partindo do pressuposto que se trata de áreas fronteiriças. Se não forem áreas contíguas, naturalmente não terá sentido a minha teoria.

Resposta:

Pode ser como sugere, por contacto com o castelhano, mas a tendência para regularizar por analogia as segundas pessoas do pretérito perfeito parece ter constituído um pequeno fenómeno de área linguística, muito vivo nas línguas e nos dialectos ibero-romances do Centro e do Ocidente da Península Ibérica. Ou seja, a sua sugestão tem todo o cabimento na explicação das variantes em causa mediante o contacto de falantes de português europeu com falantes de castelhano. Contudo, pode também ser enquadrada pela relativa facilidade de comunicação entre as regiões ibéricas até ao século XVII, situação que favorecia a difusão de inovações linguísticas mesmo em zonas mais afastadas das fronteiras entre reinos. As formas analógicas da segunda pessoa do plural podem, portanto, constituir um testemunho dessa variação do português num antigo contexto linguístico mais vasto.