Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Será que me podem ajudar no seguinte:

Em muitos documentos (extensos) sobre a actividade de uma determinada organização (empresa, escola, associação etc.) recorre-se ao uso do sujeito tanto na terceira pessoa do singular como na primeira pessoa do plural porque permite uma maior flexibilidade na apresentação dos conteúdos e porque diminui-se o número de vezes que se utiliza o nome da entidade. Dou um exemplo:

«Financeiramente, a EDP reforçou a sua posição. A EDP encaixou mais de mil milhões de euros na alienação de activos não estratégicos, 25% acima do compromisso inicial. Demonstrámos a nossa credibilidade no mercado, sobretudo no contexto de um mercado mais difícil (...)»

Gostaria de saber se é correcta esta utilização "dual" do sujeito. Eu tenho desenvolvido textos deste modo, considerando que não estava a cometer nenhuma incorrecção.

Muito obrigada pela vossa atenção.

Resposta:

Recomenda-se que o sujeito do discurso seja coerente, devendo evitar-se a mistura de pronomes e de formas flexionadas de diferentes pessoas (ver Edite Estrela et al., Saber Escrever Uma Tese e Outros Textos, Lisboa: Edições Dom Quixote, págs. 43/44). Contudo, no caso vertente, é aceitável a alternância proposta entre a terceira pessoa do singular, quando se refere a entidade empresa, e a primeira pessoa do singular, para remeter ao conjunto de pessoas que nela trabalham. Do ponto de vista comercial, é até uma estratégia de tornar mais pessoal e humana a projecção da empresa junto dos seus clientes ou utentes.

Pergunta:

No caso de existir, no meio de uma frase, um travessão, no caso de esse mesmo travessão ocasionalmente ficar no final da linha (junto à margem direita), deve repetir-se o travessão na linha seguinte?

Resposta:

Consultei várias obras, e a conclusão que tiro é que não se repete o travessão na mudança de linha. No entanto, não há critério fixo para a colocação do travessão: pode aparecer tanto no final da linha como no princípio; por exemplo:

«Da comissão de reforma ortográfica faziam parte
os sábios mais competentes na etimologia portuguesa
Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos,
Carolina Michaëlis —, os que melhormente
estudaram a história de nossa língua e a de
nossa literatura [...] (Mário Barreto, De Gramática e de Linguagem, t. II, pág. 82 (I).)»

(Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Lisboa, pág. 397)

«Duas, três vezes por semana, havia de lhe deixar na algibeira das calças —
uma[s] largas calças de enfiar —, ou na gaveta da mesa, ou ao pé do tinteiro,
uma barata morta.»

(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, citado por Evanildo Bechara, ...

Pergunta:

Gostaria de saber se os verbos que indicam fenômenos naturais tais como: chover, nevar, gear, escurecer e outros são conjugados normalmente como os demais verbos. Algumas gramáticas trazem esses verbos apenas no infinitivo, porém no Aurélio pude ler a conjugação completa de todos eles.

Afinal é possível conjugar um verbo impessoal?

Grata.

Resposta:

É possível, mas não é aceitável, pelo menos na maior parte dos registos em português. Do ponto de vista flexional, todos esses verbos apresentam características morfológicas que permitem o uso dos sufixos flexionais de pessoa, tal como acontece com outros verbos: comer/como, comes, come, etc. — chover/*chovo, *choves, chove, etc.; cantar/canto, cantas, canta, etc. — nevar/*nevo, *nevas, neva, etc.

Note, de qualquer modo, que, pelo menos no Aurélio XXI, se lê que chover é «v. imp., conjugado só na 3.ª pess. sing.; em sentido figurado, porém, pode-se conjugar pessoal e transitivamente». No verbete de gear, existe um apontamento semelhante: trata-se de verbo defectivo só na acepção de «formar-se geada». Em relação a escurecer, não se põe o mesmo problema (cf. Dicionário Houaiss) porque o verbo se usa quer como intransitivo [«escureceu», «as nuvens escureceram(-se)»] quer como transitivo («as nuvens escureceram o céu»).

Pergunta:

Desejava saber se existe uma tradução em português para o serviço de aluguer de viaturas chamado vulgarmente carsharing...

Os meus agradecimentos antecipados.

Resposta:

Não há termo equivalente em português que se tenha generalizado. Nas outras línguas românicas, também se usa o anglicismo, mas há proposta de tradução, pelo menos, em páginas da Wikipédia:

catalão: cotxe multiusuari

francês: autopartage

italiano: auto condivisa ou condivisione dell'automobile ou passavettura

E em português? Ao que parece, pelo menos, pelo que revela a Internet, usa-se o termo inglês:

1 – «Depois do anúncio do programa de car-sharing (aluguer fácil de automóveis por curtos períodos de tempo) por parte da Carris [...]» (http://menos1carro.blogs.sapo.pt/107320.html, consultado em 4/03/10).

2 – «O CarSharing consiste na partilha da frota de viaturas da empresa pelos colaboradores, mas sendo a atribuição efectuada de uma forma automática com base nos pedidos, com uma gestão em Pool, permitindo também automaticamente imputar os custos utilização das mesmas pelos vários departamentos da sua empresa» (http://www.compta.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=90&Itemid=102, consultado em 4/03/10).

Mas há quem traduza:

3 – «O grupo francês Transdev lança amanhã o serviço de aluguer de automóveis à hora, no Porto, disponibilizando 20 viaturas em dez pontos da cidade, na expetativa de em breve ...

Pergunta:

Já lhes enviei minhas dúvidas e pediram-me para dar o contexto.

«O lábio glenoidal ântero-superior é o local mais comum de variações anatômicas labioligamentares.

Na inserção tipo I, o complexo labialbicipital se fixa firmemente à margem da glenóide, de forma que a sonda de um artroscópio não pode ser inserida entre o lábio e a glenóide.

Inserção tipo III do complexo labialbicipital. A seta cheia indica a presença de um p recesso profundo entre o lábio superior e a cavidade glenoidal.»

Trata-se de estudo sobre radiografia do ombro.

Como escrever corretamente: "lábio-bicipital", ou "labiobicipital", ou ainda "labialbicipital"?

Obrigada.

Resposta:

A forma curta do adjectivo labial é labio- em compostos eruditos (ou morfológicos), como labiodental, labionasal ou labiovelar, termos registados nos vocabulários ortográficos de Rebelo Gonçalves (1966), da Academia Brasileira de Letras (2009) e da Porto Editora (2009). A forma correcta será, em princípio, labiobicipital, mas é também de admitir labial-bicipital, com hífen, em «complexo labial-bicipital», se se pretende dizer «complexo que é labial e bicipital», mediante encadeamento vocabular.

[Fontes: L. Manuila et al., Dicionario Médico, Lisboa, Climepsi, 2003; Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos, Porto, Porto Editora, 2005.]