Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o relacionamento etimológico de silhar — painel, decoração de parede — e silha — cadeira em castelhano?

Resposta:

Trata-se de um fenómeno de convergência dos radicais das palavras, que têm origens diferentes:

silhar
: forma de enxilhar, do «subst[antivo] ing[lês] ashlar (1370) "bloco de pedra us[ado] em construções"»; o termo inglês tem origem no francês antigo aiseler, por sua vez evolução do latim axillaris, derivado de axilla, diminutivo de axis, «prancha» (diferente de axis, «eixo»);

silha, no sentido de cadeira (silla, termo corrente em castelhano): do «esp[anhol] silla (962 sob a f. siella) "cadeira, assento, sela de montar", do lat[im] sēlla,ae, "cadeira, assento, sela", der[ivado] de sed-la, do v[erbo] sedere, "sentar" [...].»

Pergunta:

«Ao domingo vou dançar» e «no domingo vou dançar». Posso dizer «ao domingo vou dançar»? É considerado erro?

Muito obrigada.

Resposta:

As duas frases estão certas, mas têm significados diferentes:

a) «Ao domingo vou dançar» indica que o domingo é o dia da semana em que alguém costuma dançar; o verbo ir é aqui usado como verbo pleno («vou dançar» = «desloco-me/saio para dançar»).

b) «No domingo vou dançar» quer dizer que no próximo domingo alguém vai dançar; o verbo ir é aqui empregado como auxiliar numa perífrase verbal com valor de futuro.

 

Cf. Qual a razão de não chamarmos «primeira-feira» ao domingo?

Pergunta:

A directa assimilação de palavras estrangeiras, adaptadas à grafia ou à fonética, não é novidade em Portugal.

É de estranhar que os léxicos portugueses incluam uma "corrupção" fonética do termo inglês media (em inglês diz-se "mídia") que é usado em diversos contextos com significados diferentes:

— meios de comunicação social, suportes de dados, formatos de ficheiros áudio e vídeo.

Das novas palavras relativas à ciência computacional já inseridas nos dicionários e que por não terem correspondências ou homónimos foram adaptadas ao novos significados: clique/clicar (click), disquete (diskette), formato/formatar (format), etc.

Ser contra estes estrangeirismos é no mínimo bacoco, pois o vocabulário provém do inglês e contra isso não há nada a fazer, excepto evitar as divergências entre original, o significado e a sua tradução.

Dada a troca de sons, do inglês para português, o e inglês diz-se "i", devia-se neste caso particular de media adoptar a fonética em detrimento da grafia. Ou seja "mídia".

O principal problema é que as crianças e os jovens que se deparam com a palavra media ou média ambas com significados muito diferentes da palavra original em inglês. Se por um lado m...

Resposta:

Em português europeu, a forma média, como equivalente do inglês media, redução de mass media,1 não é erro de dicção. O que acontece é que o inglês media, pronunciado aproximadamente como "mídia", é adaptação fonética do latim, media, plural do adjectivo neutro substantivado medium, que, em português, deu origem às palavras meio, por via popular, e a médio, por via erudita.

No Brasil, fez-se o aportuguesamento fonético e gráfico de media por via do inglês norte-americano, daí mídia (ver Dicionário Houaiss). Em português europeu, optou-se pela forma latina original, pronunciada "média": sendo assim, a adaptação fonética e gráfica do latim media é, na variedade lusitana, média, palavra convergente e homónima de média, «valor definido como uma grandeza equidistante dos extremos de outras grandezas» (idem).

É verdade que se revela sempre incómodo aumentar o número de homónimos, pelas confusões a que estes podem dar azo. Pode-se argumentar que o problema deixa de existir, quando se verifica que média, «meios de comunicação (de massas)», tem o género masculino, assim se distinguindo de média, «valor equidistante», do género feminino. Mas justamente porque média é um plural masculino anómalo, tem-se recomendado, para o português europeu, o emprego da forma latina media, entre aspas ou em itálico, de forma a evitar quer o anglicismo fonético quer a homonímia com média, substantivo feminino.

Pergunta:

Temos usado a palavra inglesa master para qualificarmos, em português, atletas de idade mais avançada. Como a usaríamos no plural: "masters", ou "másteres"?

Resposta:

Se usa o termo inglês, escreverá, em itálico ou entre aspas, de preferência, masters. Quanto à forma másteres, pressupõe uma forma (fonética e graficamente aportuguesada) máster, que encontro registada no Dicionário Houaiss como aportuguesamento do inglês master.

Pergunta:

Examinando a frase «é justo dizer que a parceria entre escola e família é fundamental», nesse contexto o substantivo parceria não aceita a preposição entre por se caracterizar um pleonasmo? Seria diferente se acrescentasse o verbo firmar: «é justo dizer que a parceria firmada entre escola e família é fundamental»? Nesse caso, então, a preposição seria regida pelo verbo firmar?

Resposta:

Uma construção alternativa é recorrer à preposição com (ver Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, São Paulo, Globo, 1995), mas com algumas modificações:

«A escola tem parceria com outras instituições.»
«Deve promover-se a parceria da escola com outras instituições.»

Considero, no entanto, que a preposição entre pode ser usada com parceria, apesar de pleonástica (uma parceria já  pressupõe uma relação entre duas partes):

«É preciso promover a parceria entre a escola e outras instituições.»

Há mais casos de uso pleonástico de preposições com verbos; por exemplo, «entrar em» é redundante porque entrar já inclui a noção de movimento para o interior de algo, que está contida na preposição em. Nestes casos, não vale a pena procurar formas mais ou menos rebuscadas de evitar a redundância, porque tais preposições estão consagradas pelo uso e seria pouco natural substituí-las por outras construções.

Quanto à alternativa que envolve firmar, devo dizer que ela nada altera: a preposição continua a ser governada por parceria, porque firmada é apenas um particípio adjectival que modifica aquele substantivo.