Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No que diz respeito ao uso de sufixos, gostaria de saber se há algum meio efetivo de determinar quando usar -ita ou -ida para construção de etnônimos. Me indago a respeito disso, pois lendo a bibliografia em geral, não encontro uma suposta regra minimamente geral que permita identificar o que busco.

Para não deixar em abstrato, se por um lado alguns etnônimos como iemenita ou moabita apenas são registrados com -ita (nunca -ida) em dicionários e obras lexicográficas, outros casos como gassânida ou cáicida ocorrem paralelamente como gassanita ou caicita, respectivamente.

Algumas não têm registro direto no português, mas ocorrem em obras neolatinas e castelhanas, como taglibita ou almoravita.

Por fim, para outros, como merínida (dos Benamerim de Marrocos), somente há registro com -ida no VOLP da Academia Brasileira de Letras e demais obras léxicas de referência, embora esse exemplo final ocorra em obras mais antigas (fins do século XIX e início do XX, disponíveis parcialmente no Google) com sua variante merinita.

Agradeço desde já.

Resposta:

Não é possível prever com toda a exatidão quando se usa um ou outro sufixo. Muito parece depender da história de uso, embora factores de ordem semântica tenham de ser considerados.

Sobre os dois sufixos em questão, convém atentar, por exemplo, na informação facultada pelo Dicionário Houaiss:

«1) [-ita] ocorre num bom número de helenismos, greco-latinismos e assimilados, já como gentílicos, já como seguidores de doutrinas ou religiões, já como hierarcas; correspondente ao grego -ítēs (2g.), alatinado -īta (2g.) (e, mais tarde, também -ītēs, -ītis), formador de adjetivos e substantivos (estes, de origem adjetival) como "algo conexo com, membro de"; na base de padrões clássicos, como israelita, levita, moabita, sibarita (gentílicos), sobre os quais se fizeram formas tardias como maronita, monofisita, foi usado para formar nomes de produtos naturais, minerais, gemas (antracita, hematita); atravessando, como morfema erudito, a língua portuguesa do século XIV ao presente (quando vem sofrendo forte influência da uniformidade terminal de -ite francesa e inglesa), -ita vem aparecendo: 2) em palavras já do grego, já do latim, como antropomorfita, benjamita, canaanita, eremita, estagirita, fatimita, hamita, ismaelita, israelita, levita, maronita, monofisita, sadomita, semita, sibarita (todas de dosi géneros); 3) em palavras de formação moderna análoga: jacobita, luddita, pré-rafaelita, wycliffita [...].»

Quanto a -ida, que é um sufixo átono (o acento tónico da palavra sufixada recai sempre na base da derivação e nunca no sufixo), lê-se na mesma fonte:

«[ocorre] em...

Pergunta:

"Benjamin" ou "Benjamim"? Dir-se-ia que com m, mas em contexto bíblico aparece mais com n, seguindo a fixação grega dos LXX.

Como escrever?

Obrigado.

Resposta:

Em português, o nome escreve-se com -m final, tal como outras palavras que terminam em i nasal: alecrim, Bensafrim, Martim, Pequim, ruim, querubimVermoim.

Tais palavras podem ter ou não origem latina e pertencer a diferentes classes de palavras (adjetivos, nomes comuns, nomes próprios). Não existem, portanto, formas escritas de palavras patrimoniais ou completamente adaptadas ao português que terminem em -in, sequência de letras que só figura em estrangeirismos.

Na onomástica, o -n ocorre em formas estrangeiras: Kremlin, por exemplo. Além disso, regista-se Dublin, que tem muito uso, apesar de se disponibilizar a forma portuguesa Dublim. Mencione-se também Berlin, mas é forma que, em português, dá lugar à prevalecente Berlim.

No caso de Benjamim, a grafia com -m tem registo, pelo menos, desde a reforma ortográfica de 1911 (ver Vocabulário Ortográfico, 1914, de Gonçalves Viana).

Pergunta:

A abreviatura de estado americano deve seguir a forma como é usada em inglês ou tem uma forma própria a ser usada em português?

Qual a forma correta para o estado da Carolina do Sul?

«Domingo, 01 de janeiro de 2022, Simpsonville, SC, EUA»

ou

«Domingo, 01 de janeiro de 2022, Simpsonville, CS, EUA»?

Obrigado!

Resposta:

As siglas, ou melhor, os códigos dos estados dos Estados Unidos são as formas que constam como subentrada da norma ISO 3166-2 e não têm transposição em português.

Os códigos dos estados norte-americanos são os seguintes1:

AK Alasca
AL Alabama
AR Arcansas
AZ Arizona
CA Califórnia
CO Colorado
CT Coneticute (Connecticut)
DC Distrito de Colúmbia
DE Delaware
FL Florida
GA Jórgia (Georgia)
HI Havai (Hawaii)
IA Iowa
ID Idaho
IL Ilinóis (Illinois)
IN Indiana
KS Kansas
KY Kentucky
LA Luisiana (Louisiana)
MA Massachusetts
MD Marilândia (Maryland)
ME Maine
MI Michigan
MN Minesota (Minnesota)
MO Missúri (Missouri)
MS Mississípi (Mississipi)
MT Montana
NC Carolina do Norte
NE Nebrasca (Nebraska)
NH Nova Hampshire (New Hampshire)
NJ Nova Jérsia (New Jersey)
NM Novo México
NV Nevada
NY Nova Iorque
OH Ohio
OK Oklahoma
OR Óregon (Oregon)
PA Pensilvânia
RI Rhode Island
SC Carolina do Sul
TN Tennessee
TX Texas
UT Utah
VA Virgínia
VT Vermonte (Vermont)
WA Washington
WI Wisconsin
WV Virgínia Ocidental
WY Wyoming

Quanto à data em questão, emprega-se, portanto, o código internacional:

«Domingo, 1 de janeiro de 2022, Simpsonville, SC, EUA»

Contudo, de harmonia com o contexto, que está em português, parece bem mais congruente a escrita do nome completo do estado também em língua portuguesa:

«Domingo, 1 de janeiro de 2022, Simpsonville, Carolina do Sul, EUA.»

 

1 Consultou-se a lista de códigos e nomes dos estados norte-americanos em inglês e português em Paulo Correia, "Os estados dos Estados Unidos da América",

Pergunta:

Esta palavra já aqui ["Carrossel/carrocel"] foi abordada, e segundo alguns dicionários tanto se pode utilizar a palavra carrossel como carrocel, sugerindo o artigo, no entanto, que o termo carrossel seja mais usual devido à origem da palavra.

A minha dúvida no entanto prende-se com a sua adaptação à grafia mais concordante com a grafia portuguesa.

Nesse sentido não será mais correto usar carrocel tal como por exemplo pincel, corcel?

Resposta:

O uso de ss e c entre vogais obedece a critérios históricos.

Apesar de haver registo de carrocel com c, a forma carrossel tem maior aceitação como adaptação do francês carrousel. Esta apresenta, portanto, -ss-, que se relacionam com a origem francesa, ainda que não lhe seja fiel do ponto de vista fonético, porque o -ss- português soa como s surdo, enquanto o -s- intervocálico francês se pronuncia como [z] (cf. carrousel, Trésor de la Langue Française).

A grafia carrocel tem -c-, porque há quem considere que a palavra se relaciona com carroça, filiação que não é segura, porque o termo francês parece adaptação do napolitano (língua regional italiana) carusiello, que pode significar «bola de argila» (para usar num jogo) e «mealheiro (pequeno cofre para guardar moedas»)1.

Nos casos de pincel e corcel, o c tem outras motivações em cada caso (ver Dicionário Houaiss):

pincel vem do castelhano pincel, por sua vez, adaptação do catalão pinzell, que evoluiu do latim penicillum, i ou penicillus, i, «pincel»;

corcel é provavelmente outro castelhanismo, com a forma corcel, adaptação do francês coursier, «cavalo que corre, rápido».

Em suma, apesar de partilharem terminações homófonas ou até homónimas (como acontece com pincel e corcel), as terminações comentadas não constituem unidades linguísticas nem têm,...

Pergunta:

«Desancar» ou «desancar em»? Pergunto isto porque acabo de ler «Eu desanquei Portugal e os portugueses», quando na verdade me pareceria que se deveria ler «Eu desanquei em Portugal e nos portugueses».

Obrigado e bom ano!

Resposta:

O verbo desancar, «surrar» e, em sentido figurado, «criticar energicamente»1, comporta-se como outros verbos que ocorrem quer como verbos transitivos diretos quer como verbos transitivos indiretos – é o caso de agarrar. Isto mesmo confirma o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, coordenado por J. Malaca Casteleiro, que regista usos deste verbo com a preposição em e sem esta preposição:

(1) O matulão desancou o colega./ O pai desancou nos filhos. («surrar»)

(2) Os trabalhadores desancaram a situação política./ O colunista desancava na política cultural. («criticar»)

Em suma, o verbo pode ocorrer das duas maneiras, com e sem preposição. Por conseguinte, a frase «desanquei Portugal e os portugueses» está tão correta como «desanquei em Portugal e nos portugueses».

 

1 dicionário de Caldas Aulete classifica desancar como verbo dos registos popular e familiar, com os significados de «quebrar ou derrear com pancadas» e «maltratar, vencer».