Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se escreve em português: Innsbruck, Darmstadt, Wurzburg, Gottingen, Neukirchen, Paderborn, Einsiedein, Opladen, Leipzig?

Resposta:

Consultando o Vocabulário da Língua Portuguesa (VLP, 1966) e o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (TOLP, 1947), obras da autoria de Rebelo Gonçalves, bem como o recente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP, 2009), da Porto Editora, chego às seguintes conclusões:

Innsbruck (Áustria): existe forma vernácula, Insbruque (VLP, 1966), que, apesar de reflectir, em português europeu, a pronúncia deste nome, é pouco usada.

Darmstadt (Alemanha): existe a forma vernácula Darmestádio (VOP, 1966), que não se usa; o VOLP (2009) regista como nome comum a forma "Damstádio", provavelmente por engano.

Würzburg (Alemanha): sem forma vernácula.

Göttingen (Alemanha): existe a forma vernácula Gotinga (VOP, 1966; VOLP, 2009; TOLP, 1947, pág. 354), que tem algum uso a par da forma alemã.

Neukirchen (várias cidades com este nome na Alemanha e na Áustria): sem forma vernácula.

Paderborn (Alemanha): sem forma vernácula.

Einsiedeln, e não "Einsiede...

Pergunta:

Gostaria de saber qual das frases está correcta:

«Vamos para "o pé" deles» ou «vamos para "ao pé" deles»?

Desde já agradecido.

Resposta:

«Vamos para ao pé deles» é a forma correcta. Se «ao pé de» é o mesmo que «junto de», então é de esperar que esta expressão possa substituir globalmente aquela (diz-se que comuta); p. ex.:

1) a. «Vamos para ao pé deles.»

     b. «Vamos para junto deles.»

2) a. «Estamos ao pé deles.»

     b. «Estamos junto  deles.»

Os exemplos 1 e 2 mostram que «junto de» é equivalente a «ao pé de», incluindo a preposição a.

Pergunta:

Primeiramente venho parabenizar-lhes pelo ótimo site! Tem-me ajudado muito!

Deparei-me esses dias com uma questão que não consegui resolver. O enunciado era o seguinte:

«Pena que todo o entorno do parque "foi drenado" para permitir a plantação de soja.»

Para ser respeitado o padrão culto da língua, o emprego da forma verbal salientada acima passaria a:

a. se drenou

b. tinham drenado

c. fora drenado

d. tenha sido drenado

c. havia sido drenado

A resposta que constava era «d. tenha sido drenado», porém não consegui entender o porquê.

Haveria a necessidade de trocar do tempo simples para o tempo composto? «Foi drenado» e «tenha sido drenado» são equivalentes?

Uma outra dúvida, que apareceu junto com a primeira, foi do emprego da voz passiva analítica. Como não vi o complemento do verbo drenar, então eu utilizaria a forma:

«Drenou-se todo o entorno do parque», ao invés da forma apresentada. Eu poderia utilizá-la sem problemas?

Obrigado.

Resposta:

1. As orações completivas seleccionadas por expressões que envolvem uma apreciação («é pena», «é bom», «é melhor», etc.) têm o verbo no conjuntivo. Entre as opções apresentadas, só tenha sido drenado, pretérito perfeito do conjuntivo do verbo drenar na voz passiva, é a forma verbal adequada ao contexto:

a) «Pena que todo o entorno do parque tenha sido drenado para permitir a plantação de soja.»

Foi drenado é também o pretérito perfeito, mas do modo indicativo, do verbo drenar na voz passiva. Se a oração completiva em questão se transformasse numa frase simples, teríamos a ocorrência deste tempo e modo:

b)  «Todo o entorno do parque foi drenado para permitir a plantação de soja.»

2. Pode usar sem problemas a chamada passiva sintética («drenou-se»), em alternativa à passiva analítica («ser drenado»). Parece-me haver na pergunta alguma confusão quanto à construção passiva, visto dizer-se que não se vê «o complemento do verbo drenar»: se o que está em causa é referir o complemento directo, é claro que ele não ocorre, porque na construção passiva o objecto directo («alguém drenou o entorno do parque») do verbo na voz activa passa a sujeito da voz passiva («o entorno do parque foi drenado»).

Pergunta:

Numa aplicação informática, tenho de traduzir o termo unpublish. Uma possível tradução será «anular a publicação», contudo a palavra "despublicar" parece-me fazer mais sentido, apesar de me soar mal e de não a encontrar no dicionário.

Existe alguma incorrecção se for "criada" esta nova palavra, dado ser perceptível e me parecer correcta em termos da construção da língua?

Resposta:

Pode criar despublicar, se o contexto assim o permitir. Num universo em que publicar se identificar com a edição em papel, pode tornar-se improvável a "despublicação" depois da distribuição da edição (pode haver sempre alguém que tenha conseguido apanhar alguns exemplares). Mas, tendo em contra a publicação em linha, isto é, virtual, faz sentido o termo despublicar, parafraseável como «retirar de linha» ou «deixar de estar acessível na Internet».

Pergunta:

Um conjunto de deputados brasileiros está lutando por autorização de modificação do acordo ortográfico. A minha primeira reação foi de repúdio. Falei com os meus botões, no meu fraco castelhano, «ya empezamos»... Ainda o acordo não foi implementado em todos os países, e já querem modificar. Nunca mais temos acordo... No entanto, devemos dar uma chance à inteligência alheia e pensar que eles devem ter pensado nisso também. Se, apesar disso, queriam modificações, é porque teriam supostas sérias razões. Dois eram os aspetos sobre os quais recaíam as modificações. O trema. Sempre pensei que a anulação do trema não trouxesse problema algum. No entanto, desafio a compararem as conjugações do verbo intuir e arguir tal como elas estão hoje dicionarizadas em Portugal. Que salgalhada! Reparem por favor detalhada, sinóptica e exaustivamente para acentuação das formas conjugadas... Sei que está prevista a modificação. Os brasileiros já acentuam arguir como intuir. Quero ver o que vão fazer os portugueses. Nem tudo está previsto no acordo...

O pior de tudo no entanto é a não uniformização dos radicais. No Brasil se escreve e se escrevia fato mas factível, exceção mas excepcional. É curioso ver brasileiros contra este facto e dando razão aos portugueses de forma moderada quanto às consoantes mudas. Estas se deviam conservar quando fossem pronunciadas consideravelmente em uma formas dos radicais. Meditando bem, vi que esses deputados não estavam querendo boicotar o objetivo lusofônico de unicidade de escrita, mas simplesmente amavam a língua portuguesa, talvez mais do que muitos portugueses. Sou casado com um brasileira e reparei como a falta de uniformização dos radicais é muito pouco pedagógica. Posso garantir que pelo menos 9...

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as observações enviadas. Pela minha parte, limitar-me-ei a comentar duas delas:

1. «...desafio a compararem as conjugações do verbo intuir e arguir tal como elas estão hoje dicionarizadas em Portugal. Que salgalhada!»

Vale a pena reparar na conjugação de intuir e arguir no presente do indicativo, conforme o Acordo de 1945, ainda em vigor em Portugal no momento em que redijo esta resposta:

intuo
intuis
intui
intuímos
intuís
intuem
arguo
argúis
argúi
arguimos
arguis
argúem

A «salgalhada», na expressão do consulente, decorre exatamente dos critérios divergentes na acentuação de <ui> ditongo e «u-i» em hiato em verbos terminados em -uir: no verbo intuir só encontramos o acento agudo para marcar o hiato; no verbo arguir, temos o mesmo acento a marcar um ditongo.

A sequência «gu» + vogal, tal como «qu» + vogal, tem de ter um tratamento especial na ortografia, porque é geralmente um dígrafo antes das letras e e i, o que significa que geralmente, em palavras como guerra e seguir, o u não se pronuncia. Na história da ortografia do português desde 1911, uma forma de contornar esta especificidade, quando u é pronunciado, foi recorrer ao trema. No entanto, o Acordo Ortográfico de 1945 veio abolir este sinal, estabelecendo...