Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se o correcto é «Brasil afora» ou «Brasil a fora».

Estado de Alagoas, escreve-se com e maiúsculo?

Grato pelas respostas.

Resposta:

Fora e afora (e não "a fora") são advérbios sinónimos, quando significam «em toda a extensão; ao longo de; continuadamente, em frente» e se encontram pospostos a substantivos. Diz-se tão correctamente «viver feliz pela vida fora» como «viver feliz pela vida afora». Por conseguinte, «ir pelo Brasil fora» e «ir pelo Brasil afora» são ambas frases gramaticais.

Não é obrigatório escrever estado com maiúscula quando a palavra se refere a «divisão territorial de determinados países».

Pergunta:

Por razões profissionais, relacionadas com a área da saúde e da medicina, necessito traduzir do inglês a expressão predictive medicine, que consiste em:

«Predictive Medicine is a rapidly emerging field of medicine that entails predicting disease and instituting preventive measures in order to either prevent the disease altogether or significantly decrease its impact upon the patient (such as by preventing mortality or limiting morbidity)”... e ainda “The goal of Predictive Medicine is to predict future disease so that health care professionals and the patient themselves can be proactive in instituting lifestyle modifications and increased physician surveillance, such as bi-annual full body skin exams by a dermatologist or internist if their patient is found to have an increased risk of melanoma or an EKG and cardiology examination by a cardiologist if a patient is found to be at increased risk for a cardiac arrhythmia.»1

Temos, pois, que é uma nova medicina que prevê e evita futuras doenças, permitindo antecipar, assertivamente, modificações no estilo de vida e na vigilância da saúde.

A minha questão é saber se a expressão "medicina predictiva" pode ser aceite como bom português. Julgo que não. A alternativa seria "medicina preemptiva" mas já obtive a resposta, negativa, no Ciberdúvidas e no dicionário [?]. Resta "medicina preventiva", que, sendo português correcto, não traduz o conceito que queremos transmitir. 'Prevê', mas não 'evita'. Se me puderem sugerir uma alternativa, fico muito grato

1 Tradução: «A medicina preventiva é uma área da medicina em expansão que acarreta prever a doença e criar medidas preventivas tanto para evitar completamente a doença como para dimin...

Resposta:

Pode usar o termo medicina preditiva,1 que já se encontra atestado em L. Mauila et al., Dicionário Médico (Lisboa, Climepsi Editores, 2003). Nesta obra, medicina preditiva (preditiva não tem c) e medicina preventiva são abordagens diferentes: 

medicina preditiva

«Conjunto de técnicas de investigação médicas e biológicas destinadas a determinar as predisposições para as doenças, a fim de permitir um tratamento adequado, antes mesmo do aparecimento dos sintomas e das complicações.»

medicina preventiva

«Originariamente, designava a aplicação dos princípios da prevenção por um médico a doentes individualmente considerados ou quando o médico exerce actividades de saúde organizadas no quadro da comunidade. Neste sentido, a medicina preventiva encontrou-se no passado limitada à prevenção primária. Actualmente, a medicina preventiva tende, na maior parte dos países, a assumir as responsabilidades de prevenção secundária e de prevenção terciária (segundo a OMS).»2

Manuel Freitas e Costa, no seu Dicionário de Termos Médicos (Porto, Porto Editora, 2005, s. v. medicina) não regista medicina preditiva, mas dá a definição de medicina preventiva: «ramo da medicina que assume os problemas e as responsabiliddes das prevenções primária, secundária e terciária.»

1 Sobre a aceitabilidade do adjectivo preditivo, as opiniões dividem-se, mas, devido sobretudo ao seu uso especializado, tende-se actualmente a cons...

Pergunta:

Qual a origem do apelido português Serrasqueiro?

Resposta:

Este apelido parece estar ligado aos topónimos Serrasqueira ou Sarrasqueira. É a hipótese avançada por José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Deve ter começado por indicar indivíduo natural de Sarrasqueira.»

Sobre Serrasqueira e Sarrasqueira, a informação de Machado é pouca e incerta: diz apenas que Sarrasqueira deve ser variante de Serrasqueira, forma por seu turno relacionada com Serrascosa (Águeda, Aveiro; Portugal), que «deve estar ligada a uma base serrasqu-, derivada de serra» (ibidem).

1 Serrasqueira localiza-se na freguesia de Sarzedas, concelho e distrito de Castelo Branco (Portugal); Sarrasqueira, no concelho de Vila Velha de Ródão, também no distrito de Castelo Branco.

Pergunta:

Qual o plural diminutivo de ator?

Resposta:

Os plurais dos diminutivos formados por substantivos terminados em r e pelos sufixos -zinho e -zito1 não têm forma estável, como mostra Paul Teyssier, no seu Manual da Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1989, pág.91), concebido para um público francês:

«-zito, -zinho (sufixos com z) conservam na palavra à qual se ligam a sua individualidade fonética e morfológica. [...] [O] plur[al] de coraçãozinho (de coração, "coeur") é coraçõezinhos; o de sinalzinho (de sinal "signe") é sinaizinhos; o de florzinha (de flor "fleur") é florezinhas (n. b. encontra-se no entanto florzinhas) [...].»

Nesta citação, vemos Teyssier assinalar duas variantes para o diminutivo de um nome terminado em-r: florezinhas, formado de acordo com as regras de associação do sufixo -zinho (e -zito), isto é, o nome modificado pelo sufixo mantém a desinência do plural sem o -s (cf. coraçõezinhos e sinaizinhos); e florzinhas que perde o e do plural.2

E. Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pág. 128) também se refere a esta oscilação:

«A razão do emprego de forma plurais barzinhos, colherzinhas se prende ao fato de que com sufixos outros não ocorre o plural das duas unidades florinha —> florinhas

Quanto a mim, o argumento de Bechara não é válido, porque fica por explicar o mais importante: a razão por que se aceitam e até parecem mais...

Pergunta:

Alem de professor de Espanhol, estou fazendo um mestrado em Filologia e gostaria de receber ajuda dos especialistas na Net.

Qual é a origem da palavra nada e, usando o método histórico-comparativo de Diez, quais as mudanças sofridas por essa palavra?

Resposta:

O Dicionário Houaiss explica com algum pormenor a origem de nada, pronome indefinido, advérbio e substantivo masculino:

«[do] lat[im] tar[dio] res nata, "coisa nascida", diferente do lat[im] cl[ássico] "segundo a circunstância", alt[eração] promovida, segundo Corominas, prov[ovavelmente], pelo uso constante da locução, que, sob a influência de homines nati, empregada em frases negativas, tomou o valor pronominal e indefinido que é próprio de nada

Quanto ao método histórico-comparativo de Diez, trata-se do método comparativo tal como ele foi aplicado ao estudo diacrónico das línguas românicas (português, espanhol, francês, italiano, romeno, etc.). Neste contexto, é possível representar as mudanças verificadas entre o étimo latino e a palavra portuguesa do seguinte modo:

(1) (res) nata- > nada

Em (1), considera-se como ponto de partida a forma da expressão original latina no caso acusativo (o chamado caso etimológico). Entre este étimo e a forma nada, verificou-se a alteração da consoante dental surda intervocálica [t], que, por um processo de sonorização (também chamada lenição), passou a [d], consoante dental sonora. Este fenómeno de sonorização afectou as consoantes surdas entre vogais ou entre vogal e líquida (sons [r] e [l]) no processo de transição do latim vulgar aos dialectos romances das antigas Hispânia e Gália.