Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Vi há algum tempo um programa sobre danças argentinas onde se falava em «dança nortenha», a dança típica do Norte, e "surenha", típica do Sul.

Ora em português a palavra nortenho está consagrada, mas parece que "surenho" ou alguma variante do género não têm entrada.

Há alguma palavra em português que cumpra esta função?

Resposta:

Pode adaptar-se diretamente o espanol sureño1 ao português e obter "surenho", forma que poderá legitimar-se pelo exemplo de outras que exibem o sufixo -enho2, como nortenho ou estremenho (habitante ou natural da Estremadura, nome de uma região de Espanha e de outra de Portugal).

Contudo, não há registo dicionarístico de "surenho", o que não admira, porque, em português, a base de derivação de adjetivos que signifiquem «meridional» não é "sur-", mas sul- (sulista), su- (sueste) ou sud- (sudeste). Sendo assim, em alternativa a sureña/"surenha", o português disponibiliza sulista – mais raro, sudista (cf. Dicionário Houaiss, onde também se registam sulino e suleiro, que não parecem ter uso em Portugal). Além disso, um termo de origem erudita é meridional.

Em todo o caso, compreende-se que, em referência à cultura popular argentina, se pretenda um vocábulo capaz de evocar essa realidade, pelo que "surenha" pode ser uma opção adequada, talvez figurando entre aspas, para assinalar o seu estatuto de neologismo, ou aparecendo com a grafia espanhola, para indicar que se trata de empréstimo.

1 N .A. (28/01/2023) – Em relação à música popular da Argentina, fala-se também de música surera ou música sureña, «música do Sul», de acordo com o artigo "Música surera", na versão da Wikipédia em língua espanhola.

2 O...

Pergunta:

Existe algum termo que defina «castanho arruivado»? "Fusco-rubro", como me disseram, mas de que duvidei?

Resposta:

A forma fusco-rubro é possível, tem sentido, é adequada semântica e referencialmente, mas, nas fontes aqui consultadas1, não se encontra abonada nem apresenta registo de uso estável.

Em todo o caso, como foi dito, é uma expressão legítima, o que não quer dizer que seja a única a considerar para o caso.

 

1 Foram consultados o Dicionário Priberam, a Infopédia, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea de Academia das Ciências, o Dicionário Houaiss, o Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, o dicionário de Caldas Aulete (versão digital).

Pergunta:

Li a expressão "estar em luto" e não me soou bem. Fui pesquisar e descobri um artigo que terminava com esta frase: «Somos pais em luto, não temos de ser pais de luto.»

Será que existem as duas construções frásicas com sentidos diferentes?

Resposta:

A expressão corrente e que tem registo nos dicionários é «estar de luto», em referência à perda de um ente querido.

No entanto, fala-se por vezes de «fazer o luto» e de «estar num processo de luto», no sentido, de «passar por um processo psicológico de reconstrução emocional em consequência da perda de um ente querido». Nesta perspetiva, é possível dizer-se que alguém se encontra «em luto», tal como se diz que alguém se encontra «em análise» ou «sob análise». Este é, portanto, um uso não convencional, que pode justificar-se num texto de análise psíquica, como parece ser o caso da frase apresentada na pergunta, que, no entanto, não tem de substituir a expressão «de luto».

Pergunta:

Como dividiriam e classificariam as orações da seguinte frase:

«Não só pinto quadros, como também faço esculturas»?

Resposta:

São orações coordenadas copulativas unidas pela locução coordenativa correlativa «não só... mas também» (cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 1777-1778).

No Dicionário Terminológico, para apoio do estudo da gramática no ensino básico e secundário em Portugal, ocorre o termo «conjunção correlativa» na definição e exemplificação associadas à entrada de «conjunção coordenativa».

Pergunta:

Gostaria de perguntar se há diferenças de sentido entre a expressão «salvo engano» e «se não me engano», no caso de uma ser substituída pela outra. Exemplos:

«Salvo engano, o presidente tomará posse em breve.»

«Se não me engano, o presidente tomará posse em breve.»

Agradeço desde já a ajuda prestada pelos competentíssimos professores!

Resposta:

A expressão «salvo engano» está correta e é sinónima de «se não me engano».

Exemplo:

«Um viajante, que por ali pousou com grande estado, da familia até dos Jardins, salvo engano, chegou a pagar uma cocadazinha, puxa-puxa com uns brincos de pedrinhas verdadeiras, amarelas, muito vistosas [...]»* (Alfredo de E. Taunay, Ao Entardecer, 1901, Corpus do Português). 

Em Portugal, é corrente «salvo (o) erro».

 

* Atualizou-se a ortografia.